Durante séculos, a Europa Oriental foi palco de luta entre dois povos eslavos: russos e poloneses. Na maioria das vezes, a Rússia conseguiu vencer, enquanto a Polônia chegou até mesmo a desaparecer, diversas vezes, do mapa geopolítico da Europa.
No entanto, os poloneses também tiveram chances de derrotar o poderoso vizinho do leste. No início do século 17, quando a Rússia entrou em um período de conflitos e instabilidade política conhecido como Tempo de Dificuldades, as forças da República das Duas Nações ocuparam o Kremlin e o príncipe polonês foi eleito tsar russo.
Quando a coisa ficou russa: Tempo de Dificuldades
Quando a coisa ficou russa: Tempo de Dificuldades
No final do século 16, iniciou-se na Rússia um período entre reinados após a morte do último da monarca da Dinastia de Riúrik (também grafado em português como Rurik), tsar Teodoro, em 1598, e antes do estabelecimento da Dinastia Romanov, em 1613.
Ivan, o Terrível, teve dois filhos chamados, ambos, Dmítri – o mais velho e o mais novo (em português, também grafado como Demétrio). Seu filho mais velho foi morto sob estranhas circunstâncias em 1591 – há hipóteses de que ele brincava com facas com outras crianças e, acidentalmente, enfiou uma delas na garganta durante uma crise epilética, mas há também a lenda de que ele foi morto por ordem de Godunov.
Com a morte também do mais novo, em 1598, o país mergulhou no caos político com luta constante pelo poder dos aristocratas boiardos.
O principal rival da Rússia no Ocidente, a República das Duas Nações, conhecida também como Primeira República da Polônia, observou atentamente os acontecimentos no país vizinho, esperando o melhor momento para intervir.
Primeira tentativa
Em 1604, o exército polaco-lituano invadiu o território russo, liderado pelo chamado “Falso Dmítri” (ou Falso Demétrio) – na realidade, o monge Grigóri Otriêpev, que se fazia passar por Dmítri, filho mais novo de Ivan, o Terrível, e que, segundo ele, teria escapado de uma tentativa de assassinato em 1591.
Os poloneses esperavam estabelecer sua influência sobre o território russo por meio do falso tsar, leal ao rei polonês. Mas, após ocupar o trono russo, o impostor não cumpriu nenhuma das promessa que fez à República das Duas Nações.
Ele se recusou a ceder parte dos territórios ocidentais, proibiu a construção de igrejas católicas e abertura do caminho para o país aos jesuítas.
No entanto, a nobreza local russa também não gostava do Falso Dmítri e queria ter mais poder nas mãos. Em 27 de maio de 1606, o impostor foi assassinado.
Segunda tentativa
Em 1609, o rei da Polônia, Sigismund 3°, que sabia que a nobreza moscovita estava insatisfeita com novo tsar Vassíli (Basílio), decidiu promover para o trono russo seu filho, o príncipe Vladislav.
Para fortalecer sua posição, o tsar Vassíli buscou ajuda militar dos suecos, inimigos dos poloneses, violando, assim, os acordos entre Polônia e Rússia. O exército real polonês invadiu imediatamente o território russo.
Em 4 de julho de 1610, na Batalha de Klúchino, o exército polaco-lituano derrotou as forças russo-suecas e Vassíli foi derrubado. Dois meses mais tarde, os russos juraram lealdade ao novo “Tsar e Grão-Duque Vladisláv ".
"Só Deus sabe o que está no coração dos cidadãos. Mas, pelo visto, os moscovitas apoiam o rei sinceramente”, escreveu o hetman (segundo mais alto comandante militar polaco-lituano) Zolkevski ao rei Sigismund 3°.
Um reino sem rei
A chegada de Vladislav não significou a adesão imediata da Rússia à República das Duas Nações. Pelo contrário, segundo o acordo polaco-russo, nem a fé católica, nem a nobreza polaca tinham direito de se estabelecer em solo russo, interferindo no sistema de costumes e direitos locais.
Os dois países entraram em uma "paz eterna", prometeram lutar juntos contra os inimigos, além de permitirem o livre comércio.
No entanto, o rei Sigismund não permitiu que seu filho ,de quatorze anos de idade, fosse sozinho a Moscou.
Ele começou a assinar pessoalmente todos os decretos e ordens, tomando o poder em suas próprias mãos - o que, obviamente, causou descontentamento entre os boiardos.
Além disso, o exército da República das Duas Nações violou o acordo, entrou em Moscou e ocupou o Kremlin.
Ocupantes
Os soldados polaco-lituanos irritavam a população local. Um militar bêbado atirou no ícone da Virgem, no portão do mosteiro, localizado no centro da cidade.
O comandante do Kremlin, Aleksandr Gonsévski, ordenou que as duas mãos do soldados fossem cortadas e pregadas sob a imagem da Virgem, e que o soldado fosse queimado ao vivo na praça.
Em 1 de abril de 1611, o confronto entre moscovitas e poloneses se transformou em um verdadeiro massacre.
O mercenário alemão Konrad Bussov, que servia na guarnição de Moscou, escreveu sobre pilhagem dos poloneses: “Roubaram veludo, seda, brocado, ouro, prata, pedras preciosas e pérolas. Das igrejas, levaram vestidos e colares de santos, ricamente decorados com pedras preciosas e pérolas”.
Liberação
Em Moscou surgiram os movimentos de libertação, conhecidos como Primeira e Segunda Milícia Popular.
Na primavera de 1611, a maior parte de Moscou foi libertada dos poloneses, enquanto a guarnição polaco-lituana foi isolada no Kremlin, junto a outros membros do governo russo e o futuro primeiro tsar da dinastia dos Romanov, Mikhaíl 1° (Miguel da Rússia).
Segundo o comerciante Bojok Balik relatava então, “quem ficou no cerco comeu todos os cavalos, cães, gatos, ratos, cintos e até cadáveres podres (...) e quem restou vivo começou a matar outros humanos e comê-los”.
Última tentativa
Após a eleição de Mikhaíl Romanov para o trono real, em 21 de julho de 1613, a Rússia acabou com dois tsares legitimamente eleitos.
No final de 1616, Vladisláv fez a última tentativa de recuperar o trono russo, derrubando o "usurpador Romanov". O exército polaco-lituano conseguiu novamente se aproximar dos muros do Kremlin, mas entrar na fortaleza. O povo russo via Vladisláv já não como tsar, mas como invasor estrangeiro.
Oficialmente, Vladisláv, que já era rei da República das Duas Nações, deixou de reivindicar o trono russo apenas em 1634.
Os poloneses não conseguiram tomar o poder do vizinho, que, por sua vez, não perderia a oportunidade de pôr fim à soberania polonesa vários séculos depois.
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