A vida dos prisioneiros de guerra alemães na URSS

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Mais de quatro milhões de alemães foram capturados, encarcerados e enviados a campos de trabalho forçado na URSS após a Segunda Guerra Mundial. E nem todos conseguiram voltar para casa.

“Se eu sobreviver, poderei descobrir o que são os bolcheviques. Talvez o comunismo seja realmente a saída ideal para o povo. Afinal, também cometemos muitos erros”, escreveu o soldado alemão Helmut Bohn após ser capturado por soviéticos na região de Pskov, em fevereiro de 1944. Bohn passou três anos na URSS como prisioneiro de guerra e, mais tarde, descreveu sua história no livro "Às portas da vida". Mas nem todos os prisioneiros alemães na URSS sobreviveram.

"Elemento de substituição"

“Os prisioneiros de guerra eram considerados pela URSS não só como força braçal, mas também como recurso destinado ao uso na economia do país não apenas durante a guerra, mas, o mais importante, no período pós-guerra”, escreve o historiador russo Vladímir Vsêvolodov. De maneira bastante desumana, os líderes soviéticos viam os prisioneiros de guerra alemães como meio de compensar as perdas populacionais soviéticas.

Stálin definiu o número de prisioneiros de que a URSS precisava em 1943 na Conferência de Teerã. Ele argumentava que a URSS precisava de um “elemento de substituição”, ou seja, cerca de quatro milhões de cidadãos alemães, que restaurariam as cidades soviéticas destruídas e ajudariam na indústria. Esse número, segundo a historiadora Elena Chmaráeva, era calculado com base na quantidade aproximada de soldados soviéticos que tinham morrido durante os primeiros dois anos da guerra, antes da conferência.

Em 1944, os soviéticos elaboraram um programa de trabalho para prisioneiros de guerra alemães. “A retirada de milhares de trabalhadores da economia nacional alemã todos os anos deve ter, inevitavelmente, um efeito enfraquecedor sobre sua economia e seu potencial militar”, escreveu o ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, Viatcheslav Môlotov a Stálin.

Mas, na realidade, mais de três milhões de cidadãos soviéticos foram levados para a Alemanha para realizar trabalhos forçados. Assim, a URSS queria compensar o próprio desfalque e as dezenas de milhões de pessoas que tinham morrido durante a guerra.

A instituição denominada de Diretoria Principal para Prisioneiros de Guerra e Internos foi estabelecida na URSS antes do início da guerra. Em 1941, havia oito campos de trabalho para prisioneiros de guerra na URSS, mas o número de prisioneiros crescia lentamente: eram cerca de dez mil entre 1941 e 1942.

Após a batalha de Stalingrado e o ataque soviético na região do Don, porém, o número de prisioneiros passou a crescer: havia mais de 200 mil prisioneiros em 1943 e mais de 800 mil no final da guerra.

Formalmente, a rota dos prisioneiros alemãos era a seguinte: do local em que eram capturados, eles eram levados para os campos de receptação e encaminhamento na linha de frente e, depois, transportados para os campos de trabalho no interior do país.

Mas, na realidade, durante a guerra, a maioria dos prisioneiros ficava nos campos da linha de frente, que, muitas vezes, eram simplesmente cabanas ou abrigos.

"Até chegarmos ao acampamento, a ração diária era cerca de um litro de sopa líquida e 300 gramas de pão amanhecido. Recebíamos ordens de cortar lenha para a cozinha dos russos, recebíamos chá quente para o jantar. Nós, cerca de uma dúzia de prisioneiros, éramos mantidos trancados à chave em um cercado de cabras, supervisionados por uma tenente júnior do Exército Vermelho”, escreveu Helmut Bohn.

Depois da guerra

Até 1946, foram construídos 240 campos de trabalho forçado para prisioneiros de guerra de diferentes nacionalidades, onde trabalharam mais de um milhão de pessoas. No entanto, isso não era suficiente para cumprir a meta de quatro milhões determinada por Stálin.

Após a entrada do Exército Vermelho nos territórios da Romênia, Iugoslávia, Hungria, Bulgária e Tchecoslováquia, o Ministério da Guerra Soviético ordenou “mobilizar e colocar em campos de trabalho todos os alemães que viviam nos territórios desses países, homens de 17 a 45 anos, mulheres de 18 a 30 anos, independentemente de sua nacionalidade”.

O historiador Pavel Polian escreve que mais de 112 mil pessoas foram internadas nesses países para trabalhar na URSS. As pessoas mobilizadas podiam levar consigo até 200 quilos de pertences pessoais.

Segundo a historiadora Elena Chmaráeva, após a guerra cerca 3,8 milhões de prisioneiros de guerra alemães ficaram em campos de trabalhos forçados na URSS. Cerca de 2,4 milhões eram soldados e oficiais, mantidos em campos de prisioneiros de guerra, e 1,4 milhão eram alemães étnicos em países europeus que tinham sido incluídos nos “batalhões de trabalho”.

Os prisioneiros de guerra reconstruíam fábricas, barragens, ferrovias, portos, construíam e restauravam casas, como, por exemplo, prédios residenciais para funcionários do Ministério do Interior, o estádio de futebol "Dinamo" em Moscou, uma fábrica de vidro em Lotkarino, na região de Moscou. O edifício do arquivo de Krasnogorsk, perto de Moscou, foi construído seguindo o projeto do arquiteto alemão Paul Spiegel.

