Como os Velhos Crentes mantêm suas tradições no mundo moderno

A maioria dos Velhos Crentes da Rússia está na região de Níjni Novgorod Foto: Valéri Mélnikov/RIA Nóvosti

A maioria dos Velhos Crentes da Rússia está na região de Níjni Novgorod Foto: Valéri Mélnikov/RIA Nóvosti

Moscou encerrou recentemente o Sagrado Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa dos Velhos Crentes. Saiba como os Velhos Crentes conseguem manter sua fé e costumes ainda hoje e até mesmo administrar negócios.

A maioria dos Velhos Crentes está na região de Níjni Novgorod (461 km de Moscou). Existem grandes comunidades também em seis grandes cidades russas.  A vida do grupo é muita fechada: eles preferem manter os negócios da família e não tomam empréstimos em bancos.

“O que nos mantém juntos?”, pergunta o servidor da igreja pomoriana ortodoxa de Velhos Crentes (DPTs, na sigla em russo) Arseni Shamarin.

“O reconhecimento do caminho verdadeiro. O entendimento de que nós temos a responsabilidade pela religião ortodoxa, que tentamos preservar e transmitir às crianças. Cada um é responsável pela salvação de sua alma. Na verdade, a reforma do século 17 teve por objetivo destruir a fé consciente. Substituir sacramentos por ritos, e a oração por exigências.”

Os Velhos Crentes se educam de acordo com regras rígidas –religiosas e cotidianas. Mas o mais importante na fé é uma consciência profunda. Nem todos entendem a diferença entre os Velhos Crentes e a ortodoxia moderna. Por vezes, os velhos crentes parecem extravagantes, originais, representantes da "Rússia perdida".  

A vida dos Velhos Crentes gira em torno da igreja e se fecha na comunidade e no templo. Isso se explica pela sua autossuficiência, percebida por estranhos como falta de sociabilidade e arrogância. Caso se misture com outras pessoas, o Velho Crente enfrentará a perda de identidade entre os "seus".

Assim como outros ortodoxos, os Velhos Crentes se enxergam como portadores da verdade. Curiosamente, apesar das tentações, é mais fácil preservar a religião nas cidades grandes. Em Moscou, São Petersburgo e Kazan sempre houve grandes comunidades com templos. Além disso, era mais fácil se disfarçar na época soviética na cidade. As capitais tolerantes são neutras em relação aos Velhos Crentes. Nos povoados e aldeias todos se conhecem, por isso convivem de maneira pacífica. Mas em cidades pequenas há conflitos.

Negócios de família

Aleksander Zagorodni é o presidente da comunidade Ligovskaia. O ocupante desse cargo é eleito pela comunidade: trata-se do representante dos interesses dos paroquianos, do chefe. Os irmãos Zagorodniie são acionistas de uma “holding” de produção de materiais e ingredientes para a indústria de carne. Vasili administra os negócios e  Aleksander é responsável  pela divisão de tecnologia de linguiças. Em geral os Velhos Crentes têm uma empresa que pertence à família.  A empresa de Zagorodni existe há 17 anos. Eles têm muitos clientes ao redor de toda a Rússia: fábricas de salsichas, cafés, restaurantes e comércios privados. Cerca de 300 pessoas trabalham em São Petersburgo, há escritórios em Moscou, Iekaterimburgo, Novosibirsk e Volgogrado. Aleksander não toma nenhum crédito do banco nem para si, nem para sua empresa –não quer a dependência.

“A cobiça é pecado”, diz Zagorodni”. “Isso é a base dos negócios. Emprestar a juros é pecado. Fazer os alimentos com suas próprias mãos é parte da cultura espiritual. No tempo soviético, ninguém fazia pão em casa nem podia produzir salsichas, e agora as pessoas querem recuperar o que foi perdido e cozinhar.”

“Como empresários, os Velhos Crentes não gostam de atrair a atenção”, explica o historiador Aleksei Bezgodov, que tem uma pequena empresa editorial.

“Há muitas pessoas da nossa religião com empresas de pequeno e grande porte. Há também uniões empresariais. Na Letônia, há a União Internacional de Empresários Velhos Crentes. Há também outras associações informais no nível das parcerias individuais. Na maioria das vezes, os velhos crentes estão engajados na indústria da madeira, construção, apicultura, entre os empresários pequenos há bastantes artesãos e agricultores.”

Segundo Bezgodov, eles possuem um sistema de empréstimos bancários apenas para os Velhos Crentes.

“Em geral, esse tipo de empréstimo não tem juros e tem por garantia apenas a palavra. Tanto indivíduos quanto comunidades podem receber empréstimos. Eu uso esse tipo de empréstimo e também emprestava. Há casos em que depois de algum período os empréstimos são perdoados. No entanto, as somas emprestadas em geral não são maiores do que algumas centenas de milhares de rublos. Os casos em que o dinheiro não é devolvido são raros, embora eu saiba de dois deles. No primeiro, a dívida foi perdoada, mas no outro, não vão mais confiar na pessoa. Recorrer aos tribunais é considerado anticristão, especialmente se o caso é contra velhos crentes.”

Onde vivem

A maioria dos Velhos Crentes da Rússia está na região de Níjni Novgorod. Há comunidades grandes em Moscou, São Petersburgo, Novosibirsk, Iekaterinburgo e Kazan. Mas é impossível saber seu número exato.

De acordo com o Ministério da Justiça, há 336 organizações religiosas de Velhos Crentes registradas na Rússia.

Há grandes comunidades de velhos crentes na Letônia, na Lituânia, na Bielorrússia  e na Romênia e um número considerável na Ucrânia, na Moldávia, na Austrália e nos EUA.  Velhos crentes vivem também na Estônia, na Polônia, na Bulgária, na Itália, no Uruguai, na Argentina, no Brasil, na Bolívia e no Chile.

 

Publicado originalmente pelo Kommersant

 

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