A vida na costa do Mar Branco é difícil até hoje. Os ares do Oceano Ártico se fazem sentir o ano todo. Durante mais da metade do ano, o mar fica coberto de gelo e, no resto do ano, é fustigado por violentas tempestades.
Mas, até o século 18, o porto de Arkhanguelsk no Mar Branco era a única janela da Rússia para a Europa, função que caiu quando Pedro, o Grande, construiu São Petersburgo.
Carregamento de peixes em 1896.
Domínio públicoQuem vivia no litoral do Mar Branco (“pomor” significa “pessoa que vive à beira-mar”) enfrentava uma realidade dura e desafiadora. Era preciso saúde e resistência, como um bogatir (herói guerreiro do folclore), coragem e espírito empreendedor.
Os moradores locais ganhavam a vida não apenas com o comércio, mas principalmente com a pesca — já que a agricultura era impossível nesses rincões do mundo.
Vestimentas pomor.
ArquivoOs pomors têm origem em Velíki Nôvgorod. Antigamente, esta cidade russa tinha terras no norte e competia com Moscou por supremacia. Segundo o etnógrafo de origem pomor Ivan Durov (1894-1938), os primeiros habitantes da costa do Mar Branco foram os sami (lapões), que foram forçados a sair pelos finlandeses — os quais, por sua vez, foram expulsos pelos suecos e carelianos.
Pomors no início do século 20.
Nikolai ChabúninA partir do século 14, os cidadãos de Velíki Nôvgorod estabeleceram seu governo ali. Eles "viram, na terra intocada ao longo do distante, severo e gelado Mar Branco, que havia a possibilidade de uma rica vida com a caça, a pesca e a produção de sal", escreveu.
Mulheres pomor com vestimentas típicas.
Irina LapchinaE assim foi: os pomors tiveram sucesso na pesca, na construção de barcos e na fabricação de sal. Povoados fundados pelos colonos na época estão até hoje no mapa: Sumski Possad (1436), Varzuga (1466), Umba (1466) e muitos outros.
Grupo de velhos crentes pomors.
Domínio público"Pessoas com ideias semelhantes se juntaram para formar ‘artels’ [associações de artesãos] para se engajar nessas ocupações em conjunto. Eles se estabeleceram ao longo dos rios que correm para o Mar Branco", explica Svetlana Kochkina, historiadora do Centro Cultural Pomor em Belomorsk.
Coro pomor do clube de ferroviários em 1937.
Domínio públicoEm meados do século 15, o governo de Nôvgorod doou suas terras do Mar Branco ao recém-fundado Mosteiro Solovetski. Mas, dois séculos depois, quando o mosteiro se rebelou contra a reforma da Igreja, as terras foram transferidas para o Estado.
Sumski Possad.
Pável KuzmitchevAté Pedro, o Grande, fundar São Petersburgo — abrindo sua própria "janela para a Europa" através do Mar Báltico — Pomorie (como é chamada historicamente a área costeira do Mar Branco) serviu a esse propósito.
Os pomors vendiam farinha de centeio, linho e manteiga com os europeus, e estes enviavam seu próprio peixe, assim como café, chá, tecidos da moda e joias. De Arkhanguelsk, os pomors enviavam mercadorias estrangeiras para toda a Rússia ao longo do rio Dvina do Norte.
Sumski Possad.
Pável KuzmitchevO negócio era lucrativo e as famílias de pescadores pomor podiam comprar boas casas, roupas e utensílios domésticos que não existiam em outras regiões do país.
Os tradicionais chapéus usados por mulheres casadas, bordados com fios de ouro e chamados de povoiniks, restaram em muitas famílias, segundo Irina Ilina, que estuda e ensina artesanato pomor em Belomorsk.
Foto de Olga com povoinik ao lado.
Pável Kuzmitchev“As artesãs vendiam milhares de ‘dontse’ [a parte de cima dos povoinik, que tinham bordados e enfeites esmerados] a cada feira, e restaram peças conosco hoje que têm mais de 150 anos”, diz ela.
"Nesta fotografia da década de 1930, minha avó Kapitolina e minha bisavó Vassilissa estão usando o mesmo tipo de povoinik, mas com colares de pérolas", diz sua aluna Olga.
