10 fatos sobre Lazar Kaganovitch, o gerenciador predileto de Stálin

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Ele foi um dos aliados mais próximos de Stálin e um dos iniciadores do Grande Expurgo. Teve uma carreira meteórica quando o Partido Comunista lhe confiou os projetos mais importantes: da coletivização à construção do metrô de Moscou. No entanto, morreu em um apartamento modesto e no anonimato completo.
  1. Era sapateiro de uma família judia humilde

Lazar Kaganovitch tinha a biografia ideal para um bolchevique: veio da base da sociedade e conquistou tudo sozinho. Nasceu em uma família judia em uma vila não muito longe de Kiev. A família tinha muitos filhos e viviam na pobreza. Quando tinha 14 anos, Lazar começou a trabalhar em fábricas, como carregador e sapateiro.

Lazar Kaganovitch

Os judeus enfrentavam diversas restrições no Império Russo: limites para serem aceitos nas escolas públicas, bem como nas universidades; a maioria deles só tinha permissão para viver na Rússia ocidental, onde seus ancestrais viveram por séculos e não podiam circular livremente pelo império; e algumas profissões estavam proibidas. Impulsionado por tais injustiças, Lazar se tornou amigo dos revolucionários, participou de comícios (pelos quais foi expulso do emprego) e em 1911 ingressou no Partido Bolchevique. Em 1916, fundou um Sindicato dos Sapateiros clandestino.

  1. Revolução o catapultou para o comando de uma república

Em 1917, Kaganovitch tinha 23 anos e estava intensamente envolvido na atividade revolucionária, criando células bolcheviques na Ucrânia e na Bielorrússia. Sua influência no trabalho do Partido nas províncias era tão grande que logo foi incluído na lista de delegados do Congresso dos Sovietes de Petrogrado.

Lá conheceu Lênin. Kaganovitch lembrou mais tarde que, ao discursar em um congresso de organizações do Exército, expressou uma posição firme sobre a questão da nacionalização de terras, conquistando assim o apoio dos soldados para os bolcheviques. Percebendo isso, Lênin confiou a Kaganovitch um posto importante – chefe do departamento de agitação no novo Exército Vermelho formado na época.

Kaganovitch (segundo à dir.) no aniversário de Stálin (centro)

Kaganovitch continuou a se envolver em agitação durante a Guerra Civil. Depois que o poder bolchevique foi estabelecido, ele conquistou mais um cargo de responsabilidade – chefe do departamento de distribuição e organização do Comitê Central do Partido Comunista; tornando-se, assim, efetivamente o “gerente de abastecimento” do Partido. Foi ele também que teve a ideia de compilar listas de cargos partidários, criando a famosa “nomenklatura” soviética.

Em 1925, a carreira de Lazar atingiu um novo patamar. Após a morte de Lênin, Stálin reuniu os seus aliados e indicou Kaganovitch para o cargo de secretário-geral do Comitê Central do Partido na Ucrânia. Sua missão era desenvolver o setor industrial, e ele agiu com firmeza. Uma das prioridades do jovem Estado soviético era a mineração de carvão, mas a indústria foi afetada por acidentes e, de modo geral, era incapaz de lidar com as novas demandas da industrialização. Em 1928, Kaganovitch deu início ao Julgamento de Shakhty, no qual chefes de diversas minas de Donbass foram acusados ​​de sabotagem e condenados à morte, e vários gerentes foram presos.

  1. Responsável pela coletivização

Naquele mesmo ano (1928), Stálin encarregou Kaganovitch de outra tarefa essencial – a de fortalecer as fazendas coletivas e estatais, e acabar com os kulaks, camponeses ricos que tinham renda imerecida e eles próprios empregavam trabalho contratado.

Camponeses, um pobre e outro rico

Em 1932, foi lançada uma campanha para aumentar a arrecadação de grãos para o estoque estatal. Os camponeses eram obrigados a entregar a maior parte de seus grãos ao Estado, para que este pudesse abastecer todo o país com pão pelo mesmo preço. Mas a quantidade de grãos colhidos foi muito superestimada e, devido à fraca colheita e exportação de grãos, muitas aldeias não conseguiram cumprir as metas impostas. Kaganovitch introduziu a prática de “quadros negros”, ou “listas negras”, de aldeias que não cumpriam a meta de quantidade de grãos coletados. Essas aldeias eram privadas do direito ao comércio, e não recebiam empréstimos nem bens de consumo básicos. Além disso, tornaram-se alvo de buscas por “elementos hostis”, e seus moradores foram presos por suposta culpa pelo fracasso da aldeia em cumprir a meta.

Fato é que essas aldeias morreram de fome. Acredita-se que a política da época tenha causado fome severa em muitas regiões da URSS, incluindo a Ucrânia – os historiadores se referem a esses eventos como Holodomor. Tanto é que as ações do Partido Comunista Soviético na Ucrânia são qualificadas como genocídio. Em 2009, o país abriu um processo criminal contra Kaganovitch e outros líderes do Partido.

