A história do parto na Rússia

História
GUEÓRGUI MANÁEV
Se hoje as russas têm direito a até três anos de licença-maternidade, nem sempre as coisas foram um conto de fadas: elas já trabalharam pesadamente durante a gravidez, deram à luz em celeiros e banheiras e até usaram feitiçaria durante o parto.

As camponesas nas aldeias russas não tiveram “licença-maternidade” até 1917, quando se instituiu ali a primeira regulamentação deste tipo no mundo todo. Assim, durante a gravidez, as russas continuavam a trabalhar pesadamente.

A etnógrafa russa Olga Semionova escreveu, no século 19: “A grávida faz todo o trabalho doméstico na casa e no campo: cava e passa a enxada, planta ou colhe batatas, até a hora do nascimento. Algumas mulheres dão à luz enquanto sovam a massa. Outras, dão à luz no campo, e outras ainda, em alguma carroça sacolejante (já que, sentindo a aproximação do parto, algumas mulheres se apressam em voltar para casa).”

Parto com ervas e feitiços

No passado, os russos se casavam jovens. Entre os séculos 16 e 17, os meninos casavam-se com cerca de 15 anos de idade e as meninas, com 13. No século 19, os camponeses se casavam entre os 18 e os 20 anos. Infelizmente, a gravidez desses casais frequentemente resultava em natimortos, já que um corpo tão jovem como os dessas meninas não estava preparado para a gravidez.

Mais tarde, a situação melhorou, mas a mortalidade infantil era muito alta em tempos pré-médicos. A russa dava à luz a 10 ou 15 filhos, mas nem todos sobreviviam até a idade adulta.

A primeira pessoa a chamar quando uma mulher entrava em trabalho de parto era a doula. Antes do surgimento dos médicos tradicionais, toda aldeia tinha mais de uma doula – em russo, “povitukha”.

As “povitukhas” eram geralmente mães maduras que não podiam mais ter filhos e, claro, sabiam como fazer partos. O ofício era hereditário nas aldeias russas e a maioria dos “povitukhas” o aprendia com suas mães. As “povitukhas” eram consideradas como um tipo de “bruxas boas”. Elas sabiam muitas magias pagãs antigas, como feitiços e ervas, e as utilizavam em sua prática.

As “povitukhas” acreditavam que sua "santa padroeira" era Salomé, mulher que esteve presente durante o nascimento de Cristo – mas, como o Evangelho não menciona esse episódio, Salomé era uma "santa folclórica" na Rússia. No início do trabalho de parto, as “povitukhas” normalmente liam um feitiço: "Mãe Salomé, pegue as Chaves de Ouro, abra o nascimento à serva de Deus". Ao mesmo tempo, elas borrifavam a grávida com água de um riacho ou rio.

Pendurada em uma viga

As russas não davam à luz dentro de casas. Como a “izbá” era considerada um lugar espiritualmente limpo e o parto era um processo complicado, ele geralmente acontecia em um celeiro (se o clima estivesse suficientemente quente) ou em uma casa de banhos. Tradicionalmente, as mulheres russas davam à luz em pé, segurando as pontas de um lençol pendurado em uma viga no teto. Olga Semiônova escreveu ainda: “Às vezes a mulher tem que ficar pendurada na viga por tanto tempo que suas mãos doem por duas semanas após o parto”.

As “povitukhas” usavam alguns métodos obsoletos para ajudar no parto, mas que a obstetrícia contemporânea considera racionais. Se o trabalho de parto estivesse lento, a “povitukha” pedia à mulher que se levantasse e desse três voltas ao redor da mesa ou ficasse com as pernas afastadas o suficiente para que o marido da mulher pudesse engatinhar sob ela três vezes. Aparentemente, esses métodos ajudaram a induzir o parto e acelerar o processo.

Se o parto durasse mais de 24 horas, era algo preocupante (algo com o que a obstetrícia profissional contemporânea também concorda plenamente). Uma missa era encomendada então na igreja da aldeia e a “povitukha” começava a usar métodos mais severos para ajudar o bebê a sair: massagear o peito, banhar a mulher com água quente etc.

Junto com a missa, as “povitukhas” podiam usar um pouco de magia popular, mandando os parentes da mulher abrirem todas as fechaduras e todas as portas da casa, abrir tudo que estava fechado, desamarrar todos os cadarços dos sapatos, tiras, cintos, tranças etc. — e todos obedeciam. Era uma tradição obedecer completamente às ordens de uma “povitukha” durante o processo de parto.

Depois do nascimento

Quando o bebê nascia, era a “povitukha” quem cortava o cordão umbilical e dava banho no bebê pela primeira vez. As “povitukhas” ficavam na casa da nova mamãe por alguns dias após o nascimento, ajudando ela e seu bebê. A “povitukha” podia "endireitar" o bebê, formando um corpo e uma cabeça "apropriados" com movimentos simples. As “povitukhas” também curavam o prolapso uterino que costumava ocorrer após o parto.

Após um período de vários dias, a “povitukha” era mandada embora – geralmente, isso acontecia após o batismo do bebê. A “povitukha” recebia uma recompensa na forma de presentes. Dois pães, um lenço e 50 copeques (uma pequena quantia com a qual se podia comprar uma lamparina de querosene ou um balde de lata) compunham normalmente o pagamento pelo trabalho da “povitukha”.

As pessoas acreditavam que, uma vez que o parto tivesse sido realizado, a “povitukha” seria parente do bebê para o resto da vida. Nas aldeias russas, celebrava-se o dia das “povitukhas” um dia após o Natal. Então, todos foram para as casas de suas “povitukhas” com presentes simples - panquecas, tortas, toalhas, pedaços de tecido.

Somente em 1757, com a ajuda de Pavlos Condoidis (1710-1760), um médico russo de origem grega, as primeiras escolas profissionais de obstetrícia foram abertas — primeiro, em Moscou e São Petersburgo e, depois, em muitas outras cidades e vilas russas. No final do século 19, a profissão de parteira tornou-se oficial nas cidades russas e essas mulheres eram formalmente subordinadas à administração policial local.

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