Em meados do século 19, o Império Qing viveu um período difícil: a revolta camponesa de Taiping contra a dominação estrangeira e a dinastia governante se espalhou por todo o país. Além disso, após as duas guerras do Ópio, a China foi forçada a resistir à pressão das potências ocidentais, que buscavam aumentar sua influência econômica no Império Celestial.
As tropas mais bem treinadas e armadas da Grã-Bretanha e da França alcançaram facilmente muitas vitórias sobre o exército Qing em diversas regiões do território chinês. No início de outubro de 1860, eles estavam às portas de Pequim, preparando-se para devastar a capital chinesa. Foi neste momento crítico que a cidade foi salva por um enviado russo, o major-general Nikolai Ignatiev. No entanto, ele fez isso não apenas para salvar os chineses.
Partilha do Extremo Oriente
O enviado russo chegou à China com uma tarefa quase impossível: convencer sozinho os chineses a cumprir o acordo anteriormente assinado sobre divisão territorial com a Rússia.
Aproveitando-se da fraqueza do vizinho ao sul, em meados do século 19, a Rússia fortaleceu significativamente suas posições no Extremo Oriente. Em 1858, na cidade de Aigun, foi celebrado um acordo com os Qing, segundo o qual os dois impérios determinavam a fronteira ao longo do rio Amur até o rio Ussuri. A decisão sobre a demarcação da área desde Ussuri até a costa do Pacífico ficou para um momento posterior.
O imperador Aisingyoro Ichzhu, no entanto, recusou-se a reconhecer o tratado de Aigun e despediu os oficiais responsáveis. Oficialmente, afirmou-se que “a margem esquerda não fora cedida à Rússia”, mas “emprestada” para o assentamento de “russos pobres vagando por falta de terra”.
O governo russo, pensando em resolver o problema por vias pacíficas, enviou Ignatiev a Pequim. Ele passou quase um ano na capital do Império em tentativas infrutíferas de alcançar uma definição final da fronteira entre os dois Estados e o reconhecimento dos territórios costeiros como russos.
Após inúmeras tentativas fracassadas, o ministro das Relações Exteriores do Império Russo, Aleksandr Gortchakov, propôs a seu enviado o seguinte plano: ir ao local das tropas britânicas e francesas e entrar em Pequim junto com elas, para desempenhar o papel de um mediador e pacificador, exigindo a ratificação do Tratado de Aigun como recompensa.
Diplomata astuto
Em maio de 1860, Ignatiev deixou secretamente a capital chinesa e logo chegou ao acampamento dos aliados em Xangai, onde conheceu o barão Jean-Baptiste Louis Gros e o conde James Bruce, autorizados por Paris e Londres a aniquilar os Qing e abrir comércio livre de ópio no Império Celestial.
Inicialmente, os diplomatas desconfiaram do general russo, mas ele conseguiu dissipar seus receios. Ignatiev os enganou, dizendo que todas as questões territoriais disputadas entre a Rússia e o Império Qing já haviam sido resolvidas, e ele estava ali apenas como pacificador.
Ignatiev conseguiu conquistar a confiança dos aliados, tornando-se para eles uma valiosa fonte de conhecimento sobre a China. Ele forneceu importantes informações estatísticas e topográficas sobre o país, dados biográficos de alguns oficiais da Dinastia Qing e até mesmo o plano urbano de Pequim.
Por outro lado, Nikolai Pavlovitch também conquistou a simpatia dos chineses. A missão russa seguiu deliberadamente um pouco atrás das tropas britânicas e francesas, prestando assistência aos moradores afetados da perseguição por soldados europeus e realizando reuniões com representantes de autoridades locais. “É perceptível que os habitantes das aldeias ao longo do caminho às margens do rio encontraram os russos como libertadores [...] considerando-os pacíficos e amigos da China, e pediram para protegê-los dos aliados, que os estavam roubando”, escreveu Ignatiev em suas memórias.
No início de outubro de 1860, quando as tropas britânicas e francesas chegaram a Pequim, Ignatiev já era uma figura igualmente respeitada e valorizada por todas as partes em conflito.
Retomada da cidade
Após o fracasso das negociações entre os aliados e representantes da Dinastia Qing, diversos britânicos e franceses caíram nas mãos dos chineses e, depois de tortura prolongada, acabaram executados. Os europeus furiosos responderam capturando e saqueando a residência de verão do imperador, o Palácio Yuanmingyuan, forçando-o a fugir.
Pequim estava a um passo de ser destruída quando o irmão do monarca, o grão-duque Gong, que desempenhava as funções de governante na época, recorreu a Ignatiev para mediação. O general concordou, mas apresentou uma série de condições: a ratificação do Tratado de Aigun e a delimitação da fronteira ao longo do rio Ussuri até a Coreia.
Tendo recebido o consentimento, Ignatiev fez tudo para parar a ofensiva e estabelecer um diálogo entre as partes do conflito. “Se a Dinastia Qing cair, com quem os aliados pretendem assinar o tratado? Quem pagará a indenização? Em vez disso, será preciso criar um novo poder na China, arcar com novos custos”, disse Ignatiev a Gro e Bruce.
No fim das contas, sucumbindo à persuasão do embaixador russo, britânicos e franceses sentaram-se à mesa de negociações. Com a garantia de amplos privilégios comerciais, incluindo a legalização do comércio de ópio, eles deixaram a capital.
Em gratidão por sua ajuda na resolução da crise, os chineses enfim concordaram em negociar com Ignatiev. Em 14 de novembro de 1860, foi concluído o Tratado de Pequim, segundo o qual as terras ao longo da margem direita do rio Amur, desde a foz do rio Ussuri até o Oceano Pacífico (a leste) e a fronteira com a Coreia (a sul) foram entregues à Rússia. “Tudo isso sem sangue, apenas graças à habilidade, perseverança e autossacrifício de nosso enviado”, escreveu o governador da Sibéria Oriental, Nikolai Muraviov-Amúrski.
Assim foi determinada a fronteira russo-chinesa, que, com algumas mudanças, existe até hoje.
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