  1. Foi o principal gerente ferroviário do país

Em 1934, Stálin nomeou Kaganovitch como Comissário do Povo (ou seja, ministro) das Ferrovias. Sua nova tarefa era trazer soluções para o setor de transportes, que estava em um estado caótico, com acidentes ferroviários frequentes. Kaganovitch foi mais uma vez fiel à sua reputação atroz, atribuindo responsabilidade pessoal – e represálias – por cada acidente. Mas também conseguiu colocar ordem nas operações ferroviárias: os trens pararam de atrasar e começaram a circular dentro do horário. Durante a Segunda Guerra Mundial, Kaganovitch organizou uma evacuação efetiva de cidades e fábricas inteiras por ferrovia.

Linha ferroviária infantil em Kratovo, 1945-49

Além disso, teve a ideia de criar uma ferrovia infantil para treinar os futuros funcionários ferroviários. Uma pequena linha totalmente operada por crianças ainda existe em Kratovo, nos arredores de Moscou.

  1. Apelidado de “destruidor de Moscou”

Além de trabalhar no Comissariado do Povo das Ferrovias, Kaganovitch também chefiava a filial moscovita do Partido. Em 1935, Stálin aprovou um plano geral para a reconstrução da capital e o nomeou como encarregado de sua implementação.

Com o número de habitantes e carros crescendo constantemente, Moscou precisava ter as vias alargadas e novas casas construídas. Os moscovitas ficaram particularmente ressentidos com Kaganovitch por derrubar a Catedral de Cristo Salvador, cuja área daria lugar a um novo e enorme Palácio dos Sovietes.

Implosão da Catedral de Cristo Salvador, 1931

No livro “Assim falou Kaganovitch”, de Féliks Tchuiev, baseado em entrevistas registradas ao longo de cinco anos, Kaganovitch disse que a proposta de demolir a catedral partira do Sindicato dos Arquitetos – teriam sido os arquitetos, incluindo o famoso Aleksêi Schusev, que disseram que a catedral não tinha valor artístico.

“Dizem que destruí edifícios valiosos em Moscou. É uma mentira. Não vou tentar me justificar, porque isso nunca aconteceu. Caminhamos juntos pela cidade, selecionando prédios que dificultavam o trânsito”, lembrou Kaganovitch. A Catedral de Cristo Salvador foi reconstruída em seu local original na década de 1990.

  1. Construiu o metrô da capital

Entre outras coisas, o Plano Geral para Reconstrução de Moscou previa a construção do metrô. Um repórter do jornal “Vetcherniaia Moskva” [Noite em Moscou], relatou que Kaganovitch tinha visitado Berlim para ver como havia sido a construção do metrô por lá e, ao retornar, teria dito a Stálin: “Em Berlim, as entradas para as estações são apenas buracos no chão, ao passo que devemos ter belos pavilhões”.

Kaganovitch ia pessoalmente inspecionar o processo de construção, supervisionou todo o projeto e aprovou os projetos das estações. Segundo relatos de testemunhas oculares, os operários da construção do metrô gostavam da eficiência e tino empresarial de Kaganovitch, e ele chamava todos os subordinados pelo nome.

Lazar Kaganovitch (centro, de bigode) e Nikita Khruschov durante a construção do metrô de Moscou, anos 1930

Em 15 de maio de 1935, a primeira linha de metrô foi inaugurada: ia da estação Sokolniki à Okhotny Ryad com um ramal ferroviário para Park Kultury e Smolenskaya. Até 1955, o metrô levava inclusive o nome de Kaganovitch, embora mais tarde tenha sido renomeado em homenagem a Vladímir Lênin.

Kaganovitch também lançou a primeira linha de trólebus em Moscou.

  1. Esteve na linha de frente de represálias e luta contra ‘sabotadores’

Kaganovitch era um comunista e stalinista obstinado e acreditava piamente que a repressão era necessária para manter a ordem e alcançar resultados. Em uma reunião sênior do Partido em 1937, fez um extenso discurso no qual falou sobre a importância do combate aos ‘sabotadores’. Segundo ele, “agentes e espiões japoneses-alemães-trotskistas” atuavam em setores industriais e na construção e operação de ferrovias.

Lazar Kaganovitch em discurso no congresso do Partido, 1938

Como medida para lidar com o problema, Kaganovitch propôs prender todos os ‘sabotadores’. “Devemos primeiro erradicá-los (...) e não derramar lágrimas pelas prisões de pessoas inocentes – até agora, houve pouquíssimas delas, quase nenhuma”.

Naquele ano, começou o Grande Terror, ou Grande Expurgo.

Listas de pessoas sujeitas a represálias foram compiladas extrajudicialmente com a aprovação da direção do Partido. De acordo com a ONG Memorial, que documenta os crimes do regime soviético, a assinatura de Kaganovitch estava presente em 188 dessas listas, que resultaram na execução de cerca de 19.000 pessoas.

