Nomeie agora alguma morada,
Eu não vi um canto assim,
Onde seu semeador e seu guardião,
O manso camponês russo não se lastime?
Nikolai Nekrássov.
Galina Kisseleva/SputnikEstes são versos do seu poema “Razmichlénia u parádnogo podiezda” (em tradução livre, “Reflexões à Porta da Frente”). Muito antes da Revolução de 1917, em meados do século 19, o poeta foi um dos primeiros no país a se ocupar da vida dos camponeses na Rússia.
Ele entendia que toda a Rússia se apoiava sobre os camponeses, via seu sofrimento com os próprios olhos, sentia por eles e escrevia muito sobre seu duro destino.
Nikolai Gue. Retrato de Nikolai Nekrássov, 1872.
Museu RussoNa crítica literária soviética, Nekrássov era considerado um adepto das visões democráticas revolucionárias. Desde criança viu o pai, fazendeiro, tratar os servos com crueldade. Ele presenciou e teve plena consciência do que era a injustiça social.
Nekrássov escreveu seus primeiros poemas na adolescência. O pai queria que ele seguisse a carreira militar, mas o jovem o desobedeceu e foi para São Petersburgo, onde ingressou na faculdade de filologia como ouvinte.
Furioso, o pai cortou todo o apoio financeiro, e assim o jovem poeta experimentou todas as dificuldades da vida. Ele pegava qualquer trabalho que aparecesse: professor escolar, editor etc.
Mesmo assim, conseguia encontrar tempo para escrever poesia e prosa. Aos 19 anos, Nekrássov lançou sua primeira coleção de poemas, “Metchti i zvúki” (em tradução livre, “Sonhos e sons”), que foi bem recebida pelos críticos.
Aleksêi Venetsianov. Primavera, terra arada, anos 1920.
Galeria TretiakovNa década de 1840, Nekrássov conseguiu emprego em uma das revistas literárias mais influentes da época, a Otetchestvennie Zapíski (Notas da Pátria), onde conheceu o famoso crítico Vissarión Belínski.
Com a ajuda dele, Nekrássov fez amizade com muitos escritores russos e iniciou uma atividade editorial de sucesso. Ele pedia a escritores que lhe dessem um conto ou novela gratuitos e compilava esses manuscritos em almanaques com obras de Fiódor Dostoiévski, Ivan Turguêniev e Aleksandr Herzen.
Mais tarde, Nekrássov se afastou de Belínski e tornou-se editor de outro importante jornal literário, o Sovremennik (Contemporâneo), fundado por Aleksandr Púchkin. Por meio de seus esforços, a revista descobriu vários talentos literários e alçou Tolstói e Dostoiévski à fama.
Nekrássov deu preferência à literatura "cívica", que levantava questões socialmente significativas. “Acorde: fulmine os vícios com coragem...”, “Você pode não ser poeta, / Mas deve ser um cidadão”, escreveu em seu poema “Poeta e cidadão”, que refletia sua visão sobre o propósito da poesia.
Nekrássov era fiel às suas convicções, e muitas de suas obras destacavam o sofrimento do povo russo. “O povo russo já suportou o suficiente”, escreveu ele no poema “Estrada de ferro”. “Ele suportará tudo o que o senhor mandar!”
Iliá Répin. Rebocadores de barcos no Volga (1870-1873).
Museu RussoEla era particularmente sensível à terrível posição das mulheres na sociedade russa. Como o pai maltratava a mãe, desde a infância Nekrássov percebeu a difícil situação das mulheres russas. Nenhum outro escritor russo sentia isso mais do que ele.
Em seu poema “Rússkie jênschini” (“Mulheres Russas”), de 1871, Nekrássov uniu dois temas que mais o preocupavam: a vida dos camponeses e a opressão às mulheres.
