Impostos sobre barbas, assassinatos e discotecas: os 5 encargos mais bizarros da história russa

História
VICTÓRIA RIABIKOVA
Em diferentes momentos da história, os russos tiveram que pagar taxas por usar casa de banho em casa, deixar a barba crescer e até por não ter filhos. E estes são de longe todos os impostos a que as pessoas comuns estavam sujeitas.

  1. Imposto sobre banheiros

Hoje em dia, há um banheiro em cada apartamento ou casa, mas, na época de Pedro, o Grande, as pessoas lavavam em casas de banho públicas (ou comerciais, como eram então chamadas) por uma taxa, e – pasmem – os donos desses locais não compartilhavam suas receitas com o Estado. Para consertar isso, Pedro introduziu, em 1704, um imposto tanto sobre os banheiros comerciais quanto sobre os particulares que as pessoas tinham em casa.

De acordo com o decreto, os boiardos tinham que pagar três rublos por ano; nobres e comerciantes que recebiam uma renda de suas casas de banho de mais de 50 rublos por ano deveriam pagar um rublo por ano em impostos. Paralelamente, todos os outros que tinham banheiro em casa pagavam 15 copeques ao ano. Na época, isso era muito dinheiro, pois, para se ter ideia, um rublo permitia comprar cerca de 100 galinhas.

A opção de desmantelar banheiro já construído também era onerosa, pois nesse caso o proprietário tinha que pagar uma multa de 5 rublos. O imposto sobre casas de banho seguiu em vigor por meio século, sendo abolido apenas em 1755.

  1. Dinheiro pela barba

Uma pequena ficha de cobre com uma barba retratada nela e um registro de homens barbudos são elementos associados à Rússia Imperial após 1705. Foi então que Pedro, o Grande, impôs um dos maiores impostos sobre aqueles que se recusavam a se barbear. 

O imperador decidiu introduzir o imposto sobre barbas após viajar à Europa – e queria que os russos fossem o mais parecidos possível com europeus, que na época não usavam barba.

Todos os moradores da cidade eram obrigados a tirar suas barbas e bigodes. Aqueles que se recusavam tinham que pagar por seus pelos faciais. A taxa de imposto mais alta era aplicada a comerciantes particularmente ricos, que tinham que desembolsar até 100 rublos por ano pelo direito de usar a barba. Cortesãos e comerciantes com renda média, oficiais e artesãos deveriam pagar 60 rublos ao ano. A taxa de imposto mais baixa – de apenas 30 rublos por ano – era aplicada aos condutores de diligências e cocheiros.

Camponeses barbudos também eram afetados: eles tinham que pagar 1 copeque ao entrar em uma cidade. Em suas aldeias, porém, eles podiam usar suas barbas sem qualquer penalidade. Os únicos homens isentos do imposto sobre a barba eram padres e diáconos.

Nas cidades, uma vez que pagavam o imposto sobre a barba, os homens eram inscritos em um registro especial e recebiam uma ficha pequena com uma barba estampada.

O imposto foi abolido apenas em 1772 durante o reinado de Catarina, a Grande, embora ela também proibisse oficiais, militares e cortesãos de usar barba ou bigode.

  1. Multa por homicídio

A partir do final do século 9, a Rus Kievana estipulou uma multa por assassinato, conhecida como wergild (Rus: vira), de acordo com o Dicionário Explicativo Iefremova.

Na época, um assassino de um plebeu livre poderia evitar uma disputa de sangue pagando uma multa de 40 hryvnias ao príncipe local, segundo o código de leis russas antigas conhecido como Russkaia Pravda. Esta era uma grande quantia de dinheiro, com a qual podia-se comprar duas dúzias de vacas, de acordo com uma reportagem da revista Profil. O assassinato de alguém da administração local custava mais (até 80 hryvnias), enquanto matar, ou causar lesão corporal grave em uma esposa adúltera custava apenas 20 hryvnias.

Se o assassino não fosse localizado, a multa deveria ser paga pelo órgão comunitário local, chamado verv', que era responsável por manter a lei e a ordem no território onde o corpo da vítima foi encontrado.

De acordo com a Grande Enciclopédia Soviética, essa tradição permaneceu em vigor na Rússia até o século 16, embora o Dicionário Iefremova afirme que a prática foi abandonada muito antes, ainda no século 13.

  1. Imposto sobre entretenimento

A partir de 1918, qualquer forma de entretenimento, fosse teatro, cinema ou circo, estava sujeita a um imposto especial na Rússia. A introdução do imposto foi anunciada na carta do  Comissariado do Povo ao Bem-Estar Social da RSFSR, um dos ministérios do Governo Provisório, criado após a revolução de fevereiro de 1917.

