Os banheiros da Rússia tsarista

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Que nos perdoem o trocadilho infame, mas os historiadores não costumam escrever sobre uma história tão privada!

No século 19, o tema dos banheiros era considerado pelos historiadores russos como "impróprio" e "vil". Mas "onde o tsar fazia suas necessidades?" é uma das perguntas mais frequentes entre os visitantes de palácios e residências históricas na Rússia.

Obviamente, os aldeões russos tinham banheiros iguais aos de qualquer aldeia mundo afora: uma fossa em algum lugar no fundo do quintal. Mas a nobreza e a realeza russa, que viviam em palácios de pedra, tinham banheiros completamente diferentes.

Banheiros vermelhos

O historiador e restaurador Boris Postnikov descreveu o banheiro na casa de pedra de Mikhail Sarpunov, um rico ourives de Pskov no século 17.

“O banheiro ficava localizado no lado norte do corredor e era iluminado por uma janelinha. O esgoto passava por um canal vertical dentro da parede, possivelmente equipado com tubos de barro, em uma caçamba especial instalada um andar abaixo em um nicho dentro da parede. De um lado desse nicho havia uma janela para ventilação, e do lado de dentro do edifício, uma portinha para substituir o balde.”

Neste exemplo, pode-se ver que a área de descarte estava localizada em um andar inferior e equipada com ventilação para eliminar o cheiro. Esses banheiros eram conhecidos nos castelos europeus desde pelo menos o século 15.

Mas para onde iam as fezes? Para os rios locais, no mínimo. O historiador da tecnologia Nikolai Falkovski revelou que o Kremlin de Moscou, já no século 17, tinha um sistema de esgoto que ia para os rios Moskva e Neglinnaia. Os tsares usavam banheiros pessoais ou penicos, enquanto os funcionários públicos que trabalhavam em instituições estatais dentro do Kremlin tinham seus banheiros coletivos dentro dos prédios das instituições — que eram limpos anualmente!

Onde os banheiros eram instalados? Uma descrição das instalações de Ivan, o Terrível, em Kolomna, diz que o banheiro ficava distante dos aposentos do tsar e da tsarina e era conectado a eles por passagens de madeira. Uma descrição do palácio de Aleixo da Rússia em Izmailovo, em 1687, mostra que os banheiros estavam disponíveis em todos os andares do palácio, localizados perto das salas de estar e separados delas por corredores.

As partes internas dos banheiros do tsar e da tsarina eram forradas com tecido vermelho. Seus penicos portáteis de cobre, que podiam ser levados para viagem e também eram estofados com veludo vermelho e carregados em estojos especiais de couro. Penicos de câmara também eram usados ​​dentro das salas de estar: Pedro 1°, segundo os registros, tinha seu próprio penico, coberto de pano vermelho e cetim vermelho, até os 11 anos, em 1683. Não era impróprio para um nobre da realeza usar um penico, mesmo quando fosse adulto.

Onde o imperador faz as necessidades

Os primeiros lavatórios russos foram instalados na década de 1710 no palácio Monplaisire, o lugar favorito de Pedro, o Grande, em Peterhof, e no Palácio de Verão no Jardim de Verão, em São Petersburgo. O primeiro russo a ter um banheiro com escoamento foi o príncipe Aleksandr Ménchikov, amigo próximo de Pedro.

O que havia dentro do banheiro de um homem rico na Rússia do século 18? Uma rara descrição estrangeira de um banheiro russo foi feita por Daikokuya Kodayu (1751-1828), um capitão japonês cujo navio foi desviado do curso perto das Ilhas Aleutas, em 1783. Depois disso, Kodayu passou quase 10 anos na Rússia. Ao retornar ao Japão, ele foi interrogado por seus compatriotas sobre a vida na Rússia, descrevendo-a em detalhes.

Kodayu escreveu que os banheiros nas cidades russas eram instalados dentro das casas, e até os edifícios de quatro ou cinco andares tinham um banheiro em cada andar. No interior, havia um assento "em forma de caixa, com 40 a 50 centímetros de altura", com uma abertura oval, "com bordas afiadas e alisadas".

Para as crianças, havia banheiros especiais com assentos mais baixos. “As latrinas podem ser espaçosas, com quatro e cinco orifícios, para que três ou quatro pessoas possam usá-las ao mesmo tempo. Os nobres têm até fornos em suas latrinas para mantê-las aquecidos”, escreveu Kodayu. “Debaixo dos buracos ficam grandes funis de cobre, e tudo flui deles para um grande tubo vertical que leva a uma fossa, que é cavada profundamente sob o edifício e forrada com pedra.” A fossa era esvaziada regularmente por "equipes de esgoto" formadas por pessoas das classes mais baixas.

Mas como os banheiros funcionavam no Palácio de Inverno e em outras residências reais russas? Basicamente, do mesmo jeito que em Moscou, mas com um viés europeu. Em vez de penicos volumosos, as senhoras usavam para urinar um bourdalou, ou seja, uma espécie de comadre que podia ser enfiada por baixo da saia durante o dia, sem a necessidade de ir até o banheiro. Dentro dos quartos, os penicos ainda estavam presentes. Mas, durante o século 18, os banheiros passaram a ser uma constante em casas nobres e palácios reais.

Em 1777, na Inglaterra, foi instalado pela primeira vez um vaso sanitário de aparência bastante contemporânea. Os vasos sanitários usados ​​pelos tsares russos do final do século 18 ao início do século 19 eram bastante parecidos dos que usamos hoje. A grande diferença estava no sistema de esgoto: até o século 19, o Palácio de Inverno não tinha esgoto central, apenas tubos esparsos de madeira ou argila aqui e acolá. Os resíduos eram retirados do palácio em baldes (assim como na casa de Sarpunov, no século 17 em Pskov) e despejados no rio Neva.

Em 1826, vasos sanitários com descarga e sistema de drenagem foram instalados no Palácio de Inverno. O imperador Nicolau 1°, que dava grande atenção à higiene pessoal, ordenou que fossem instalados banheiros em seus quartos, nos quartos da imperatriz, e próximos aos salões de recepção principais. Durante grandes recepções no palácio, a questão dos banheiros era aguda: às vezes, centenas ou mesmo milhares de pessoas estavam presentes ali. O primeiro esgoto central do Palácio de Inverno foi equipado com máquinas de bombeamento e um reservatório subterrâneo de resíduos. Mas os resíduos ainda eram despejados no rio Neva.

Depois do ano de 1838, como escreveu o historiador Igor Zimin, vasos sanitários esmaltados foram instalados no Palácio de Inverno. Todos eles ficavam em bases de madeira dentro das paredes dos quartos, com suas portas disfarçadas de guarda-roupas. Essa “tradição” foi preservada até o início do século 20.

Nikolai Sablin, capitão do iate do imperador Nicolau 2°, lembrou que, em 1914, quando o presidente francês Raymond Poincaré visitava a Rússia, ficou confuso tentando encontrar um banheiro no palácio de Peterhof: “Nesse antigo palácio, o banheiro era algo muito antiquado, embutido na parede e com painéis de madeira. Como um guarda-roupa. Quando o presidente precisou usar o cômodo, não conseguiu encontrá-lo. E mostraram para ele onde era, ele ficou extremamente confuso com uma coisa tão antediluviana e não sabia como entrar no tal gabinete...”

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