Tiara povoinik contemporânea.
Pável Kuzmitchev"Também estou usando os brincos da minha bisavó, os mesmos da foto. Minha avó também usava uma pulseira e uma corrente com pingente. Eles não viviam mal. Os pomors pensavam: quanto mais enfeitada a esposa, melhor o marido. Ao vestir bem sua mulher, o homem fazia o próprio nome."
Pescadores pomor.
Pável KuzmitchevOs pomors têm um modo de falar distinto do norte, que um russo contemporâneo teria grande dificuldade de entender. Por exemplo, seu equivalente para "barkas", uma palavra russa para barco, é "karbas", e eles chamam a foice de "gorbucha" (literalmente, em russo, "corcunda"). Eles também costumavam dizer "o mar o levou" quando alguém morria.
Essas palavras e frases chegaram até nós graças ao etnógrafo Ivan Durov e seu dicionário de 12 mil palavras de 1934.
"Os aldeões ainda mantêm uma entonação particular, pronunciando o ‘o’ átono como se fosse tônico, e o ‘tch’ como se fosse um ‘ts’", diz o diretor do Coro Popular de Pomorie, Viktor Vassiliev.
Sumski Possad.
Pável KuzmitchevEle passou quase meio século coletando o folclore de Pomorie e viajando pelas aldeias remotas do Mar Branco e gravou dezenas de milhares de canções antigas em suas versões originais.
Viktor Vassiliev.
Pável Kuzmitchev"Os pomors cantam sobre o amor, sobre os ventos, sobre o mar, sobre a espera do regresso dos homens da pesca. Além disso, as canções são interpretadas, via de regra, por várias vozes, sem acompanhamento instrumental, conservando os cantores o seu dialeto distinto."
Os membros do coro sob sua direção continuam a cantar hoje da mesma forma que os pomors cantavam no passado.
Além disso, os pomors tinham uma língua separada para se comunicar com os noruegueses, o “russenorsk” (também conhecido como “Moja på tvoja”), que se desenvolveu no século 18.
Bordado.
Pável KuzmitchevCerca de 400 frases dessa língua foram gravadas, tanto em alfabeto latino quanto em cirílico, e chegaram até os dias atuais. Por exemplo, “drasvi” é “olá!”; “kak sprek?” é “o que você está dizendo?”; “kak pris?” é "qual é o preço?"
Os linguistas observam que o número de palavras russas e norueguesas é praticamente o mesmo, o que demonstra paridade entre os lados.
Corte de lenha em aldeia pomor.
Valéri Matítsin, Guennádi Kameliánin/TASSEssa língua praticamente desapareceu após a Revolução de Outubro de 1917, quando os contatos desimpedidos entre os pomors e os noruegueses chegaram ao fim.
Aldeia pomor de Siuzma.
Aleksandr Lískin/SputnikPouco mais de 3.000 pessoas se identificam como pomors na Rússia hoje (de acordo com o censo de 2010). No entanto, os historiadores ainda não chegaram a um consenso sobre quem são eles: um povo separado, uma sub-etnia ou simplesmente as pessoas que vivem em Pomorie.
Mulher pomor na fazenda coletiva "Visojdi Kommunizma".
Lev Fedosseiev/TASSOs próprios pomors acreditam que pode usar esse nome não só alguém que tem raízes pomor e vive à beira-mar, mas também quem mantém ligações estreitas com essa cultura.
"No meu entendimento, não é apenas alguém que mora em Pomorie, mas alguém que necessariamente segue uma ocupação tradicional pomor", diz Svetlana Kochkina.
"As raízes do meu marido estão em Virma e Kolejma. Ele passou toda a vida na pesca. Ele sabe amarrar uma rede e fazer um barco que é amarrado com corda, e seus parentes não conseguem imaginar a vida sem peixes. E são todos pomors. Nossos filhos, no entanto, têm interesses completamente diferentes e eu não os considero pomors, embora morem em Pomorie e sejam parte de uma família pomor."
Ali, como em outros lugares, os jovens querem se mudar para a cidade. Ao mesmo tempo, também existem aldeias às margens do Mar Branco que mantêm um modo de vida tradicional pomor.
Por exemplo, os jovens nascidos na antiga vila de pescadores de Kolejma estão retornando à região.
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