Os 3 desertores mais famosos da história soviética

O prédio do Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo, órgão que substituiu a KGB), na Praça Lubianka, em Moscou.

O prédio do Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo, órgão que substituiu a KGB), na Praça Lubianka, em Moscou.

Nikolai Malyshev/TASS
Ocupando posições tão altas como a chefia da NKVD no Extremo Oriente e o subsecretariado da ONU, estes homens colocaram tudo a perder – inclusive as próprias cabeças – ao vazar informações secretas da URSS.

Em junho de 2017, mais um escândalo de espionagem arrebentou nos EUA quando o FBI prendeu Reality Leigh Winner, de 25 anos, uma funcionária federal na Geórgia. Ela é acusada de retirar informações confidenciais de uma instalação do governo e enviá-las para o site de notícias “The Intercept”.

As informações eram relativas à provável conexão entre a inteligência russa e os ataques de hackers que ocorreram imediatamente antes das eleições presidenciais norte-americanas de 2016 e, ao que parece, incentivaram a produção de matéria a respeito do assunto no “The Intercept”.

Julian Assange manifestou apoio a Winner. "Ela é acusada de coragem ao tentar nos ajudar a saber o que está acontecendo", tuitou o fundador do WikiLeaks então.

Hoje, vazamentos de informações na internet atraem muita atenção do público. Na Rússia soviética, porém, tais vazamentos não atraíam atenção nenhum, já que ninguém sabia sobre eles, exceto as chefias.

Mesmo assim, eles ocorriam. É claro que não havia internet então, e quem divulgava dados secretos eram, geralmente, funcionários que haviam decidido mudar de aliança política. O Russia Beyond compilou as histórias dos três mais famosos deles:

Guênrikh Liuchkóv, o tchequista que fugiu para Tóquio

Guênrikh Liuchkóv (esq.), Khabarovsk, 1937. / Fundo da Biblioteca Estatal Científica O Extremo Leste

Até 1938, Guênrikh Liuchkov (1900-1945, também grafado Genrikh Lyushkov) não tinha motivos para reclamar de sua vida e carreira na União Soviética. Oficial de sucesso do NKVD - a agência da polícia secreta que posteriormente deu origem à KGB -, ele chefiava o ramo local do órgão no Extremo Oriente soviético.

Liuchkóv participou ativamente do Grande Expurgo de Stálin. Segundo escreveu o historiador Iôssif Telman, foi sob o sua chefia que a repressão no Extremo Oriente atingiu o ápice.

Os tempos mudaram quando Liuchkóv passou a ser ameaçado. Ele foi convocado a comparecer em Moscou em maio de 1938 pelas autoridades. Com o enfraquecimento da posição de seu protetor, o chefe do NKVD Nikolái Ejóv (por vezes, também grafado Nikolai Yezhov), Liuchkóv compreendeu que em Moscou seria certamente preso e morto.

Assim, decidiu fugir para o Japão, o país que estava prestes a guerrear com sua terra natal.

Em junho de 1938, ele cruzou a fronteira da Manchúria, que era controlada pelos japoneses, e rumou a Tóquio, onde manifestou vontade de cooperar com o serviço de inteligência japonês.

"Estou pronto a dedicar o resto de minha vida a lutar contra o stalinismo", afirmou. Mas, ao que parece, os japoneses não se sentiram convencidos por sua afirmação, segundo Telman. Mesmo assim, ele se tornou uma fonte inestimável de informações para eles.

Liuchkóv expôs todas as informações que tinha sobre o exército e a inteligência soviética no Extremo Oriente. Foi assim que os japoneses souberam que o contingente do exército soviético na fronteira era muito maior do que eles pensavam anteriormente e, por esta razão, decidiram não atacar a URSS.

Além disso, com a ajuda de Liuchkóv, os japoneses armaram dois planos para assassinar Stálin, na Operação Urso. Ambas as tentativas falharam, mas os japoneses levaram em conta o entusiasmo de Liuchkóv, considerando-o um homem inteligente e trabalhador.

O tchequista fugitivo continuou a servir o Japão até o final da Segunda Guerra Mundial, trabalhando como especialista em Leste Asiático e URSS. Em 1945, quando a Alemanha se rendeu e a URSS declarou guerra ao Japão, Liuchkóv foi enviado para o Exército de Kwantung.

Ele desapareceu em agosto de 1945, visto pela última vez em Dairen (hoje Dalian, na China). Não se sabe qual foi seu destino, mas a maioria dos historiadores russos acredita que os japoneses o mataram depois de perceberem que a derrota era inevitável. Afinal, Liuchkóv sabia demais.