Especialistas qualificados, assim como Spiegel, foram selecionados pelos soviéticos para realizar tarefas complicadas. O historiador Stefan Karner escreve que, em 1946, mais de 1.600 especialistas de alto nível foram designados para diferentes indústrias soviéticas: “570 engenheiros, 260 arquitetos, cerca de 220 engenheiros elétricos, mais de 110 doutores em ciências físicas e matemáticas e ciências técnicas”.

Essas pessoas gozavam de melhores condições do que nos campos de trabalho ou “batalhões de trabalho”. Elas moravam nas cidades, perto das fábricas ou instituições em que trabalhavam, e recebiam salários, metade dos quais, em marcos alemães. No entanto, qualquer especialista podia ser enviado para um campo de trabalho se seu trabalho não satisfizesse o governo.

Trabalhadores e ex-soldados alemães também recebiam salários para poder se sustentar na União Soviética. Por exemplo, os ex-soldados recebiam sete rublos por mês, ex-oficiais superiores, de 10 a 30 rublos.

Para se ter uma ideia, um litro de leite custava dois rublos e um bom par de sapatos custava mais de 150 rublos. Portanto os prisioneiros de guerra comuns, que não tinham nenhuma habilidade especial, tinham que encontrar uma maneira de sobreviver.

As condições de trabalho nos campos eram terríveis. “No início, tínhamos que carregar dois vagões de trem com madeira durante um turno de trabalho, depois a cota foi aumentada para três vagões. Éramos obrigados a trabalhar 16 horas por dia, sete dias por semana, sem feriados. Voltávamos ao campo às nove ou dez horas da noite, às vezes à meia-noite. Recebíamos uma sopa aguada e adormecíamos; às cinco da manhã tínhamos que voltar ao trabalho”, escreveu outro prisioneiro de guerra alemão, Reinchold Braun.

“Os problemas de estômago estavam acima de tudo”, escreveu o oficial alemão Heinrich Eichenberg. “Alma e corpo eram vendidos por um prato de sopa ou um pedaço de pão. A fome estragou as pessoas, corrompeu-as e transformou-as em animais. O roubo de produtos de seus próprios camaradas se tornou comum.”

Os alemães capturados eram usados na extração de madeira, construção de estradas e ferrovias em áreas remotas e de difícil acesso, bem como na extração de minerais — por exemplo, urânio, carvão, minério de ferro, especialmente nas minas da bacia do rio Don.

As taxas de mortalidade nos campos de trabalho forçado eram altas. De acordo com as estatísticas soviéticas, entre 1945 e 1956, mais de 580 mil pessoas morreram em campos, mais de 356 mil delas, alemãs. Quase 70% das mortes ocorreram no inverno de 1945-1946. Para efeitos de comparação, cerca de 1,8 milhão de cidadãos soviéticos morreram no cativeiro alemão durante os quatro anos de guerra, segundo o historiador Víktor Zemskov.

Caminho para casa

De acordo com as estatísticas oficiais soviéticas de 1956, cerca de 2 milhões de prisioneiros alemães foram repatriados após o fim da Segunda Guerra Mundial. No entanto, muitos historiadores afirmam que esses números são incorretos.

Outras fontes dizem que apenas 680 mil prisioneiros foram libertados durante a guerra, e esse número incluiria prisioneiros da Romênia, Eslováquia e Hungria. Estatísticas soviéticas dizem que 356.678 prisioneiros morreram nos campos soviéticos e quase 37 mil deles tinham sido condenados por crimes de guerra.

Na verdade, a repatriação se iniciou já em junho de 1945, quando os primeiros 225 mil prisioneiros “doentes e debilitados” foram enviados para casa, 195 mil alemães entre eles.

Em agosto de 1945, mais 700 mil foram “dispensados” do cativeiro soviético. Os prisioneiros não tinham permissão para levar dinheiro, segundo a historiadora Chmaráeva. Assim, os repatriados tentavam comprar doces e tabaco com os salários economizados, ou qualquer coisa para negociar no caminho de volta para casa. Wilhelm Lotse, repatriado em 1949, levou quase 6 kg de biscoitos e doces, 2.355 cigarros e 600 gramas de tabaco.

As condições de transporte eram semelhantes às de um campo de trabalho. Às vezes, as pessoas repatriadas não recebiam comida e água por dias durante o transporte. O primeiro lugar onde os prisioneiros alemães chegavam na Europa era o campo de realocação soviético em Frankfurt, onde passariam de 2 a 3 dias antes de serem enviados para seus respectivos locais. Em 1947, 70% dos prisioneiros neste campo estavam doentes.

A repatriação de prisioneiros de guerra alemães a partir da URSS terminou oficialmente em 5 de maio de 1950. A agência de notícias soviética Tass noticiou que 1.939.063 prisioneiros de guerra alemães foram repatriados a partir de 1945.

Mas, na realidade, entre 10 e 20 mil alemães permaneceram na URSS até 1956. “Este prédio foi construído por prisioneiros de guerra alemães”, dizem os russos ainda hoje sobre edifícios construídos nos 1950.

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