O poema conta a história de duas esposas de dezembristas que seguem seus maridos prisioneiros sozinhas pelo país até a Sibéria e veem cenas terríveis de um “país oprimido e desesperado”, onde encontram “um mestre severo e um camponês miserável e trabalhador, de cabeça baixa... Já que o primeiro está acostumado a ser governante e o segundo, escravizado!”
Nikolai Bestujev. Serguêi Volkônski com a mulher em cela na prisão Petróvskaia, 1830.
Domínio públicoA importância da poesia cívica foi posteriormente reconhecida por outros poetas, pois surgiu toda uma "escola de Nekrássov" de poetas que se opunham àqueles que defendiam a "arte pela arte".
Até mesmo alguns dos poetas do início do século 20, da Era de Prata da poesia russa, compartilhavam dos temas e da linguagem de Nekrássov - em particular Aleksandr Blok.
Os bolcheviques gostavam muito de Nekrássov: Lênin o chamava de "velho democrata russo" e usava seus versos como epígrafes para seus artigos.
Nekrássov dedicou a última década de sua vida à sua principal obra, o poema “Quem vive bem na Rússia?” Ele ficou de 1865 até sua morte, em 1878, escrevendo esses versos, que publicou, capítulo por capítulo, nas revistas “Sovremennik” e “Otetchestvennie Zapíski”, contornando a censura.
Em termos de estrutura, “Quem vive bem na Rússia?” parece um poema épico antigo com heróis errantes. Ele também tem numerosos elementos de contos de fadas e folclore. Nekrássov tentou falar em nome de camponeses comuns e introduz, em uma manobra inédita, o vernáculo das pessoas comuns na literatura russa.
A abolição da servidão, que ocorreu na Rússia em 1861 e que, na opinião de Nekrássov, só piorou a situação dos camponeses, deixando-os sem terra e sem segurança, e levou ao declínio de propriedades e aldeias em geral: "A grande corrente se quebrou, se quebrou e atingiu, com uma ponta, o patrão e, com a outra, o camponês.”
O poema começa com sete camponeses de diferentes aldeias tendo uma discussão acalorada sobre quem na Rússia vive bem. Cada um tem sua própria teoria: um diz que são os proprietário de terras, outro, que são os funcionários públicos.
Os outros candidatos a uma vida feliz na Rússia são os padres, os comerciantes, os boiardos e, finalmente, o tsar. Os sete camponeses decidem viajar pelo país em busca de pessoas satisfeitas com sua vida. Mas em que consiste a felicidade? E eles conseguem encontrá-la? O final do poema vai surpreender o leitor!
Produção de Kirill Serebrennikov baseada em poema de Nekrássov.
Irina Poliarnaia / The Gogol CenterO poema recebeu críticas diversas quando foi publicado. Alguns o elogiaram pela amplitude de sua visão da Rússia, pela profundidade de sua compreensão e pela relevância dos problemas levantados, comparando-o ao romance “Almas Mortas”, de Nikolai Gógol.
Outros, no entanto, o criticaram pela natureza surreal de suas representações e caracterizações. Além disso, os críticos não conseguiam entender como a mesma pessoa poderia ser um oponente tão ardente da servidão e, ao mesmo tempo, lamentar sua abolição.
Mas foi precisamente a oposição à servidão que tornou Nekrássov querido pelos bolcheviques. Os críticos literários soviéticos elogiavam Nekrássov por tentar se aproximar das pessoas comuns e usar seu vernáculo, bem como por sua simpatia pelas classes oprimidas.
Nos tempos soviéticos, as obras completas de Nekrássov foram publicadas e seus poemas passaram a fazer parte do currículo escolar. Ele é ensinado na escola até hoje e seu poema “Quem vive bem na Rússia?” tornou-se fonte de numerosas citações e aforismos populares.
Em 2015, o renomado diretor Kirill Serebrennikov transformou o poema em uma grande produção teatral, demonstrando a natureza atemporal da obra e sua relevância até os nossos dias, ao capturar uma certa essência da “alma russa”.
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