Arkádi Chevtchenko, diplomata, espião e emigrado

Arkádi Chevtchenko, o diplomata soviético que buscou asilo nos EUA, faz juramento para receber cidadania norte-americana em Washington em 28 de fevereiro de 1986.

Em 1975, o subsecretário-geral da ONU Arkádi Chevtchenko (1930-1998, por vezes também grafado Arkady Shevchenko na transliteração inglesa), um cidadão soviético, pediu a Daniel Patrick Moynihan, embaixador dos Estados Unidos na ONU, um asilo político nos EUA.

Bastante surpreso, Moynihan transmitiu o pedido à CIA. Os agentes convenceram Chevtchenko de que, antes de desertar a pátria em troca da América, ele ajudaria o governo norte-americano. Assim, Chevtchenko tornou-se o espião norte-americano de mais alta posição na União Soviética.

Antes de mudar de lado, Chevtchenko era um diplomata talentoso e próspero. Ele mantinha estreitas relações com Andrêi Gromiko, o ministro soviético dos Negócios Estrangeiros entre 1957 e 1985.

De acordo com a autobiografia do alto funcionário da KGB Igor Peretrukhin, Gromiko não guardava segredos de Chevtchenko, discutindo em detalhes com ele não só a política externa soviética, mas também segredos íntimos do Politburo (o governo soviético), como as futuras nomeações e o estado de saúde de seus membros.

De 1975 a 1978, Chevtchenko passava todas essas informações para a CIA.

A KGB levantava cada vez mais suspeitas sobre ele, por isto Chevtchenko exigiu que os norte-americanos lhe dessem refúgio, o que eles fizeram em março de 1978.

No exílio, ele escreveu um livro de memórias intitulado “Rompendo com Moscou” (que saiu no Brasil pela Editora Record), no qual tenta explicar seus motivos. Segundo o texto, em meados da década de 1970, Chevtchenko ficou totalmente desapontado com a hipocrisia do sistema socialista e, sem poder de mudar o Estado de dentro, decidiu combatê-lo revelando dados secretos ao Ocidente.

Por outro lado, alguns oficiais soviéticos que o conheciam alegaram que Chevtchenko não se importava com nada além de seu conforto pessoal e foi seduzido pela ideia de ter uma vida mais luxuosa e mais livre no Ocidente.

Ele passou o resto da vida nos EUA e morreu em 1998 de cirrose.

Oleg Gordievsky, o homem de Londres em Moscou

Oleg Gordievsky posa para foto após receber Ordem de Saint Michael e Saint George da rainha Elizabeth no palácio de Buckingham, em outubro de 2007.

Em entrevista à Rádio Svobôda, Oleg Gordievsky, ex-coronel da KGB nascido em 1938 e agente secreto britânico de longa data, recordou que a invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética foi o que quebrou o feitiço de seu apreço pelos valores soviéticos e pelo trabalho.

Gordievsky entrou em contato com o MI6 pela primeira vez em 1968 e passou a trabalhar para o Ocidente. Sua colaboração tornou-se ainda mais valiosa em 1982, quando foi nomeado “residente designado em Londres” pela KGB, chefiando o funcionamento do serviço secreto soviético na Grã-Bretanha.

O ex-chefe da KGB Vladímir Semitchástni qualificou as ações de Gordievsky como as mais prejudiciais possíveis à segurança do Estado no final da era soviética.

Por outro lado, antigos agentes do MI6 afirmam que as informações reveladas por Gordievsky ajudaram a melhorar a compreensão de Margaret Thatcher e Ronald Reagan sobre a política soviética e, assim, por um fim à Guerra Fria.

“Era importante para mim proteger a civilização no Ocidente. Era nisto que eu pensava”, afirmou, mais tarde, o agente duplo.

Em 1985, as autoridades soviéticas descobriram que Gordievsky espionava a URSS pelo Ocidente. Ele recebeu uma solicitação para que voltasse a Moscou, onde a KGB o interrogou.

Apesar de ter estado sob o efeito de drogas, Gordievsky não se entregou, e a KGB permitiu que ele vivesse na capital russa. Com a ajuda dos agentes do MI6, porém, ele fugiu para a Finlândia.

Os agentes o levaram em um porta-malas para atravessar a fronteira. Da Finlândia, ele partiu para a Inglaterra, onde vive hoje. Em entrevistas, ele diz não se arrepender e não se incomodar de a Rússia ainda não ter retirado sua sentença de morte, que o governo soviético declarou em 1985.

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