Quando a Sibéria foi um país independente

Natália Nóssova
O Canato de Sibéria era um antigo Estado turco com uma longa e turbulenta história. Embora mais antigo que a Rússia, acabou sendo absorvido e extinto.

A Sibéria é uma região no norte da Ásia, separada do território principal da Rússia pelas montanhas Urais, a oeste, e delimitada pelo oceano Pacífico, a leste. No norte e sul, termina na própria fronteira do Estado russo. A Sibéria cobre uma área de mais de 13 milhões de quilômetros quadrados e representa 77% da área da Rússia moderna. Mas houve um tempo em que era um país independente. Como surgiu e desapareceu?

De onde vem o nome “Sibéria”?

Tumen (Tchimgui-Turá) no mapa de Sigismund von Herberstein, publicado em 1549

Ninguém sabe ao certo, mas existem várias teorias. Nos idiomas turcos, “Siber/Chiber" significa “bonito”; no idioma tártaro, “seber” quer dizer “nevasca”; e no idioma mongol, “shibir” é traduzido como “pântano”. O nome “Sibéria” pode muito bem ter vindo de qualquer uma dessas palavras. Na História Secreta dos Mongóis – datado da década de 1240, é o texto mongol mais antigo que se conhece –, a palavra “shibir” é mencionada em conexão com a história sobre a conquista das terras e dos povos que viviam no sul de Shibir, entre os rios Ob e Irtich, pelo filho de Genghis Khan, o comandante militar Jochi.

Estátua de Jochi no palácio Mongol, Gachuurt, Mongólia

Finalmente, de acordo com a teoria mais aceita, o nome Sibéria vem de “sipyr”, um povo que vivia na tundra de Nenets para além do círculo polar (atual Distrito Autônomo de Iamália-Nenets). O povo “sipyr” também era chamado de “sikhirtya”. O povo de Nenets acreditava que os sikhirtya viviam no território e pastoreavam “cervos da terra”, ou mamutes. Antes, pensava-se que o grupo étnico era lenda, mas, com as novas descobertas arqueológicas (link em russo) em janeiro de 2020, os arqueólogos podem ter encontrado assentamentos sikhirtya.

Quem habitava a Sibéria?

Por volta de 1.500 a.C., as tribos de língua iraniana começaram a se estabelecer no território siberiano. Mil anos depois, no século 6 a.C., chegaram também os povos de língua turca e, já nos séculos 12 e 13, como resultado da mistura de tribos úgricas iranianas, turcas e nativas, o grupo étnico dos tártaros siberianos havia evoluído.

Como surgiu o Canato da Sibéria?

Colina onde antes ficava Kachlik (Canato da Sibéria). Região de Tiumen, Rússia

No início do século 13, o Império Mongol de Genghis Khan dominou as tribos que habitavam a Sibéria. Para proteger sua vida e manter a prosperidade de suas terras, um dos governantes locais, o príncipe Taibuga, concordou em se submeter a Genghis Khan. Taibuga começou a coletar imposto de seus territórios para Genghis Khan e fundou Tchimgui-Turá, capital do primeiro Estado na Sibéria que hoje se conhece, o Canato de Tiumen (que mais tarde se tornou o Canato da Sibéria).

Em 1224, pouco antes de morrer, Genghis Khan dividiu seus bens entre os filhos. As terras da futura Horda Dourada, incluindo o futuro Canato de Tiumen, foram passadas como ulus – isto é, uma herança territorial da qual se exigia tributo – a Jochi e, pouco depois, após sua morte, ao neto de Genghis Khan Xaiban [ou Chiban]. Este último fundou a Dinastia Xaibânida, governantes do Ulus de Xaiban. Quando, no final do século 13, o poderoso governante Öz Beg se tornou líder da Horda Dourada, ele permitiu que o ulus, que já era então conhecido como Ulus de Tiumen, mantivesse sua autonomia e próprio governo. Öz Beg reformou todos os outros uluses da Horda Dourada e passou a liderar seus príncipes. No entanto, no início do século 15, como resultado de uma crise política na Horda Dourada, o ulus da dinastia Xaibânida declarou sua independência e, em 1420, o Canato de Tiumen foi criado. Seu fundador foi o xaibânida Khoja Muhammad. Em 1495, um cã hostil, Taibuga, invadiu o Canato de Tiumen, assassinou o xaibânida Ibak Khan e transferiu a capital do Canato de Tchimgui-Turá para Kachlik, também chamada Sibéria. A partir daí, os taibugids se tornaram governantes do novo canato, então conhecido como o Canato da Sibéria.

