O sofrimento dos alemães soviéticos na Segunda Guerra Mundial

História
JANNA NEIGENBAUER
Devido a sua origem, os alemães étnicos que já estavam estabelecidos na URSS antes dos conflitos foram vítimas de deportações e repressões em massa. Quase todos foram obrigados a servir no exército trabalhista, ou seja, formações militarizadas de trabalho forçado sob as mais duras condições.

Um alemão soviético que conseguiu sobreviver ao trabalho compulsório no exército trabalhista escreveu, posteriormente: “Lembro-me das carroças nas ruas, cheias de cadáveres de soldados do exército trabalhista que morreram de fome e frio.”

Esse exército de trabalho forçado, chamado em russo de "trudármia" (um misto das palavras “trud”, ou seja, “trabalho”, e “armia”, “exército”), foi um dos modos como a URSS passou a tratar os "povos culpados": alemães, finlandeses, romenos, húngaros e búlgaros.

Essas pessoas já eram cidadãs soviéticas quando os eventos da Segunda Guerra eclodiram, mas tinham origem estrangeira e, por isso, eram consideradas culpadas pelas ações de seus países de origem no conflito.

O que era o exército trabalhista?

O governo soviético começou a criar o exército trabalhista em setembro de 1941, quando os alemães foram deportados de regiões russas ao longo do rio Volga e da Crimeia para a Sibéria e o Cazaquistão.

As condições de vida na Sibéria eram terríveis, e todos os deportados estavam à beira da morte. O governo percebia que a insatisfação dos deportados era um perigo potencial para a URSS.

Por outro lado, a União Soviética precisava de uma força de trabalho que garantisse o funcionamento da indústria em tempos de guerra. Assim, ambas as questões poderiam ser resolvidas enviando alemães soviéticos para realizarem trabalhos forçados.

Em 10 de janeiro de 1942, o Comitê de Defesa do Estado emitiu a resolução secreta "Sobre os procedimentos para o uso de colonos alemães em idade militar de 17 a 50 anos de idade".

De acordo com ela, os homens que estivessem aptos ao trabalho físico seriam enviados para extrair madeira e construir ferrovias e fábricas. Para isso, os alemães tinham que comparecer a pontos de coleta “com boas roupas de inverno, roupa de cama, uma caneca, uma colher e comida para dez dias” - requisitos surreais para pessoas que haviam sido deportadas sem a possibilidade sequer de arrumar as malas. O não comparecimento ou deserção, podiam ser condenados pelo governo com pena capital.

Reza a lenda que foram os próprios mobilizados que começaram a chamar suas formações de trabalho forçado de "exército trabalhista". Diversos historiadores explicam que esse termo não pode ser encontrado em documentos oficiais, mas era usado por algumas dessas pessoas, que não queriam se equiparar a prisioneiros.

Mas outros historiadores afirmam que o termo existe, sim, em documentos não oficiais de funcionários locais e chefes de campos de trabalhos.

Como viviam os trabalhadores?

O historiador Nikolai Bugai afirma que o exército trabalhista era uma mistura de "serviço militar, atividade industrial e condições de vida dos campos de trabalho forçado do Gulag".

Muitos alemães mobilizados no exército trabalhista descreviam as terríveis condições de vida com horror. "Fomos parar em um verdadeiro campo de concentração", escreveu Mikhail Schmidt, natural de Kharkov.

"Entrei na equipe geral e tínhamos que cavar uma trincheira para o esgoto da usina Ural. O solo estava congelado, as temperaturas caíram abaixo dos 35 graus negativos. A gente escavava com pés-de-cabra e marretas, era um trabalho árduo. Muitos não sobreviveram".

Outro alemão mobilizado na região dos montes Urais, Albert Heinrichs, escreveu: “Nossas condições de vida eram as mesmas de prisioneiros. Era especialmente assustador olhar um para o outro nos banhos: nus, parecíamos esqueletos.”

Faltavam alimentos e vestimentas e os estrangeiros realizavam muitas horas de trabalho árduo sob um clima rigoroso e sem aquecimento no inverno, mas mesmo assim as exigências quanto a eles eram muito elevadas. 

A disciplina era rigorosamente monitorada, os campos eram cercados com arame farpado, patrulhados e guardados por oficiais armados, que muitas vezes tratavam os mobilizados com hostilidade aberta e até ódio.

“Certa vez, no inverno, nossa brigada se aproximou dos guardas. A gente sempre ficava parado ali, por muito tempo, na geada forte. Um prisioneiro caiu. O guarda se aproximou dele, chutou-o e disse: 'Levanta, filho da puta fascista!' Mas ele já estava morto”, escreveu Mikhail Schmidt. 

