Alexandre Dumas e Aleksandr Púchkin são a mesma pessoa?

Russia Beyond (Jefferson Mendoza/EyeEm/Getty Images; Galeria Tretiakov; Smithsonian American Art Museum)
Há uma teoria de que o grande poeta russo Púchkin não morreu ferido em um duelo, mas sim fingiu a própria morte e partiu para a França, onde passou a escrever romances sob o nome de Alexandre Dumas.

Na Rússia, a morte de pessoas famosas é frequentemente cercada de mitos. Existe, por exemplo, o mito de que o imperador Alexandre 1° não morreu jovem, mas sim partiu para um mosteiro siberiano e lá permaneceu até a velhice; o de que o famoso escritor russo Nikolai Gogol foi enterrado vivo porque caiu em um sono letárgico; o de que a filha de Nicolau 2º, Anastassia, não foi executada pelos bolcheviques.

Essas teorias da conspiração não deixaram de fora o poeta mais amado e famoso da Rússia, Aleksandr Púchkin. Quase 200 anos após sua morte, novas lendas com ele continuam surgindo. Nos últimos dez anos, por exemplo, apareceu na internet russa a hipótese de que Aleksandr Púchkin não morreu, mas se mudou para a França e continuou seu trabalho literário sob o nome Alexander Dumas — “apenas” um dos escritores mais famosos do mundo.

Esq.: Alexandre Dumas; dir.: Aleksandr Púchkin.

Inesperadamente, os defensores dessa teoria encontraram muitas coincidências misteriosas e inegáveis nas biografias de Púchkin e Dumas.

Último duelo e o funeral secreto de Púchkin

Em 1836, se espalharam em São Petersburgo rumores de que a mulher de Púchkin, Natália Gontcharova, estava tendo um caso com o francês Georges d'Anthès. O impulsivo poeta não suportou a boataria e desafiou d'Anthès para um duelo. Durante o combate, o poeta foi ferido e morreu dois dias depois. Mas ele foi enterrado praticamente em segredo.

A morte do poeta número um do país foi uma tragédia e um choque para muitos. Os cidadãos de São Petersburgo começaram a culpar o governo e a sociedade secular pelo ocorrido. Milhares de pessoas que foram se despedir do falecido poeta na casa dele expressaram seu descontentamento.

Para evitar possíveis distúrbios, o imperador ordenou evitar um funeral público. Assim, foi anunciado ao público que a despedida aconteceria na Catedral de Santo Isaac, em São Petersburgo, mas, durante a noite, os policiais levaram o caixão para a distante província de Pskov. Púchkin foi enterrado ali, em um mosteiro próximo da mansão de sua família, em Mikháilovskoie. No funeral, além dos policiais, estava presente apenas um de seus amigos e alguns criados.

Esq.: Piotr Sokolov,

A morte e o enterro secreto deram asas à fantasia do povo e geraram várias teorias da conspiração. Além disso, nos últimos anos de sua vida, Púchkin sempre reclamava de uma sensação de desesperança. A humilhante posição na corte e a obrigação de comparecer aos bailes, o relacionamento difícil com o tsar Nicolau 1º, dívidas enormes e a relutância da esposa em romper com a vida na capital e se mudar para o interior o torturavam.

Havia apenas duas saídas possíveis: a morte ou a fuga. Além disso, Púchkin nunca teve permissão para ir ao exterior, embora desejasse apaixonadamente conhecer a Europa. Existe até uma teoria da conspiração de que o próprio tsar enviou Púchkin a Paris como espião, sob o nome de Alexandre Dumas, e pagou 70 mil rublos de suas dívidas — uma quantia enorme para a época.

Púchkin podia virar Dumas?

Púchkin era fluente em francês e escreveu suas primeiras obras nesse idioma. Ou seja, teoricamente, ele poderia escrever romances em francês. Além disso, os romances mais famosos de Dumas, que lhe trouxeram fama literária — "Os Três Mosqueteiros", "Vinte Anos Depois", "O Conde de Monte Cristo" —, foram escritos logo após a morte de Púchkin, em meados de 1840.

