Dois amigos, Savoska e Paramochka, jogam cartas, enquanto seus subordinados os observam. Savoska perde e começa a arrancar os cabelos em desespero. O vencedor, Paramochka, está zombando dele, enquanto seu lacaio diz, fazendo uma figa ao perdedor: “Então, Savoska não ganhou uma moeda de cobre de Paramochka”. Já o outro subalterno tenta animar Savoska: "Não chore, idiota, filho da p%¨#& Savoska, Paramochka também vai apanhar."
Esta tirinha humorística é típica de um lubok russo, uma “história em quadrinhos” medieval. Cores vivas, desenhos primitivos, legendas que explicam o enredo... Isso é um lubok.
O lubok é uma forma de arte gráfica em que o artista cria uma xilogravura, a imprime e depois pinta à mão. O nome vem da palavra “luba”, que significa a parte interna da casca da tília, que era usada para criar a xilogravura.
Origens
A produção em larga escala de gravuras populares foi inventada no século 8, na China e, sete séculos depois, as gravuras começaram a aparecer na Europa. Ironicamente, a técnica chegou à Rússia pelo oeste, através de Ucrânia, Bielorrússia e países dos Balcãs. Os luboks de xilografia (xilogravura) foram criados na gráfica de Kiev-Pechersk Lavra, um dos primeiros mosteiros na Rússia de Kiev. Naturalmente, na época, os enredos para as imagens vinham principalmente da Bíblia: ninguém tinha pensado ainda nos engraçados luboks sobre Savoska e Paramochka. A primeira dessas gravura é considerada o ícone da Dormição de Theotokos (1614-1624).
Em Moscou, as gravuras lubok começaram a se espalhar na corte do tsar em 1635, quando o tsarevich Aleixo da Rússia, aos 7 anos de idade, comprou as folhas impressas na Praça Vermelha. Mais tarde, as gravuras lubok surgiram entre os boiardos e logo se espalharam entre os camponeses.
No século 17, a maioria das gravuras do tipo lubok ainda pertencia ao gênero religioso. No entanto, além de criar imagens de santos realistas, os artistas urbanos começaram a produzir folhas impressas para diversão, que eram vendidas aos camponeses. Em 1653, após a reforma da igreja de Nikon, os velhos crentes e seguidores de Nikon começaram a criar suas próprias impressões lubok. Como resultado, em 1674, o Patriarca Ioakim proibiu a representação de santos em gravuras lubok.
Naquela época, Moscou já tinha suas próprias oficinas para a produção de luboks, incluindo a “Sloboda” na esquina das avenidas Sretenski e Rojdestvenski. Ela empregava cortadores de madeira e impressores, bem como artesãos da escola de impressão de Kiev-Lviv. Entre eles, estava Vassíli Koren, conhecido por criar a primeira Bíblia esculpida da Rússia.
No final do século 17 e no início do século 18, as impressões de lubok retratando contos folclóricos, épicos e lendas começaram a ser vendidas nos mercados. Os personagens folclóricos mais famosos eram Bova Korolevitch e Eruslan Lazarevitch. Eles eram conhecidos por sua notável força e coragem diante de hordas de inimigos. No entanto, suas aventuras eram diferentes.
Nas histórias, o herói Eruslan Lazarevitch viaja muito e visita o Reino Distante e Vakhrameievo, onde se casa com Marfa Vakhrameieva. Durante suas viagens, ele conhece o bravo herói Ivan e se torna seu amigo, e também luta contra uma serpente de três cabeças.
Ao contrário de Eruslan, que viaja por conta própria, Bova Korolevitch foge do palácio por causa de sua mãe má, Miritritsa, e acaba no reino de Zenzivi Andronovitch. Ele se apaixona por sua filha Drujevna. Ela tem muitos pretendentes, mas Bova Korolevitch entra em inúmeras batalhas e salva Drujevna das mãos do Rei Markobrun. Os luboks frequentemente retratava a batalha entre Bova Korolevitch e Polkan, uma criatura com a parte superior de um homem e a parte inferior de um cão.
No século 18, Pedro, o Grande, percebeu que as impressões em lubok poderiam funcionar bem para fins de propaganda doméstica. É por isso que, em 1711, ele montou uma oficina de gravura que empregava os melhores artistas lubok da época. Já em 1724, o imperador emitiu um decreto sobre a impressão de luboks em placas de cobre.
Isso facilitou o trabalho dos artistas, já que as gravuras em cobre eram mais expressivas e precisas do que as xilogravuras. Com as placas de cobre, a criação das ilustrações não exigia tanto esforço: em vez dos cupins para entalhar a madeira, eram usados ácidos e agulhas, e os defeitos podiam ser corrigidos com a ajuda de um verniz especial.
Apesar dos esforços do Estado para controlar a produção de luboks, as xilogravuras continuaram a ser vendidas nas bancas do mercado. Além disso, o país tinha uma enorme quantidade de gravuras lubok zombando do imperador e de suas reformas.
No século 19, as gravuras lubok mostraram sua eficácia como uma espécie de “mass media”. Durante a Guerra Patriótica de 1812, luboks de guerra estavam em demanda. Datas exatas, nomes reais e detalhes transformaram as impressões lubok em uma fonte importante de informações. Alguns dos eventos eram descritos nas fotos, outros, em legendas. Além de cobrir os fatos, a representação artística de um determinado episódio histórico acrescentava um colorido emocional à seção verbal do lubok, despertando a imaginação do leitor.
Além de contos de glória militar, histórias bíblicas e folclore, as gravuras lubok retratavam momentos da vida cotidiana dos camponeses — por exemplo, o processo de tecer sapatos de palha.
Em muitos aspectos, as gravuras lubok serviam como obras de ficção para os camponeses.
Além disso, as gravuras em lubok retratavam várias histórias absurdas e implausíveis. Na verdade, eles eram os “memes da Rússia pré-revolucionária”.
Os luboks também eram usados para ridicularizar a vaidade e a ganância das classes mais altas.
A introdução da litografia no século 19 barateou a produção de gravuras lubok e tornou-a mais rápida. No entanto, isso teve um efeito negativo na qualidade e a maioria dos luboks e contos de fadas tinham que ser reimpressos.
O ano de 1918 foi um marco na história do lubok. A impressão passou a estar sob controle do Estado e era sujeita a censura ideológica. No entanto, a tradição do lubok ainda pode percebida em obras de artistas do século 20, por exemplo, Wassily Kandinsky.
Lubok nos dias atuais
Com o tempo, o lubok deixou de ser uma arte de massa e hoje só pode ser encontrado em museus.
Mas os artistas russos estão tentando dar um novo fôlego à tradição do lubok. Um famoso autor de gravuras lubok do século 21 é Viktor Penzin. Ele cria estampas lubok modernas usando métodos tradicionais, como a gravura e a pintura em aquarela. Suas obras podem ser encontradas na Galeria Tretiakov e no Museu de Belas Artes Púchkin.
Outro artista contemporâneo, Andrêi Kuznetsov, cria estampas lubok on-line sobre temas da atualidade, com teor grotesco e alegorias. Suas obras costumam apresentar personagens de filmes estrangeiros e desenhos animados soviéticos.
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