“O negro norte-americano que ganhou e perdeu fortunas morreu sem dinheiro e endividado”: esta foi a manchete do The New York Times em 8 de julho de 1928 ao anunciar a morte de Frederick Thomas em uma prisão turca para devedores. Filho de escravos americanos libertos, Thomas foi uma figura importante na comunidade de exilados russos em Constantinopla.
Frederick Thomas.
Arquivo“O negro norte-americano Frederick Thomas era o Sultão do Jazz na nova república [turca]. Ele fundou a Maxim's. O cabaré logo se tornou o principal destino da vida noturna da cidade. Para conseguir os melhores talentos, ele buscou os gênios russos em questões de culinária, da decoração e do entretenimento”, lê-se no artigo. “Ele morreu ontem, deixando a esposa russa e dois filhos. Diz-se que ele foi um marinheiro que deixou seu navio em algum porto russo nos dias pré-revolucionários, embora ninguém saiba como ele ganhava a vida na Rússia”.
Hoje, sabemos muito bem como Frederick Bruce Thomas (1872-1928) ganhava a vida na Rússia Imperial graças ao professor Vladímir Aleksandrov, da Universidade de Yale, autor de “The Black Russian” (em tradução livre, “O russo negro”).
“A vida do Sr. Thomas na Rússia foi uma espiral ascendente de sucesso, fama e fortuna, pois ele se tornou um dos mais inovadores, influentes e poderosos empresários teatrais de Moscou, então a segunda cidade mais importante da Rússia”, disse o professor Aleksandrov em entrevista ao Russia Beyond.
Partida para a Rússia
Thomas nasceu em 1872, no Mississippi, filho de escravos libertos. Ele deixou o sul e partiu para Chicago e, mais tarde, para Nova York e, finalmente, para a Europa. No final da década de 1890, depois de muitas viagens e dominando o francês, ele se tornou um garçom e manobrista e trabalhava para um membro da nobreza russa em Monte Carlo.
Frederick Thomas por volta de 1896 em Paris.
National Archives, NARA IIEssa relação despertou o interesse de Thomas pela Rússia, e ele chegou ali em 1899. Nos primeiros anos, Thomas trabalhou em restaurantes e hotéis de todo o país. Ele acabou se estabelecendo em Moscou e ficou conhecido ali como Fiódor Fiódorovich Thomas.
Charmoso e carismático, além de exótico para os moscovitas, Thomas logo conheceu muitos aristocratas e empresários poderosos da cidade. Ele também era muito popular entre as mulheres. Não há evidências de que a cor de sua pele tenha sido um problema na Rússia e, além disso, ele ter alcançou ali um extraordinário sucesso financeiro e social, algo muito difícil para um homem negro nos EUA na época.
A partir de 1903, Thomas trabalhou como maitre no popular cabaré “Aquarium” e, em 1908, ele no “Iar”, clube popular frequentado pela elite russa e figuras notórias como Rasputin — o carismático e esquisito monge que tinha enorme influência sobre a família imperial em São Petersburgo.
Interior do restaurante “Iar”.
ArquivoQuando o “Iar” reabriu em dezembro de 1909, após a reforma, Thomas já havia se tornado uma figura-chave ali. Embora não haja registro de seu encontro com Rasputin, ele provavelmente ocorreu.
O belo e jovial Thomas, que se identificava como católico romano, parecia ter uma queda por mulheres alemãs. No outono de 1901, ele se casou com Hedwig Hahn, uma prussiana protestante, e eles tiveram três filhos.
Quando Hahn morreu, em janeiro de 1910, de pneumonia, as crianças passaram a ser cuidadas por uma babá báltico-germânica de Riga (hoje, capital da Letônia), Valentina Hoffman, de 28 anos. Thomas casou-se com ela no início de 1913 e o casal mudou-se para um apartamento luxuoso em Málaia Bronnaia, 32, perto de Patriarchie Prudi.
Vida requintada
Em novembro de 1911, o “Aquarium” reabriu com novos proprietários, e Thomas estava entre eles. Ele não era mais apenas um simples funcionário. Sob sua gerência, o “Aquarium” deixou para trás o único concorrente a sua altura em Moscou, o cabaré “Jardim Hermitage”.
Entrada principal do “Aquário”, Moscou, 1912.
ArquivoEm meados de 1912, Thomas era um homem muito rico. A primeira temporada do “Aquarium” teve um lucro de 150.000 rublos (dois rublos equivaliam a um dólar naquela época), e Thomas estava entre os principais empreendedores do entretenimento do Império Russo.
No segundo semestre de 1912, Thomas viajou para outras cidades russas em busca de apresentações para a temporada de meados de 1913. No entanto, ele surpreendeu a todos quando inesperadamente assumiu um clube falido chamado “Chanticleer”, que rebatizou como “Maxim”, espaço inaugurado em 8 de novembro de 1912 (localizado na rua Bolcháia Dmitrovka, 7).
