Quando os japoneses tentaram conquistar o Extremo Oriente da Rússia; veja fotos

História
BORIS EGOROV
A Guerra Civil Russa abriu uma janela de oportunidades para o Japão. Suas ambições se estendiam não apenas à costa russa do Oceano Pacífico, mas também a toda a vasta Sibéria.

A intervenção das potências da Tríplice Entente na Rússia foi causada não apenas pela aversão ideológica aos bolcheviques que haviam chegado ao poder no país. Londres e Paris estavam preocupados com a intenção do governo de Lênin de retirar o país da guerra contra a Alemanha, o que poderia levar a um ataque contra a França. Foi então que os aliados decidiram apoiar o movimento branco contrarrrevolucionário, cujos líderes haviam prometido recolocar o Exército russo no campo de batalha e lutar contra a Alemanha até o fim.

Logo após a conclusão do Tratado de Brest-Litovsk entre a Rússia Soviética e a Alemanha, em 3 de março de 1918, contingentes militares aliados começaram a desembarcar em portos russos no norte, sul e leste do país. No entanto, eles não queriam mergulhar de cabeça no conflito interno russo; a ideia era alcançar seu objetivo com pouco ou nenhum derramamento de sangue. O Japão, porém, via a Guerra Civil russa como uma janela de grandes oportunidades.

Os Estados Unidos apoiaram a ideia do Japão de participar da intervenção no Extremo Oriente russo. “Tendo em conta sua posição e interesses no leste da Ásia, o Japão deve ter um papel importante na restauração da ordem no leste da Sibéria”, disse o ministro das Relações Exteriores japonês Goto Shimpei a diplomatas norte-americanos em julho de 1918.

Os primeiros soldados japoneses desembarcaram no porto de Vladivostok em 5 de abril de 1918. As duas unidades de fuzileiros navais do esquadrão do vice-almirante Hiroharu Kato entraram no território russo após o assassinato de dois japoneses na cidade no dia anterior. Não encontrando resistência, eles rapidamente assumiram o controle do porto e do centro de Vladivostok. “Os imperialistas do Japão querem estrangular a revolução soviética, cortar a Rússia do [acesso ao] Oceano Pacífico, capturar as ricas extensões da Sibéria, escravizar os trabalhadores e camponeses siberianos”, declarou o governo soviético no mesmo dia.

Os japoneses, porém, ainda estavam decidindo o que fazer com o Extremo Oriente russo. A opção mais bem aceita foi a expulsão dos “extremistas”, ou seja, dos bolcheviques da região, apoiando as forças políticas “moderadas” locais e facilitando o surgimento de um Estado sob tutela do Japão, chamado pelo diplomata Ichiro Motono de “Sibéria Independente”. Mas o Japão queria agir com cautela, sem agressão explícita, prestando atenção à reação das potências ocidentais, e não permitindo o surgimento de um movimento de libertação popular.

Em outubro de 1918, o número de tropas japonesas no Extremo Oriente russo já ultrapassava 72 mil pessoas. A título de comparação, o número de soldados da Força Expedicionária Americana da Sibéria era de apenas 9.000. Os japoneses conseguiram ocupar um trecho da Ferrovia Transiberiana, os vastos territórios de Primôrie, a região de Amur, a margem leste do lago Baikal e, em seguida, começaram a exportar madeira, carvão e enormes quantidades de salmão e arenque.

Os japoneses colaboraram com os atamans (rebeldes cossacos) Grigôri Semionov e Ivan Kalmikov do movimento branco. Esses russos recebiam financiamento, armas e apoio direto das tropas japonesas. O líder dos “brancos”, o governante supremo da Rússia, almirante Aleksandr Koltchak, mantinha relações difíceis com os japoneses. Em Tóquio, acreditava-se que esse “homem de Washington” poderia prejudicar os interesses da “Terra do Sol Nascente” na Rússia. 

