Como os soviéticos impulsionaram a economia com explosivos nucleares

História
BORIS EGOROV
Assim como os EUA, a URSS também usou armas nucleares para fins pacíficos e industriais. Mas esses experimentos acabaram trazendo apenas problemas ao país.

Em 1965, a URSS lançou o ‘Explosões Nucleares para a Economia Nacional’, um programa que pretendia usar a arma mais assustadora do mundo para fins pacíficos. A ideia era realizar 124 explosões subterrâneas para criar aquíferos artificiais, bem como canais para conectar rios, e desenvolver minas para a extração de materiais preciosos. A detonação de explosivos nucleares no subsolo ajudaria a impedir que a radiação contaminasse a superfície, o que levaria a uma catástrofe ambiental.

Os soviéticos não foram os únicos – nem mesmo os primeiros – a usar armas nucleares para fins pacíficos. De 1957 a 1973, os EUA implantaram o ‘Programa Plowshare’, com o uso de 27 explosivos nucleares para fins industriais.

Além de usar seu arsenal nuclear existente, a URSS desenvolvia cargas “limpas” especializadas, com rendimento nuclear reduzido.

A primeira explosão industrial subterrânea foi realizada em 15 de janeiro de 1965 na região de várzea do rio Tchagan, no Cazaquistão. Isso levou à criação de um funil de 500 metros de diâmetro e 100 metros de profundidade, dando origem a um aquífero artificial. “O ‘lago milagroso’ era uma visão assustadora, não tanto em termos de radiação – da qual havia quantidades substanciais na beirada do rio, mas em termos de escuridão do solo sem vida que se acumulava ao redor, o interior extraído da Terra”, lembrou o físico nuclear Víktor Mikhailov, ao visitar o aquífero após a explosão.

Esses “lagos” deveriam servir como fontes de água para agricultura (irrigação, pecuária etc.). Quarenta desses reservatórios foram planejados apenas no território do Cazaquistão.

O monitoramento da poluição do lago Tchagan continuou por anos. Nele foram introduzidas 36 espécies de peixes (inclusive piranhas amazônicas), além de 150 espécies de plantas, dezenas de espécies de moluscos, anfíbios, répteis e mamíferos. No entanto, 90% desses seres não sobreviveram, enquanto outros desenvolveram uma variedade de mutações. Entre outras coisas, os pescadores chegaram a pegar um lagostim gigante de água doce pesando 34 kg – um lagostim médio pesa 3,5 quilos.

Atualmente, o lago Tchagan é listado pelo governo do Cazaquistão como uma das localidades que sofreram efeitos particularmente adversos dos testes nucleares. Os níveis de radiação na água excedem as normas aceitáveis ​​em centenas de vezes, tornando-a inadequada para uso agrícola, quanto mais para consumo. No entanto, isso não impede que os habitantes locais usem o lago como fonte de água para o gado.

Um destino um pouco mais misericordioso se abateu sobre outro aquífero artificial criado em condições semelhantes. O lago Iadernoe (que significa literalmente “nuclear”), no norte da região de Perm, nos Urais, é muito mais benigno do que o nome sugere, com níveis de radiação dentro de limites aceitáveis. O lago se tornou o favorito dos pescadores locais e colhedores de cogumelos.

Nem todas as explosões industriais na URSS ocorreram conforme planejado – houve ocasiões em que materiais radioativos vazaram para a superfície. A mais famosa delas é o projeto ‘Globus-1’, que entrou para a história como o “Hiroshima de Ivanovo”. Em 19 de setembro de 1971, na porção central da Rússia, a apenas 363 quilômetros da Praça Vermelha, uma detonação subterrânea malsucedida nas margens do rio Chatchi resultou na contaminação da área circundante, causando um aumento repentino de casos de câncer em cidades e vilas próximas na região de Ivanovo. As autoridades limparam parcialmente o erro, transportando solo contaminado para longe da costa do Chatchi. Mas a toxicidade persistiu até meados da década de 2010.

Apesar de todos os cuidados, era impossível evitar a contaminação das minas e do meio ambiente com explosivos nucleares para fins industriais. Por isso, em 1988, o programa foi encerrado. Esse tipo de procedimento está proibido em todo o mundo atualmente, graças a uma série de acordos internacionais.

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