Como detentos projetaram as melhores armas soviéticas na prisão (FOTOS)

História
BORIS EGOROV
Autoridades soviéticas mantiveram centenas de cientistas atrás das grades, mas permitiram que eles exercessem sua profissão para o bem do país. Alguns deles até acabaram sendo indicados para os mais altos prêmios soviéticos.

Na década de 1930, o impensável aconteceu na União Soviética: o trabalho de projetar as armas mais modernas para o Exército Vermelho foi designado a...detentos. Durante o período de repressão em massa, quando as pessoas iam parar em prisões ou campos de trabalhos forçados com base em denúncias (muitas vezes escritas por colegas invejosos), centenas de cientistas, projetistas e engenheiros se viram atrás das grades. Segundo o aviador Mikhail Gromov, “as pessoas iam presas porque os projetistas de aeronaves escreviam denúncias uns contra os outros, cada um elogiando sua própria aeronave e tentando arruinar a carreira dos demais”.

Declarados como “inimigos do povo” e condenados por traição, espionagem ou sabotagem contra o Estado soviético, os cientistas detidos possuíam, porém, conhecimento e experiência profissional valiosos demais para serem simplesmente deportados e conduzidos à derrubada de árvores na Sibéria.

Assim surgiram na URSS os “escritórios de projetos especiais” ou “escritórios técnicos especiais” – conhecidos como charachkasna gíria prisional.

Dentro deles, por trás do arame farpado e sob a supervisão de guardas da NKVD [polícia secreta] armados com submetralhadoras, os cientistas condenados “se redimiam” trabalhando pela defesa do país.

As condições de vida nos charachkas eram, no entanto, muito melhores do que nas prisões comuns: os detentos tinham roupas de cama brancas limpas, chuveiros, bibliotecas, cigarros, bolos e biscoitos para o chá e, é claro, as instalações necessárias para o trabalho. Cientistas condenados eram dispensados ​​de tarefas de limpeza – pessoal externo era contratado para esses fins. Mas essas instituições não eram resorts de lazer – muitas, vezes a equipe da NKVD tratava os cientistas de maneira deliberadamente brutal, para que não esquecessem que eram os “inimigos do povo”.

Dezenas dos melhores especialistas do país passaram por esses departamentos especiais de projetos: Serguêi Korolev, o “pai da cosmonáutica soviética”, que lançaria Iúri Gagárin no espaço em 1961; Vladímir Petliákov, responsável pelo Pe-2, o bombardeiro soviético mais produzido em massa da história; Nikolai Polikarpov, desenvolvedor dos principais aviões de combate soviéticos, o I-15bis, I-16 e I-153; e muitos outros projetistas de aeronaves, tanques, sistemas de artilharia e submarinos, bem como cientistas químicos, arquitetos, matemáticos, engenheiros de minas etc.

Nessas agências de projetos especiais, os principais bombardeiros soviéticos Pe-2 e Tu-2 foram desenvolvidos, a artilharia antitanque de 45 mm foi atualizada, e o tanque anfíbio T-37, o obus autopropulsado Su-152 e muitas outras armas foram projetadas. Mas a lista de realizações não se restringia a armamentos. Os charachkas também trabalhavam na projeção do interior dos escritórios do Comissário do Povo para Assuntos Internos [chefe da NKVD], salas de conferências no Kremlin de Moscou e datchas do governo na Ilha Kamenni, em Leningrado.

Encomendas de projetos variados chegavam do Kremlin e das autoridades regionais. Por exemplo, foram recebidas instruções do Comitê Central do Partido Comunista da Abecásia para projetar interiores para o barco a vapor Sevastopol, bem como para veleiros e barcos torpedeiros de classe G-5 para o NKVD – e as tarefas foram concluídas com sucesso.

Em situações paradoxais, um novo caça para a Força Aérea Soviética poderia ser desenvolvido simultaneamente por várias agências de projeto, das quais uma consistia em “inimigos do povo” que viviam e trabalhavam atrás das grades. Era comum que essas equipes de detentos obtivessem mais sucesso do que seus colegas externos.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, charachkas para especialistas alemães começaram a aparecer na zona de ocupação soviética na Alemanha, bem como dentro da URSS (na maior parte, especializados na construção de motores e no desenvolvimento de mísseis balísticos e armas nucleares) . Alguns haviam sido recrutados entre prisioneiros de guerra, enquanto outros chegavam para trabalhar voluntariamente para o ex-inimigo. Ali encontravam boas condições de vida (para os padrões soviéticos) e bons salários. Ainda assim, a liberdade era severamente restrita: os cientistas tinham que gastar os seus direitos de férias exclusivamente nos assentamentos em que viviam, e o NKVD se certificava de que a regra fosse seguida.

Um projeto bem-sucedido desenvolvido na prisão muitas vezes levava ao perdão e a liberdade do cientista e de seus colegas. Especialistas libertados tinham suas condenações eliminadas (houve exceções – por exemplo, Vladímir Petliákov, que foi libertado em 1940 e morreu tragicamente dois anos depois, só foi absolvido postumamente em 1953). Seus direitos eram restaurados, e eles conseguiam os empregos de volt . Além disso, por conta de suas realizações, os ex-condenados recebiam às vezes um dos maiores prêmios soviéticos – o Prêmio Stálin, transformando-se essencialmente de “inimigos do povo” em heróis nacionais.

A história dos charachkas terminou com a morte de Stálin. Depois de 1953, todas as instituições desse tipo foram fechadas. Muitos deles foram convertidos em institutos comuns de pesquisa científica que existem ainda hoje.

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