Como era a vida nesse Estado?

O Canato da Sibéria era um país de muitas nações e crenças diversas, mas a população turca dominava as tribos indígenas locais de khantis, mansi e outras. O chefe de Estado era o cã, eleito pela aristocracia turca. O cã vivia em um palácio fortificado construído com tijolos de barro. Para a construção de tais edifícios, eram geralmente convidados arquitetos da Ásia Central que sabiam projetar elementos decorativos característicos. Mas esses palácios tiveram vida curta por conta do material de que eram feitos, e nem mesmo suas ruínas sobreviveram aos dias atuais.

A população vivia de pastoreio, caça e pesca de gado. Ainda que pouca terra fosse cultivada, o artesanato floresceu na época: cerâmica, tecelagem e metalurgia. Dentro da cidade, cidadãos comuns viviam em iurts [tendas redondas], cujas fileiras formavam ruas inteiras. O Canato da Sibéria estava bastante atrelado ao comércio, uma vez que permanecia nas rotas comerciais da Ásia para a Europa.

Por que o Canato da Sibéria desapareceu?

“Conquista da Sibéria por Ermák”, de Vassíli Surikov, 1895. Imagem representa a batalha do cabo de Tchuvach

No século 16, o Tsarado de Moscou conquistou os canatos de Kazan e Ástrakhan, grandes territórios da Horda de Ouro que resistiram à autoridade do Tsarado russo. A tomada de Kazan foi particularmente feroz. Embora o Canato da Sibéria estivesse separado de Moscou pelos quase imperáveis montes Urais, o cã de Taibugid, Ediguéi, reconheceu, em 1555, a autoridade de Moscou e até começou a pagar impostos.

Cã Kutchum fugindo de Kachlik. Ilustração da Crônica de Remezov, final do século 17

No entanto, em 1563, um xaibânida chamado Khan Kutchum tomou o poder do canato. Em 1571, enviou um enorme tributo de 1.000 peles de zibelina a Moscou, mas, após o gesto generoso, Kutchum interrompeu os acordos de impostos, e, um ano depois, mandou seu sobrinho Makhmet-Kul para “reconhecimento” às terras russas. Makhmet-Kul aterrorizou as populações de aldeias pertencentes à família de comerciantes Stroganov, que extraíam sal nas minas de Perm – ele saqueou várias aldeias e capturou seus habitantes. Temendo que as hordas tártaras arruinassem seus negócios, os Stroganov começaram a procurar protetores e contrataram o líder cossaco Ataman Ermák e sua drujina [como era conhecido seu exército privado].

Retrato de Ermák

Em 1582, Ermák, acompanhado de várias centenas de combatentes fortemente armados, partiu de Oriól-Gorodok, a residência fortificada dos Stroganovs, atravessou as montanhas e capturou a antiga capital do Canato de Tiumen, Tchimgui-Turá. Logo depois, ocorreu a decisiva Batalha do Cabo de Tchuvach. Na confluência dos rios Tobol e Irtich, Makhmet-Kul reuniu 15.000 soldados nômades tártaros, que acabaram sendo esmagados pela drujina de Ermák – apesar de pequena, estava armada de arcabuzes, um tipo inicial de arma de fogo. Três semanas depois, Ermák dominou Kachlik, de onde Khan Kutchum já havia escapado para as estepes.

Como o Canato da Sibéria se tornou parte da Rússia?

Mapa do Tsarado de Moscou em contraste com o canato da Sibéria; setas pretas indicam a suposta rota do exército de Ermák 

Ermák jamais retornou de sua campanha na Sibéria – foi morto em uma das escaramuças – e Khan Kutchum nunca se rendeu ao Tsarado, desaparecendo nas estepes e atacando guarnições russas por um longo período, até o final do século 16. Mas, seguindo os passos de Ermák, outras drujinas e conquistadores russos, que tinham perdido o medo dos tártaros, começaram a se embrenhar para além dos Urais.

Tobolsk no início do século 18

Em pouco tempo, surgiram as fortalezas de Tiumen, Beriozov e Tobolsk. A última, fundada a 17 km de Kachlik, foi por muito tempo chamada “cidade da Sibéria”. Tobolsk se tornou centro da colonização russa na Sibéria. Desenvolveu-se gradualmente e, em 1708, virou a capital da região da Sibéria, a maior da Rússia.

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