“O Japão não está interessado na restauração rápida de uma Rússia unida e forte. Como na China, os japoneses querem manter a Guerra Civil até a exaustão completa da Rússia a fim de criar as condições mais favoráveis para a exploração de um país enfraquecido”, escreveu, em fevereiro de 1919, o chefe do governo de Koltchak, Piotr Vologôdski.

Ao contrário de outros intervencionistas, os japoneses participaram ativamente de confrontos com guerrilheiros vermelhos. Os norte-americanos haviam assinado uma espécie de pacto tácito de não agressão com os vermelhos, mas os japoneses participaram de batalhas sangrentas, que custavam centenas de vidas em ambos os lados. No total, durante os anos de intervenção, segundo estimativas diversas, o Exército Imperial do Japão perdeu até 3.000 soldados na Rússia.

A desobediência da população foi brutalmente reprimida e punida: os japoneses queimaram aldeias inteiras e realizaram execuções demonstrativas. Em julho de 1919, um oficial norte-americano testemunhou uma ação punitiva japonesa na estação ferroviária de Sviáguino: “Cinco russos foram levados a covas cavadas perto da estação ferroviária. Eles tinham vendas sobre os olhos, foram ordenados a se ajoelhar à beira das sepulturas com as mãos amarradas para trás. Dois oficiais japoneses tiraram suas roupas e começaram a cortar as vítimas com sabres, desferindo golpes por trás do pescoço. Quando todas as vítimas caíram nas covas, de três a cinco soldados japoneses as esfaquearam com baionetas, gritando de alegria. Dois russos foram imediatamente decapitados por golpes de sabre, os demais ainda estavam aparentemente vivos, porque a terra jogada sobre eles continuava se movendo”, escreveu o oficial.

Paralelamente, graças aos japoneses, foram salvas as vidas de mais de 900 órfãos de famílias de polacos exilados na Sibéria nos tempos tsaristas. As crianças, cujos pais haviam morrido durante a Guerra Civil, foram levadas para o Japão e depois transportadas para sua pátria histórica. Além disso, os japoneses ajudaram a Cruz Vermelha Americana a salvar quase 800 crianças russas que fugiram de Petrogrado (atual São Petersburgo) para o leste do país.

Após a derrota do exército branco de Koltchak e Deníkin no segundo semestre de 1919, Washington, Londres e Paris passaram a retirar gradualmente suas tropas do território russo, enquanto Tóquio, ao contrário, começou a aumentar sua presença militar na região. O número de soldados do Exército Imperial na Rússia no início de 1920 ultrapassava 100 mil pessoas.

Depois da derrota do movimento branco no leste da Rússia, o Exército Vermelho entrou em contato direto com as tropas japonesas. O governo soviético não estava pronto para uma guerra declarada, e, em fevereiro de 1920, Lênin apresentou a ideia de criar um Estado-tampão no leste do país. Os japoneses, atormentados pelos guerrilheiros vermelhos, aceitaram a proposta. Tóquio esperava transformar a República do Extremo Oriente, criada em 6 de abril, em seu protetorado.

A república, porém, era quase completamente controlada por Moscou, já que o Exército Revolucionário Popular venceu com sucesso as forças da Guarda Branca no Extremo Oriente. Os governos “fantoches” criados nos territórios russos pelo Japão se mostraram inviáveis. Além disso, Tóquio sofria forte pressão diplomática dos Estados Unidos, que não queriam dar vantagem ao seu rival geopolítico no Pacífico.

No fim das contas, a “Terra do Sol Nascente” começou a perder controle sobre territórios russos. Os últimos soldados japoneses deixaram Vladivostok em 25 de outubro de 1922, e já em novembro a República do Extremo Oriente se tornou parte da Rússia Soviética. Apenas o norte da ilha Sacalina permaneceu nas mãos do Japão, mas, em 1925, após longas e difíceis negociações com a URSS, os japoneses foram forçados a devolvê-lo.

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