Mas, entre guardas e moradores locais havia também empatia e ajuda para que esses alemães sobrevivessem às terríveis condições: “Um guarda nos deixava sair à noite no verão. A gente ia aos campos, encontrava nabos ou outros vegetais, cozinhava e comia. Na primavera, a gente encontrava até batatas congeladas”, escreveu Maria Sabot, que vinha da região do Volga.

A demanda por trabalhadores crescia e, assim, a mobilização continuava. No final de 1942, pessoas de outros países também começaram a ser enviadas ao exército trabalhista: finlandeses, romenos, húngaros, búlgaros, italianos e outros representantes de "povos culpados", cujas pátrias históricas lutaram ao lado dos nazistas.

Foram recrutados todos os homens entre 15 e 55 anos e mulheres entre 16 e 45 anos, exceto grávidas e aquelas que tivessem filhos menores de três anos. “Lembro como as crianças corriam atrás dos carros... Corriam e gritavam: 'Mamãe, não me deixe, me leve com você!' Mas os militares não paravam o carro. As crianças pequenas ficavam com parentes ou eram entregues a orfanatos”, relata Emertiana Frank, que trabalhava na fábrica de papel "Ural".

Muitos membros do exército trabalhista consideravam o ocorrido uma injustiça. Mas, segundo o historiador Arkádi Guerman, a geração mais velha já havia sobrevivido à germanofobia do regime tsarista, aos horrores da Guerra Civil e às repressões da década de 1930, por isso estava conformada com tais acontecimentos – apesar da crueldade das autoridades ter sido um choque para a juventude.

Os jovens, que cresceram sob os ideais socialistas, “não conseguiam entender como era possível identificá-los como fascistas. A situação lhes causava ressentimento e desejo de provar sua lealdade e patriotismo com seu trabalho ativo e comportamento exemplar”, escreveu Guerman.

“A gente trabalhava junto, acreditava que também estava ajudando a frente de batalha com nosso trabalho, tinha esperanças de voltar para casa, encontrar os parentes na véspera de Natal... As mulheres do exército trabalhista cantavam baixinho canções e rezavam a Deus para que as ajudasse a acabar rapidamente com aquela maldita guerra e restaurasse a justiça àqueles que não tinham culpa de nada”, relatou Emertiana Frank.

Outros mobilizados, porém, resistiram, se recusavam a trabalhar e até tentaram fugir. Os capturados eram julgados e, muitas vezes, condenados à morte.

Depois da guerra

O exército trabalhista não foi dissolvido com o fim da guerra contra a Alemanha nazista. Isso ocorreu apenas em 1947. No total, durante a guerra, cerca de 316 mil alemães soviéticos foram mobilizados para trabalhos forçados, de acordo com fontes diversas.

No entanto, os sobreviventes não puderam retornar aos seus locais de origem. Eles foram autorizados apenas a voltar ao local onde tinham sido enviados no início da mobilização.

Em 26 de novembro de 1948, foi emitido o Decreto do Presidium do Soviete Supremo da URSS “Sobre a responsabilidade criminal por fugas de locais de assentamento obrigatório e permanente de pessoas enviadas a áreas remotas da União Soviética durante a Grande Guerra Patriótica”.

Esse decreto proibiu os mobilizados de mudar seus locais de residência "para sempre, sem direito de retorno". A saída não autorizada dos chamados "colonos especiais" era considerada uma fuga e podia levar a 20 anos de trabalhos forçados nos campos.

Mas isso possibilitava o reencontro com entes queridos, incluindo crianças deixadas sob os cuidados de fazendas coletivas e parentes deficientes. No entanto, nem todos conseguiram encontrar seus parentes. Edwin Grib, que passou anos no exército trabalhista, escreveu à época: “Há mães em Solikamsk que ainda não conseguiram achar seus filhos. As crianças enviadas a orfanatos receberam novos nomes e sobrenomes."

O regime de assentamentos especiais foi suspenso em 1955, após a morte de Ióssf Stálin, mas os alemães soviéticos não receberam de volta nem suas propriedades, nem o direito de retornar à pátria.

Isso também não foi concedido sob o governo de Nikita Khruschov, que reconheceu a injustiça das acusações contra os alemães, anunciadas por ele como "uma manifestação da arbitrariedade enquanto ocorreu o culto à personalidade de Stálin".

As restrições foram suspensas apenas em 1972, quando o Presidium da URSS determinou que os alemães e outros povos, que antes não tinham direito de escolha, "gozassem, como todos os cidadãos soviéticos, do direito de escolher seu local de residência em todo o território da URSS".

Mesmo assim, o governo não queria que os alemães voltassem a seus antigos assentamentos e não facilitou a realocação. As iniciativas dos alemães para criar uma autonomia nacional também não foram implementadas.

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