Fisiculturistas soviéticos eram fora da lei e fãs de 'índio'; veja fotos

História
EKATERINA SINELCHIKOVA
Eles malhavam escondidos em porões, fugiam da polícia e caçavam proteínas em comida para bebês e ração para porcos... Este era o fado de quem queriam ser fisiculturista na União Soviética.

Não dá nem para imaginar, mas nenhum outro tipo de atleta sofria tanto na União Soviética como os bodybuilders (exceto, talvez, os praticantes de karatê). Os fisiculturistas tinham que treinar nos porões dos prédios, levantar pedaços de ferro, como, por exemplo, trilhos, ao invés de pesoas, e fazer halteres ilegais nas fábricas – pagando, para tanto, com garrafas de vodca.

Sim, ser musculoso em um país onde tudo era construído com base na ideologia comunista não era fácil. Principalmente porque o cruzamento de fisiculturismo e comunismo era bem ruim.

Tudo começou nos anos 1960, quando os cinemas da União Soviética exibiam a coprodução hispano-italiana “Hércules”, de 1958, onde Steve Reeves fazia o papel principal. Os músculos dele não impressionariam o mundo do fisiculturismo contemporâneo, mas para os “leigos” na URSS foi o suficiente. Hércules foi visto por 36 milhões de pessoas e, como se pode imaginar, muitos queriam ser com Reeves.

Além de Hércules, o ator e ginasta iugoslavo Gojko Mitic também virou ícone dos bodybuilders soviéticos depois de interpretar um índio nos faroestes produzidos pela República Democrática Alemã.  Todo mundo queria ser como Gojko no final dos anos 1970 e início dos 1980 - e nem mesmo uma proibição do governo conseguiu frear isto.

O fisiculturismo foi proibido na URSS por razões ideológicas. "Musculação? Exercitar os músculos e posar na frente do espelho? E para que o soviético precisa disto, deleitar-se com a própria imagem?" – isto foi dito na primavera de 1973 durante uma sessão do Comitê Estatal de Esportes [o Ministério dos Esporte da URSS então]. O crescimento livre dos músculos, sem preocupação ideológica somente em busca de uma imagem de efeito era considerado algo antissoviético. Os fisiculturistas acabaram oficialmente proibidos.

Os únicos homens que podiam ser fortões sem infringir a lei eram os artistas circenses. Um deles era o trapezista Aleksandr Chirai, que desde os anos 1950 inspirou escultores e pintores na produção de obras que retratavam trabalhadores, mineiros e atletas.

Todo o resto tinha que se esconder. "Então, era nos porões dos prédios, que nós mesmos limpávamos e transformávamos em academias de musculação", lembra o fisiculturista Aleksandr Sidorkin.

Claro que não se podia simplesmente chegar e dominar um porão. Os prédios estavam sempre sob a supervisão de alguma organização habitacional. Mas essas fechavam os olhos para a existência de fisiculturistas, diferentemente da polícia e dos membros do Komsomol, que de tempos em tempos organizavam revistas.

Pesos e halteres eram caros, porque eles não estavam à venda. Era preciso, assim, encontrá-los em algum lugar. Outro problema era a nutrição. "A gente ia à [loja de produtos para crianças em Moscou] ‘Detski mir’, à seção de alimentos infantis, para comprar o “Malich” ou “Maliutka”. O “Malich” era cheio de gordura para quem queria ganhar peso, e o “Maliutka” tinha proteína, para quem queria secar um pouco", lembra Sidorkin.

Havia também próximo um “sovkhoz”, as fazendas estatais soviéticas, onde se alimentavam os porcos com proteína de soja. "A gente pegava sacos de 25 quilos de proteína de soja e dissolvia. Claro que o gosto era ruim e não se misturava. Mas a gente bebia e tudo bem, ficava forte e nada demais."

Secagem, nutrição, técnica... isto tudo ficou conhecido dos fisiculturistas por meio de um prisioneiro reabilitado, companheiro de cela de Aleksandr Soljenítsin no Gulag, Gueórgui Tenno. Em 1968, saiu seu livro “Atletismo”, que por muitos anos foi a "Bíblia dos bodybuilders soviéticos”. Tenno sabia bem inglês e leu sobre o assunto em livros estrangeiros.

O fisiculturismo deixou de ser proibido na Perestroika, a partir de 1987. Então, a URSS começou a realizar campeonatos oficiais de bodybuilding, e os próprios fisiculturistas ganharam novos ídolos: Arnold Schwarzenegger, Bruce Lee e Sylvester Stallone.

Mas, junto com a liberdade para levantar ferra, vieram do Ocidente os esteroides, fármacos e injeções mortais de Synthol. Todos estes métodos até hoje estão na ativa e são populares: graças a este tipo de coisa, este moço aqui quase os dois braços amputados para sobreviver.