A diversão começava às 11 da noite e ia até a manhã do dia seguinte. Como os outros cabarés, ele tinha shows picantes e insinuações sexuais como suas principais atrações.
Publicidade do cabaré “Maxim”, 1915.
Revista "Stsena i Arena", 4 de novembro de 1915Mas um problema sério ameaçava inviabilizar os planos de Thomas para o “Maxim”. Ali nas redondezas havia três igrejas e a Igreja Ortodoxa Russa tinha sérias restrições a teatros e cabarés. No entanto, o indomável Thomas empregou toda sua lábia e obteve a permissão requerida pela prefeitura.
O cabaré “Maxim” tornou-se um grande sucesso entre a elite de Moscou e a fortuna e a fama de Thomas aumentaram. Em janeiro de 1914, Thomas e seus sócios lançaram a “Primeira Companhia Teatral Russa de Ações”, que tinha 650.000 rublos em capitalização de mercado (o equivalente a 10 milhões de dólares hoje). Seu objetivo era abrir novos cinemas em Moscou e em outras cidades do império.
A Primeira Guerra Mundial, no entanto, acabou com esses planos. Com o país em guerra, toda a energia e recursos estavam concentrados na frente de batalha. Ainda assim, os clubes de Thomas continuaram a gozar de extrema popularidade, o que lhe rendeu uma grande fortuna.
Em 1915, com grande fervor patriótico, Thomas decidiu adquirir a cidadania russa. Os motivos disso não são totalmente claros até a atualidade, mas uma coisa é certa: ele planejava ficar na Rússia ainda por muitos anos. Thomas acreditava no futuro do país, o que era patente em seus investimentos imobiliários. Em fevereiro de 1917, ele comprou seis prédios adjacentes no centro de Moscou que tinham 38 unidades para alugar. Ele também comprou uma vila nos arredores de Odessa.
Fugindo da Revolução
Frederick Thomas, sua segunda esposa, os filhos do primeiro casamento e os sócios, 1913.
National Archives, NARA IIMas a Rússia desmoronava, assim como a vida de Thomas. A tomada do poder pelos bolcheviques, em outubro de 1917, deu início a uma nova e radical ordem social e política. Na primeira metade de 1918, os bolcheviques nacionalizaram todas as propriedades privadas, destruindo tudo o que Thomas havia construído. Para agravar a sensação de perda e humilhação, Thomas pegou sua mulher na cama com um comissário bolchevique.
Ele mesmo, na verdade, também tinha uma amante alemã, com quem teve outros filhos. Mas a perigosa relação da esposa quase acabou com a vida de Thomas. Ela incitou seu amante bolchevique a matar Thomas, que era obviamente um inimigo de classe. Mas o homem, cuja identidade ainda é obscura, não conseguiu puxar o gatilho.
A polícia secreta estava de olho em Thomas, mas, em agosto de 1918, ele finalmente conseguiu deixar Moscou de trem. De lá, ele foi para sua vila nos arredores de Odessa — que, na época, estava ocupada pelo exército imperial alemão. Sua amante e seus filhos esperavam por ele ali.
Odessa em 1919. Milhares de refugiados deixam o país.
ArquivoApós nove meses na vila de Odessa, Thomas deixou a Rússia de barco com a amante e os filhos para uma nova vida em Constantinopla (hoje, Istambul). Mas apesar de aquele novo capítulo de sua vida ter se mostrado promissor, ele também terminou em tragédia.
Thomas levou o jazz para a Turquia e enriqueceu novamente quando abriu outro cabaré “Maxim”, que, é claro, servia comida russa e tinha decoração russa, atendendo tanto a moradores locais quanto à comunidade de emigrados russos. No entanto, Thomas passou por tempos difíceis, foi mandado para a prisão de devedores e morreu em Constantinopla, em 1928.
No obituário de Thomas, o The New York Times o descreveu de maneira depreciativa como “extravagante e imprudente”. Os emigrados russos, no entanto, lembravam dele com carinho. Infelizmente, sob o regime comunista, Moscou esqueceu de Thomas e sua memória foi apagada. Mas quando o professor Aleksandrov estudou sua biografia no início do século 21, deu um novo sopro de vida a este capítulo extraordinário na história russo-americana.
Frederick Thomas antes de 1928.
ArquivoPara saber mais sobre esta história, leia “The Black Russian”, de Vladímir Aleksandrov (2013, Atlantic Monthly Press).
LEIA TAMBÉM: Como negros chegaram pela primeira vez à Rússia
Autorizamos a reprodução de todos os nossos textos sob a condição de que se publique juntamente o link ativo para o original do Russia Beyond.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: