A São Petersburgo de Dostoiévski (FOTOS)

História
ALEKSANDRA GÚZEVA
Nas obras de Fiódor Dostoiévski, a cidade frequentemente surge como algo desagradável: suja, sombria e cheia de gente miserável. Mas vejamos como ela era realmente durante a vida do escritor.

Fiódor Dostoiévski (1821-1881) nasceu e cresceu em Moscou, mas viveu por quase 30 anos em São Petersburgo. Sem casa própria, ele alugava apartamentos e mudou de endereço várias vezes.

O pai de Dostoiévski o enviou ainda adolescente para estudar no Instituto de Engenharia Militar, localizado dentro do Castelo Mikhailovski, o palácio do imperador Paulo 1°, então já morto, em São Petersburgo (foto). Um colega de instituto dele, Dmítri Grigorovitch, lembrava-se que o jovem Fiódor era pouco comunicativo e não participava de jogos, além de ficar "sentado afundado em livros, longe de todos" — uma descrição muito parecida com a de Aliôcha, de Irmãos Karamázov.

A poucos passos da instituição estavam o Jardim de Verão e a ponte Panteleimonovski, do outro lado do rio Fontanka. A última foi substituída, no início do século 20, por uma ponte rodoviária para carros.

Em 1849, Dostoiévski foi preso e passou oito meses na prisão, na Fortaleza de Pedro e Paulo. Sua sentença de morte foi comutada no último minuto, literalmente, para trabalhos forçados na Sibéria. Dostoiévski foi preso acusado de ser membro de um revolucionário Círculo Petrachévski e de divulgar uma carta proibida de 1847 do crítico literário Vissariôn Belínski ao escritor Nikolai Gógol, clamando por liberdades civis e pela abolição da servidão.

A primeira polêmica literária contra o monumento a Pedro, o Grande, fundador da cidade, veio com o protagonista do poema de Aleksandr Púchkin “O Cavaleiro de Bronze”. Depois de uma terrível enchente, ele amaldiçoa Pedro por ter fundado sua nova capital no meio de um pântano com clima horroroso. No romance “Adolescentes”, Dostoiévski se expressa de maneira semelhante: “E se esse nevoeiro se separasse e flutuasse, toda essa cidade podre e viscosa não iria com ele, erguer-se com o nevoeiro e desaparecer como fumaça, e a velha cidade finlandesa o pântano seja deixado como antes, e no meio dele, talvez, para completar o quadro, um cavaleiro de bronze em um corcel ofegante e sobrecarregado?”

Embora os romances de Dostoiévski pintem uma São Petersburgo sombria, em vez de grandiosa, o próprio escritor costumava ir à avenida Niévski, o “cartão postal” da cidade, onde banqueiros e comerciantes trabalhavam e senhoras elegantes passeavam. E quando o escritor morava no exterior e não tinha alugado nenhum apartamento ali, ficava hospedado em um hotel na Niévski.

O escritor costumava ir à Catedral de Kazan, na avenida Niévski Prospekt, para rezar (a mulher dele afirmou que ele foi para lá depois da declaração da Guerra Russo-Turca, em 1877, por exemplo).

A um minuto a pé da Catedral de Kazan ficava (e ainda fica) a loja de doces Wolf & Beranger, que Dostoiévski adorava visitar e onde, em 1846, conheceu Mikhaíl Petrachévski, o organizador do círculo revolucionário secreto supramencionado. Foi numa reunião do círculo que Dostoiévski leu a carta proibida de Belínski. Petrachévski, também exilado na Sibéria, mais tarde foi imortalizado como o travesso Petr Verkhovenski no romance “Os Demônios”.

Muitos lugares em São Petersburgo são descritos em “Crime e Castigo”. Na ponte Nikolaevski (hoje, chamada Blagoveschenski), o anti-herói do romance, Rodion Raskôlnikov, perdido nos próprios pensamentos, quase é atropelado por uma carruagem e é chicoteado nas costas pelo cocheiro. Duas moças o tomam por mendigo e lhe dão esmolas.

Raskôlnikov também passou pelo Jardim de Verão, desejando que toda a cidade pudesse ser imersa naquela vegetação com fontes por toda parte para refrescar o ar empoeirado da cidade. “De repente, ele se perguntou: por que é que em todas as grandes cidades o homem, não que precise, mas parece estar especialmente inclinado a viver naquelas partes da cidade, onde não há jardins nem fontes; onde há sujeira e fedor e todo tipo de maldade.”

E eis o passeio do Canal Catarina, perto da Catedral Naval de São Nicolau. Não muito longe dali, vivia a velha penhorista que foi assassinada por Raskôlnikov e, mais adiante do canal, vivia a amada do assassino, Sonia Marmeladova. Hoje, o canal se chama Griboiedov, e Dostoiévski não viu em vida sua principal atração: a Igreja do Salvador do Sangue Derramado. Apenas um mês após a morte do escritor, o imperador Alexandre 2° foi assassinado no local da atual igreja, que é um memorial ao tsar morto. Vivo fosse, Dostoiévski teria ficado profundamente chocado com o evento: apesar da prisão, ele era profundamente patriota e monarquista, sempre preocupado com os atentados contra a vida do tsar.

Raskôlnikov morava perto da Praça Sennaia, um bairro de artesãos. “Perto das tabernas nos andares inferiores, nos pátios sujos e fedorentos das casas da Praça Sennaia, e principalmente perto das casas de bebida, amontoavam-se todos os tipos de artesãos e comerciantes de trapos.”

O vendedor de peixe na rua, na foto abaixo, poderia ter saído das páginas de um romance de Dostoiévski. “De novo, o fedor das lojas e dos bares, de novo os bêbados, os mascates finlandeses e as carruagens meio quebradas.”

Em “Crime e Castigo” e outras obras, a Ilha Vassilievski tem papel importante — o escritor morou nela, em vários apartamentos. Sem dinheiro para carruagem, o protagonista de “Humilhados e Ofendidos” vai até lá a pé, mesmo estando do outro lado da cidade. Certa vez, Dostoiévski quase adoeceu enquanto caminhava para Vassilievski [onde ele e a mulher moravam na época]. Mas uma pessoa em uma carruagem, ao saber que ele ia para a mesma direção, ofereceu-lhe carona.

A Catedral da Trindade tinha significado especial para o escritor. Foi ali que, em 1887, ele se casou com a segunda mulher, Anna Snitkina, que era 25 anos mais nova. Ela era sua estenógrafa e, sem sua ajuda, “O idiota”, “Os demônios”, “Adolescentes”, “Os irmãos Karamázov” e outras obras provavelmente não teriam sido publicadas.

O edifício da Usina Mecânica Kurt Siegel foi construído em 1876 na rua Iamskaia, em São Petersburgo. Hohe, ela leva o nome de rua Dostoiévski. Na esquina, fica o prédio de seu último apartamento, onde ele viveu de 1878 até a morte, em 1881. Hoje, ele abriga um museu memorial dedicado ao escritor.

Dostoiévski viu a construção e inauguração, em 1879, da ponte levadiça Aleksandrovski (hoje, chamada Liteini), um dos cartões postais da cidade. Dostoiévski acreditava que São Petersburgo não representava o país como um todo. “Afinal, você não pode negar que eles não conheciam o solo, conheciam a Rússia através do serviço em São Petersburgo, tinham uma relação de barão-servo com o povo”, escreveu em seu “Diário de um Escritor” sobre os protagonistas de Púchkin e Gógol.

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