Maksim Górki, Lazar Kaganovitch, Kliment Vorochilov e Stálin no topo do Mausoléu de Lênin

Em 1941, foi aberto um processo contra o próprio irmão de Kaganovitch, Mikhaíl, que era o Comissário do Povo da Indústria da Aviação e suspeito de “associação com inimigos do povo”. Circulavam boatos de que Lazar não intercedeu pelo irmão e se aliou a Stálin. Kaganovitch negou isso em várias entrevistas, insistindo que havia dito a Stálin que se tratava de mentira e que pedira para seu irmão ter a oportunidade de confrontar os acusadores. Sem esperar pela prisão, Mikhaíl atirou em si mesmo.

“Éramos culpados de exagerar, pensávamos que havia mais inimigos do que realmente havia”, disse Lazar, em entrevista. “Se não tivéssemos destruído esta quinta coluna, não teríamos vencido a guerra. Teríamos sido esmagados pelos alemães.”

  1. Foi um dos camaradas mais leais de Stálin

Mesmo sem educação formal, Kaganovitch tornou-se um dos funcionários mais sênior do país. Contemporâneos relatam que ele lia muito bem, mas ao mesmo tempo cometia muitos erros de gramática e ortografia ao escrever. Ainda assim, Stálin valorizava suas outras qualidades, como diligência, economia e lealdade.

“Depois de reler minha carta, vejo que não cumpri sua instrução de dominar a pontuação. Comecei, mas não consegui continuar, apesar de toda a minha carga de trabalho, isso pode ser feito. Tentarei me certificar de que minhas cartas subsequentes contenham vírgulas e pontos”, escreveu Kaganovitch a Stálin em 1931. 

Kaganovitch e Stálin

De fato, ele cumpriu a instrução, assim como cumpriu – sem questionar – as outras ordens de Stálin. Kaganovitch considerava o chefe do Estado soviético um grande homem e começou a chamá-lo de Líder (além de Mestre, Grande Amigo e Pai). Em muitos discursos, ele falou do amor do povo por Stálin.

Em 1987, o livro “O Lobo do Kremlin” foi publicado nos Estados Unidos. Seu autor, Stuart Kahan, se apresentou como sobrinho de Lazar Kaganovitch. Segundo ele, a obra, que que também era baseado em arquivos de família, foi escrita depois de visitar Kaganovitch em sua casa e conversar com ele. No livro, Stuart afirma, entre outras coisas, que uma das razões da proximidade entre Kaganovitch e Stálin era o fato de a irmã de Lazar ter supostamente se tornado amante de Stálin após a morte de sua esposa, Nadejda Alliluieva. Kaganovitch negou a informação e, após sua morte, os parentes disseram que Stuart Kahan não era seu sobrinho e nunca os havia visitado.

  1. Promoveu Khruschov e depois foi deposto por ele

Nos últimos anos da vida de Stálin, Kaganovitch não estava mais entre seus favoritos. Em vez dele, o posto eminente passou a ser ocupado pela troika Khruschov-Malenkov-Beria. Mas foi graças a Kaganovitch e seu apoio que Khruschov progrediu na carreira política. Lazar havia recrutado Nikita, um simples trabalhador da Ucrânia, para supervisionar a construção do metrô de Moscou e a reestruturação da capital.

Lazar Kaganovitch e Nikita Khruschov, 1935

“Eu tinha uma queda pela promoção de proletários porque na época havia poucas pessoas capacitadas. Ele era um trabalhador capaz, sem sobra de dúvida”, disse Kaganovitch, acrescentando que “a cabeça de Khruschov mudou depois de ele ser nomeado secretário do Comitê Central do Partido”.

Kaganovitch apoiou a prisão e execução de Beria, mas foi contra o discurso de Khruschov denunciando os crimes e o culto à personalidade de Stálin. Em 1957, Khruschov reforçou sua posição no poder, declarando que Kaganovitch, junto com Malenkov e Molotov, havia formado um “grupo antipartido”; destituiu-o de seus cargos e o “exilou” nos Urais para chefiar uma planta de mineração e processamento.

  1. Passou os últimos 30 anos de vida no anonimato

Em 1961, Kaganovitch sofreu dois golpes: foi expulso do Partido e sua esposa morreu. Durante o degelo, quando os crimes de Stálin se tornaram de conhecimento público, todos viraram as costas para Kaganovitch. Houve até rumores de que, quando estava no hospital, a equipe médica se recusou a oferecer os devidos cuidados. 

Lazar Kaganovitch

Ex-comissário do povo e ex-amigo próximo de Stálin, Kaganovitch vivia com uma pensão insignificante em um modesto apartamento em Moscou. Não tinha carro do governo ou datcha, ou qualquer grande economia para deixar aos filhos. Mas para ele isso era motivo de orgulho, pois acreditava que um comunista deveria viver assim.

Kaganovitch viveu o suficiente para testemunhar a perestroika e a glasnost, escreveu cartas pedindo para reintegrá-lo ao Partido e continuou acreditando em Stálin até o fim. Morreu em 1991, aos 97 anos, apenas alguns meses antes do colapso da URSS.

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