O imposto era cobrado por cada bilhete vendido: de 10 a 80 copeques de um bilhete que custasse mais de 50 copeques; e um terço do preço do bilhete se este custasse mais de 10 rublos; já os bilhetes que custassem menos de 50 copeques, estavam sujeitos a uma “taxa de caridade” de 5 copeques. Na década de 1920, 80 copeques podiam comprar 1 quilo de açúcar, 1 quilo de linguiça ou 4 quilos de pão. Como o imposto era pago sobre cada ingresso, os organizadores do evento acabavam desembolsando grandes quantias em taxas.

O dinheiro arrecadado com este imposto era destinado a ajudar deficientes, idosos, crianças, órfãos e outras pessoas necessitadas, dizia a carta.

A partir de 1942, o imposto passou a ser aplicado aos organizadores de todos os eventos pagos, incluindo palestras, concertos, noites de dança, esportes, corridas de cavalos etc. O valor a ser pago foi estabelecido pelo Presidium do Soviete Supremo da URSS: para cada tipo de evento, a taxa era diferente, variando de 5% a 55% da receita bruta da venda de ingressos. O não pagamento do imposto era punido com uma multa de 100 rublos. No entanto, alguns eventos estavam isentos do imposto. Dentre eles estavam palestras sobre marxismo-leninismo, encontros de sociedades amadoras, bem como eventos para militares, menores de 16 anos (exceto exibição de filmes) e deficientes.

Em 1948, 100 rublos podiam comprar apenas duas garrafas de vodka, mas em 1956 era possível comprar 3 quilos de caviar vermelho ou quatro garrafas de vodka; e em 1965, um vale-transporte para um acampamento infantil na costa do Mar Negro.

O decreto referente ao imposto sobre entretenimento foi abolido apenas em 1975, com exceção dos cinemas, que continuaram a pagar 55% da receita bruta da venda de ingressos.

  1. Imposto sobre ausência de filhos

A partir de outubro de 1941, de acordo com um decreto do Presidium do Soviete Supremo da URSS, todos os homens e todas as mulheres casadas em idade fértil, porém sem filhos, eram obrigados a pagar um imposto pela ausência de filhos. A exigência não se aplicava aos homens em serviço militar e às mulheres casadas com militares, às pessoas em processo de conclusão do ensino superior, aos aposentados e pessoas estéreis. 

O imposto era deduzido do salário das pessoas. Para aqueles que ganhavam menos de 150 rublos por mês, o imposto era de cinco rublos, e aqueles que ganhavam mais deveriam pagar 5% do salário. Agricultores de fazendas coletivas e os que trabalhavam em suas próprias terras deveriam contribuir com 100 rublos ao  ano.

Em 1944, o imposto foi elevado para 6% do salário e cobrado de homens de 20 a 50 anos e mulheres de 20 a 45 anos. Mesmo ter filhos não isentava do imposto: quem tinha um filho tinha que pagar 1% da renda mensal; já para quem tinha dois filhos, a alíquota era de 0,5%.

Após a Grande Guerra Patriótica, quase não havia crianças nas aldeias, por isso o imposto para os agricultores também aumentou: até 150 rublos por ano para aqueles que não tinham filhos; 50 rublos para quem tivesse um filho; e 25 rublos para quem tivesse dois filhos. Em 1952, o imposto foi abolido para agricultores e famílias de baixa renda. Além do mais, o imposto não era aplicado àqueles que não podiam ter filhos por questões de saúde ou cujos filhos morreram, foram dados como mortos ou desaparecidos após a guerra.

Se uma família desse à luz ou adotasse uma criança, os pais não tinham mais que pagar o imposto. Mas, se a criança morresse e a família não tivesse outros filhos, eles teriam que pagar o imposto novamente. Se uma criança nascesse de um casal não casado, apenas a mãe estaria isenta do imposto.

Comparativamente, entre 1975 a 1985, cinco rublos podiam comprar 25 fatias de pão, 50 quilos de batatas, ou pelo menos cinco refeições completas – compostas por uma sopa, um prato quente, uma salada, um refresco e um pão – em uma cantina .

O imposto sobre a ausência de filhos foi abolido apenas em 1992, após a queda da URSS.

Durante a sua vigência, a população da URSS cresceu de 168 milhões em 1946 para 286 milhões em 1989. O dinheiro arrecadado compunha os orçamentos federal e regional e era destinado a ajudar mães com muitos filhos e na construção de orfanatos.

Algumas organizações públicas na Rússia e representantes da Igreja Ortodoxa Russa já defenderam o restabelecimento do imposto, mas o governo russo se opõe à ideia, uma vez que medidas como essas há muito deixaram de ter efeito sobre o crescimento populacional.

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