Vendedor na Niévski Prospekt, em Leningrado (atual São Petersburgo), em 1990.
Yuri Belinsky/TASSO período que abrangeu meados dos anos 1980 na Rússia foi turbulento na política. Em outubro de 1993, confrontos armados irromperam em Moscou após um conflito entre o presidente Borís Iéltsin e o Parlamento russo ficou fora de controle.
Dois meses depois, o Partido Liberal Democrático da Rússia, liderado pelo populista (ainda em atividade nos dias atuais) Vladímir Jirinóvski venceu as eleições parlamentares. Tudo parecia possível então.
O estrategista político Konstantin Kalatchev, então futuro líder do Partido dos Amantes da Cerveja (Partia Liubitelei Piva), não estava nada satisfeito em 1993. Ele havia concorrido para o Parlamento, mas perdeu. “Decidi afogar minhas mágoas na cerveja”, conta ele ao portal Lenta.ru.
Nasce uma lenda
O secretário-geral do Partido dos Amantes de Cerveja, Kalatchev, em 1995 em Iaroslávl.
Sergei Metelitsa/TASSEm uma fila para conseguir cerveja, Kalatchev encontrou Dmítri Chestakov, amigo que também havia fracassado nas eleições para o Parlamento. Os dois estavam bebendo cerveja no apartamento de Kalatchev e falando de política. “Chegamos à conclusão de que não havia um partido político decente na Rússia, e Dmítri disse que só votaria em um partido dos amantes da cerveja”, conta Kalatchev.
Talvez a dupla tenha bebido um pouco demais, mas Kalatchev, ainda dando seus tragos, escreveu a todas as agências de notícias que o Partido dos Amantes de Cerveja havia sido criado na Rússia (sim, ainda era fácil fazê-lo na década de 1990).
No dia seguinte, ele estava em todos os noticiários, convocando coletivas de imprensa e confirmando o feito. “Dane-se toda a política séria, eu quero meus 15 minutos de fama!”, disse.
A cerveja contra vodca
Apesar de nome engraçado e conexão com a bebida, partido tinha agenda política séria e estava aberto a abstêmios.
Sergei Metelitsa/TASSOficialmente criado em dezembro de 1993, o Partido dos Amantes de Cerveja, apesar de seu nome engraçado e conexão com a bebida, tinha uma agenda política séria – ou, pelo menos, afirmava ter -, e abriu suas portas não apenas àqueles que amavam álcool.
“O partido defende os direitos humanos, entre eles o direito de beber cerveja e o direito de não beber cerveja”, instituía o programa. Quanto à política, o Partido dos Amantes de Cerveja era bastante liberal, apoiando qualquer tipo de liberdade política e “recusando qualquer forma de autoritarismo”.
Fazia sentido também em um momento imediatamente posterior ao grande controle de bebida alcoólica e de campanhas contra o alcoolismo perpetrado por Mikhail Gorbatchov.
“Estávamos nos opondo ao governo, já que o governo era controlado por amantes da vodca, ou seja, Iéltsin. Dizíamos: a vodca causa agressividade e leva a guerras, enquanto a cerveja é símbolo do entendimento mútuo, da paz e do bem”, afirma Kalatchev.
A ideia não era nova: como escreveu Iliá Ehrenburg em suas memórias, até Lev Tolstói acreditava que a cerveja deveria substituir a vodca na classe trabalhadora. Apesar disto, nem ele, nem Kalatchev tiveram êxito em promover tal substituição.
Campanha maluca
De acordo com dados oficiais, havia pelo menos 50.000 membros no partido pela Rússia.
Viktor Akhlomov/МАММ/МDFO Partido dos Amantes da Cerveja levantou 300 mil dólares e atraiu muita gente para a campanha das eleições parlamentares de 1995, inclusive o cantor Borís Moiseev, o campeão de xadrez Vassíli Smislov e o físico Borís Rauschenbach.
De acordo com dados oficiais, havia pelo menos 50.000 membros no partido pela Rússia.
Kalatchev orgulha-se em dizer que eles gozavam de diversas opções dentro do próprio partido: a facção dos abstêmios, dos “amantes do vobla” (um tipo de peixe seco que acompanha bebidas) etc. Eles tinham até mesmo a “facção das mulheres insatisfeitas”. Insatisfeitas com o governos, oficialmente.
Portanto, não foi surpresa que a campanha teve muito a ver com cerveja. Os “Amantes de Cerveja” mandaram uma caixa de cerveja a Iéltsin e tentaram convencer Mikhaíl Gorbatchov de que a bebida era o melhor meio de reunir os países pós-soviéticos.
Seus estranhos vídeos de campanha tiravam sarro dos amantes da vodca e advogavam pela paz... por meio da cerveja, é claro!
Derrota amarga
Bordão do partido era que cerveja acalmava e trazia paz, diferente da vodca - que, para os criadores, simbolizava o governo Iéltsin e significava agressividade e guerra.
Vladimir Velengurin/TASSApesar dos esforços, Kalatchev e seu partido não alcançaram um grande êxito. Nas eleições parlamentares de 1995, eles conseguiram apenas cerca de 430 mil votos – um número modesto para o país, representando apenas 0,62% do total de eleitores.
Assim, o Partido dos Amantes de Cerveja não chegou ao Parlamento. “Os elegantes piadistas do Partido dos Amantes de Cerveja tentaram participar do leilão político em vão”, escreveu o jornal russo Kommersant.
“Nossa campanha não obteve muito sucesso em termos de mensagem”, admite Kalatchev. Entre os erros que mais nos prejudicaram, estava a desorganização, segundo ele.
“Nossos fundos foram parcialmente distribuídos às regiões e nossos colegas simplesmente os gastaram e beberam”, diz.
O partido em si não durou muito também. Em 1998, Kalatchev anunciou seu fechamento. Ele retornou à política séria (e sem ligações com o álcool), trabalhando com o Partido Rússia Unida, que tem ligações estreitas com Vladímir Putin.
Apesar disto, ele parece um pouco nostálgico: “Não estou certo de que a política era mais sincera nos anos 1990, mas ela era, definitivamente, mais interessante”.
Quer saber mais por que a Rússia era tão perigosa nos anos 1990? Então leia aqui!
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