“Barcaças da morte”, o pior pesadelo da Guerra Civil na Rússia

História
BORIS EGOROV
Durante a Guerra Civil Russa (1918-1923), os bolcheviques e seus oponentes criaram muitas prisões flutuantes, que ficaram conhecidas como “barcaças da morte”. Os prisioneiros eram mantidos nelas em condições desumanas: um pequeno porão podia abrigar centenas de pessoas famintas e sem quaisquer condições de higiene.

As prisões flutuantes foram uma das páginas mais sombrias da história da Guerra Civil Russa: eram barcaças de carga em que centenas de pessoas eram mantidas em quartinhos, sofrendo sob condições insalubres, com as doenças e as repressões dos guardas. Esses navios, cheios de criminosos e prisioneiros militares, ficaram conhecidos como “barcaças da morte”.

Inferno na água

Essas prisões flutuantes eram utilizadas tanto pelo Exército Vermelho, quanto por seus adversários, o Exército Branco. Isso porque era quase impossível fugir desses navios. Além disso, menos guardas eram necessários nessas prisões, em comparação com as tradicionais.

Os dois lados beligerantes foram acusados de levar essas embarcações cheias de prisioneiros de guerra para alto mar ou para o meio de rios e os afundar propositalmente. No entanto, não há nenhuma evidência documental de tais execuções em massa. Mesmo sem essas provas, as “barcaças da morte” eram lugares verdadeiramente medonhos.

O doutor Kônonov, que acabou indo parar na barcaça "Volkhov", dos Brancos, escreveu o seguinte: "todo mundo ficava terrivelmente apertado; as escotilhas, a única fonte de ar e luz, eram pregadas e não eram abertas por vários dias. Os prisioneiros nunca recebiam comida, exceto um pedaço de pão [por dia] Todos tinham tifo e disenteria. Os doentes se defecavam por cima, e seus excrementos fluíam para os que estavam embaixo deles. Os mortos ficavam misturados com os vivos por dias [...] Os vermes invadiam as feridas purulentas dos vivos, os narizes e os ouvidos dos mortos. Um fedor insuportável dominava qualquer um que se aproximasse da escotilha por fora."

Os pedaços de pão entregues para os prisioneiros muitas vezes estavam cobertos de mofo de todas as cores — devido a alta temperatura a bordo, o alimento apodrecia rapidamente. Nunca havia água limpa e potável, e os encarcerados bebiam água dos rios, o que, por sua vez, contribuía para a propagação de doenças intestinais.

Era possível conseguir comida com os guardas se o prisioneiro tivesse pelo menos algum objeto valioso à mão. Às vezes, as pessoas trocavam suas únicas botas ou calças por um pedaço de pão velho. Os guardas, por sua vez, não hesitavam em aplicar a força física aos prisioneiros por qualquer motivo ou até executá-los. Os cadáveres das vítimas eram simplesmente jogados ao mar ou ao rio.

Fuga do inferno

Apesar de escapar da "barcaça da morte" ser uma tarefa quase impossível, havia tentativas. Assim, em um dia quente de julho de 1919, os prisioneiros da barcaça “Volkhov”, que navegava ao longo do rio Tura, perto da cidade de Tiumen, decidiram fugir.

No navio, havia 160 criminosos e 900 prisioneiros de guerra, incluindo 400 húngaros que lutaram ao lado dos bolcheviques. O motivo foram os boatos de que os Brancos pretendiam afundar a barcaça com todos os passageiros.

Quando duas escotilhas do porão foram abertas e os prisioneiros começaram a sair para o banheiro no convés, ouviu-se um grito "Viva!". Na popa, os prisioneiros conseguiram desarmar e matar diversos guardas, mas, perto da segunda escotilha, a tentativa falhou.

Percebendo seu fracasso, os prisioneiros começaram a pular na água, mas apenas uma pequena parte deles alcançou a costa — a maioria foi morta pelos fuzileiros. Depois de devolver os prisioneiros restantes ao porão, os guardas fuzilaram dezenas deles como punição.

O destino dos prisioneiros de uma outra barcaça dos Brancos, que estava perto da cidade de Sarapul, foi mais bem-sucedido. Ao saber que havia quatrocentos soldados Vermelhos capturados a bordo, o comandante da flotilha bolchevique “Fiodor Raskólnikov”, que navegava pelo rio Volga, decidiu realizar uma missão astuta e arriscada.

Em 16 de outubro de 1918, o contratorpedeiro do Exército Vermelho Prítki, sob a bandeira dos Brancos, dirigiu-se ao local da prisão flutuante. Marinheiros soviéticos disfarçados disseram que haviam chegado para evacuar a barcaça para outro local. Os Brancos não perceberam a armadilha.

Quando a barcaça foi rebocada a uma distância considerável, os bolcheviques atacaram os guardas e os desarmaram rapidamente. "A escotilha começou a se abrir. Um marinheiro olhou para dentro da escotilha e disse: ‘Vocês estão vivos, irmãos?’ e jogou um pedaço de pão. O que aconteceu depois disso: não há palavras para descrever! As pessoas gritavam ‘Viva!’, batiam palmas, e muitos ainda não acreditavam que tinham sido salvos", escreveu o prisioneiro de guerra Vikénti Karmanov.

"Era assustador olhar para as pessoas emaciadas e exaustas", escreveu o membro da tripulação do Prítki, Evguêni Freiberg. "Eles todos pareciam ter saído de túmulos."

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