Era um dia quente e ensolarado quando o desfile do 35º presidente dos EUA transcorreu pela rua Elm, em Dallas, no Texas. O carro era conversível para dar às pessoas um vislumbre do líder. Depois de trocar algumas palavras com a esposa, Jacqueline, Kennedy virou-se para a multidão e acenou algumas vezes. Instantes depois, dois dos três tiros disparados do sexto andar do Texas School Book Depository atingiram o presidente norte-americano, que morreu meia hora depois no hospital.
A notícia do assassinato de Kennedy provocou ondas de choque em todo o mundo, incluindo a URSS. O então secretário-geral do Partido, Nikita Khruschov, foi acordado por um assessor: “Kennedy foi morto!”. Segundo relatos, a primeira coisa que ele perguntou foi: “Temos algo a ver com isso?”.
Temores soviéticos
A pergunta intrigante do líder soviético tinha certa lógica. Como logo se soube, o acusado Lee Harvey Oswald tinha conexões com a URSS. (leia mais aqui)
Lee Harvey viveu na União Soviética por dois anos; entrou com o pedido, embora sem sucesso, para obter cidadania soviética; casou-se com uma russa; ficou desiludido com o sistema socialista, e, em 1962, um ano antes do assassinato, voltou para sua terra natal. Quando a notícia foi divulgada, a KGB realizou uma série de reuniões de emergência. De acordo com relatórios tornados públicos apenas em 2017, o chefe da residência da KGB em Nova York, coronel Borís Ivanov, disse a sua equipe que o assassinato de Kennedy era um “problema”.
E esperava-se ainda mais problemas. No governo Kennedy, as relações entre as superpotências haviam entrado em um degelo parcial. Em maio de 1963, cinco meses antes do assassinato, o americano havia dito: “Em última análise, nosso elo comum mais básico é que todos habitamos neste pequeno planeta. Todos nós respiramos o mesmo ar. Todos nós apreciamos o futuro de nossos filhos. E somos todos mortais”.
Kennedy até havia expressado o desejo de trabalhar com a URSS para levar um homem à Lua. John Logsdon, ex-membro do Conselho Consultivo da Nasa, disse que o presidente dos EUA fez tal sugestão a Khruschov, mas este recusou a proposta.
Com o assassinato do presidente dos EUA, a liderança soviética temia que forças antissoviéticas radicais pudessem tirar proveito da situação. Documentos de arquivo indicam que o Kremlin ficou em estado de choque e turbulência: “A liderança soviética estava preocupada com o fato de que, na ausência de um líder [dos EUA], algum general irresponsável pudesse lançar um ataque com mísseis contra a URSS”.
Deixe os sinos da igreja tocarem
A notícia se alastrou como fogo; pela manhã, todos na União Soviética sabiam do assassinato de Kennedy. O presidente – jovem, bonito, rico e pró-paz – e sua esposa glamorosa eram admirados pelo povo soviético. O assassinato gerou comoção entre os cidadãos soviéticos. “Os sinos da igreja foram tocados em memória do presidente Kennedy”, lembra uma fonte de inteligência dos EUA que então vivia na Rússia.
Em 23 de novembro de 1963, o jornal “Nedelya” estampou um retrato de Kennedy que tomava toda a primeira página. Embora fotos desse tamanho fossem geralmente reservadas apenas para membros do Presidium do Soviete Supremo, a decisão foi aprovada pelo próprio órgão.
No livro “Nikita Khruschov: Reformador”, o filho do líder soviético, Serguêi Khruschov, afirma que o pai caiu de joelhos e chorou pelo assassinato. Em vida, JFK tinha sido uma esperança para a URSS; morto, ele era um grande problema.
Oswald, o maníaco-neurótico-desleal
De acordo com documentos desclassificados, baseados em relatórios de agentes americanos na URSS, o Kremlin acreditava que o assassinato era o resultado de uma conspiração de indivíduos da extrema-direita insatisfeitos com o governo Kennedy e liderados pelo então vice-presidente Lyndon Johnson, que assumiu o poder após o assassinato. Esta teoria coincidiu com a investigação de 1966 de Erling Harrison, o promotor público de Nova Orleans. No entanto, a opinião de que o assassinato estava de alguma forma ligada à URSS (assim como a Cuba) foi muito difundida nos EUA e espalhada pela imprensa. O Kremlin decidiu que era preciso se defender.
“Somente um maníaco poderia pensar que ‘forças de esquerda’ representadas pelo Partido Comunista dos EUA poderiam ter matado o presidente Kennedy”, lê-se em um relatório do Departamento de Justiça dos EUA.
Quanto a Lee Harvey Oswald, a classe política soviética começou a chamá-lo de “maníaco neurótico desleal a seu país e a todos os outros”. A KGB apreendeu todas as fotos dele de antigos amigos em Minsk, além de cartas, lembra o professor Ernst Titovets, que conheceu Oswald quando estudava medicina, na década de 1960.
Em um comunicado conjunto à imprensa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS e a KGB declararam que Oswald nunca havia estado em contato com autoridades soviéticas e que os assassinos deveriam ser procurados nos EUA. Uma nota confidencial para o Politburo destacava a disposição do Kremlin em fornecer informações sobre Oswald caso os EUA o solicitassem. Mas, depois de conversas com o embaixador dos EUA na URSS, Llewellyn Thompson, jamais foi publicada. “Está claro, em tudo, que o governo dos EUA não deseja nos envolver nesse assunto ou se envolver em uma luta com a extrema-direita; prefere claramente enterrar o assunto o mais rápido possível... Acredito que esse ponto deva ser levado em conta em outras reportagens de nossa imprensa”, escreveu Anastas Mikoyan, presidente do Presidium do Supremo Soviético, em uma carta secreta.
Desinformação e fake news acabaram entrando em jogo. Na década de 1960, a inteligência soviética espalhou boatos sobre as ligações da CIA no assassinato de Kennedy e pagou o advogado norte-americano Mark Lane, autor de best-sellers controversos sobre o assassinato de Kennedy, para iniciar conversas sobre o suposto envolvimento da CIA e outras teorias da conspiração – conforme descrito em detalhes em documentos mantidos no Centro de Arquivos de Churchill, no Reino Unido.
O ataque prévio contribua para desacreditar as suspeitas sobre os soviéticos. De qualquer modo, as investigações subsequentes não encontraram evidências de envolvimento da URSS. Em 1999, em Colônia, na Alemanha, o presidente russo Boris Iéltsin entregou a seu homólogo dos EUA, Bill Clinton, 80 páginas do arquivo secreto soviético relacionado a Oswald e a reação da URSS ao assassinato. “Quero agradecer por esse presente inesperado e importante”, afirmou Clinton então.
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