Há outra coincidência incrível. Em 1840, sob o nome de Dumas, foi publicado o romance "O Mestre de Esgrima". Os acontecimentos descritos neste livro se passam na Rússia e revelam o excelente conhecimento do autor não apenas da toponímia de São Petersburgo, mas também da realidade russa da época.

Neste livro, o protagonista recebe notas de um mestre de esgrima que lecionava na Rússia. Muitos de seus alunos se tornam dezembristas, ou seja, participantes da revolta dos aristocratas de São Petersburgo em 1825. A rebelião foi reprimida e os dezembristas foram exilados para a Sibéria. Dumas mostra um conhecimento incrível da vida dos dezembristas e dos detalhes da revolta.

O tema dos dezembristas era muito próximo e muito doloroso a Púchkin, já que muitos desses revoltosos eram amigos íntimos, e ele próprio não participou da revolta só porque já estava exilado na propriedade de sua família em Mikháilovskoie (ele ali permaneceu entre agosto de 1824 e setembro de 1826). Púchkin, porém, não escreveu nenhuma obra sobre dezembristas — pelo menos não com sua assinatura.

Também é curioso que, na década de 1860, Dumas viajou pela Rússia. Depois de visitar brevemente a capital, o escritor foi ao Cáucaso e conheceu os lugares mais amados por Púchkin, onde se encontrou os protótipos do romance “O Mestre de Esgrima” — entre eles, o conde Ánnenkov, que Púchkin conheceu pessoalmente.

Dumas tinha um grande interesse pela literatura russa. Ele traduziu "Ode à Liberdade" de Púchkin, “Um Herói do Nosso Tempo”, de Liérmontov e outras obras literárias russas. Mas, curiosamente, Dumas não sabia o idioma russo e, segundo pesquisadores, fora ajudado pelo escritor russo-francês Dmítri Grigorôvitch.

O que Púchkin e Dumas têm em comum?

Dumas e Púchkin têm muito em comum. Por exemplo, ambos tinham raízes africanas. O bisavô de Púchkin, o etíope Abram Gannibal, era próximo de Pedro 1º, e a avó de Dumas era uma escrava negra do Haiti. “Ele era como uma força elementar, porque o sangue africano fervilhava nele”, escreveu o biógrafo de Dumas, André Maurois. Algo semelhante sempre foi dito por contemporâneos sobre Púchkin.

Além disso, eles tinham quase a mesma idade: Púchkin nasceu em 1799, Dumas, em 1802. Ambos odiavam disciplina e restrições, eram impulsivos e incrivelmente apaixonados por mulheres, e foram exilados por algum tempo. Basta olhar para os retratos de ambos os escritores: a semelhança dos rostos é inegável.

A caligrafia dos escritores também é incrivelmente semelhante.

Outro fato interessante em favor desta teoria da conspiração está no romance de Dumas "O Conde de Monte Cristo": o nome da personagem principal é Edmond Dantès. O "assassino" de Púchkin é Georges d'Anthès.

No livro de Dumas, Dantès encena sua própria morte e se declara uma pessoa diferente, o Conde de Monte Cristo. Os defensores do mito da falsa morte de Púchkin acreditam que isso seja uma espécie de “dica” de Púchkin e uma tentativa de defender Georges d'Anthes, que os fãs de Púchkin odeiam até hoje.

No romance em versos "Eugênio Onêguin", Púchkin descreve o duelo e a morte do poeta Lênski por ciúme, que é muito parecida com a biografia do próprio Púchkin.

A propósito, ambos os escritores foram muito prolíficos, amavam história e o romantismo, e trabalharam em gêneros diferentes: dramas, romances e poesia.

Esq.: Orest Kiprênski,

Assim, é possível acreditar que Púchkin e Dumas tenham sido a mesma pessoa. Mas não há respostas sobre como, no final da década de 1820 e início da década de 1830 — ou seja, antes da morte de Púchkin —já surgiam nos palcos de Paris as peças de Dumas "Henrique 3º e sua Corte", "Antônio" e "Napoleão Bonaparte ou Trinta Anos da História da França". Ninguém sabe explicar tampouco como foi que ninguém reconheceu Púchkin disfarçado de Dumas em sua viagem pela Rússia...

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