Quem são os biohackers russos que querem viver para sempre?

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Enquanto cientistas de todo o mundo fazem um lento progresso na solução do problema do envelhecimento, os biohackers estão fazendo tudo com as próprias mãos. Em experimentos em vermes, moscas e ratos, eles prolongaram as vidas dos bichos. Agora, porém, os humanos é que são cobaias.

"Gosto de comparar a medicina clássica a uma oficina de carros. A primeira pergunta que os médicos fazem é: o que está te incomodando? Já nós podemos, neste cenário, ser considerados uma oficina de carros tunados", diz Denís Varvanets, de 28 anos. Um jovem de cabelos escuros vestindo uma camiseta estampada. “Nosso propósito é tornar as pessoas saudáveis ainda melhores”.

Denís fala como uma espécie de porta-voz dos biohackers. Em toda a Rússia, há apenas 20 pessoas que se descrevem como tal. Antes, elas chamavam a si próprias de "transumanistas" - pessoas decididas a passar a perna no processo de envelhecimento.

A terminologia evoluiu gradualmente, e os transumanistas russos chegaram ao termo "biohacker" – com ajuda, diga-se de passagem, de seus colegas norte-americanos. O nome, porém, pode ser a única coisa que eles têm em comum.

você precisa da receita de um médico. Mas, na Rússia, não. Aqui quase qualquer substância pode ser comprada na farmácia. É por isso que aqui tudo é possível", explica Denís.

Há dois anos, Denís era um pouco sedentário: não praticava esportes, no máximo corria de vez em quando, e tinha problemas de saúde.

Atualmente, porém, ele é cofundador de um laboratório de biohacking na academia Atmosfera Private Fitness, em Moscou, que ocupa os dois andares superiores da Empire Tower, e é frequentada por mais de uma dúzia de clientes da lista da Forbes.

O empreendimento é baseado em inúmeras pesquisas e é ultramoderno: uma combinação de esportes e "terapia". Quando Denís começou a dar um "upgrade" na forma, após apenas seis meses seus indicadores corporais já se equiparavam aos de atletas.

Apesar dos êxitos pessoais de Denís, todas as informações sobre biohackers na imprensa são quase sempre extremamente negativas, e estes profissionais são considerados "aberrações sem educação médica semeando o caos na ciência e se matando com seus próprios experimentos”, de acordo com a mídia.

Mesmo assim, estas pessoas acreditam que viverão para além deste século.

A pílula mágica

“Na Rússia, quase qualquer substância pode ser comprada na farmácia. É por isso que aqui tudo é possível”, explica o biohacker Denís.

Um prédio cinzento de cinco andares no leste de Moscou, dois postos de segurança do lado de fora. Dentro há o escritório de uma empresa internacional de terceirização.

Estamos no escritório do diretor financeiro. Ele tem 35 anos, seu nome é Stanislav Skakun e ele é um biohacker. As paredes de seu escritório estão cheias de diplomas e certificados de todos os tipos. Nenhum deles aponta para uma especialização em biohacking ou coisa que o valha, mas sim em finanças corporativas.

A única coisa que aponta para a presença de qualquer biohacking ali é um pote com taurina e alguns outros medicamentos próximos à impressora no canto. O resto é bem batido: uma poltrona de couro, um monitor grande, uma mesa transparente. Nada supérfluo.

Pelos últimos três anos e meio, este vem realizando talvez o maior experimento do mundo em autodigitalização – devido ao qual ele já chegou a ser comparado ao astro norte-americano do biohacking Chris Dancy.

Mas, se Dancy é um cyborg, Skakun é totalmente o oposto. Todos os dias ele toma 35 medicamentos e passa quatro horas lendo artigos científicos. Ele tem uma enorme planilha no Excel onde registra cerca de 760 indicadores corporais e quase 8.000 biomarcadores (hemoglobina, colesterol, enfim, tudo de que consistimos).

Ele leu e tomou anotações sobre 15.000 artigos científicos. O que ele faz é chamado de "quantified self" (o “autoconhecimento por meio de números”), termo cunhado em 2007 pelos editores da revista norte-americana Wired.

O corpo é uma máquina bioquímica e, ingerindo diferentes substâncias, pode-se obter nele diversos efeitos espetaculares. Desde o início do projeto, Stanislav realizou cerca de 120 experimentos em si mesmo com diversos medicamentos e dosagens.

Stanislav Skakun

"Tomei, por exemplo, metformina. É um medicamento para pessoas com diabetes tipo 2", diz Stanislav abrindo sua planilha de dados com uma lista de indicadores bioquímicos (conhecidos como "painel" no jargão dos biohackers), de lipídios a proteínas e enzimas para rastrear elementos.

A quantidade de números é vertiginosa. Alguns estão em cinza (a norma), outros, em amarelo (risco) e outros ainda, em vermelho (alguma coisa deu errado).

O que acontece é que Stanislav não tem diabetes. Muita gente na comunidade global dos biohackers acredita que a metformina prolonga a vida. É por isso que eles a tomam.

"Os diabéticos que tomaram metformina vivem em média sete anos a mais do que pessoas saudáveis ​​que não tomam. Isto levou  a acreditar que a metformina é a primeira cura para a velhice", diz Stanislav.

Há, porém, um efeito colateral: a metformina trata o diabetes, mas causa demência precoce e até o mal de Alzheimer e de Parkinson.

Não se sabe os motivos disto. Uma possibilidade aventada é a de que a droga bloqueia o metabolismo da vitamina B, que é necessária ao funcionamento normal do cérebro.

Por isto, Stanislav observou a planilha, viu o que estava acontecendo e escolheu uma dosagem de vitaminas para eliminar o efeito colateral. Ao mesmo tempo, ele também reduziu o risco de câncer - o maravilhoso remédio para diabetes também atua nesta área.

"A metformina mitiga a probabilidade de câncer porque diminui a taxa de divisão celular no corpo. Reduzi esta taxa e removi o efeito colateral na forma de demência. Considero isto uma experiência bem-sucedida", diz ele, triunfante.

Ele acredita que sua idade biológica seja de 26 anos e que sua experiência prolongará o processo de envelhecimento. E, para minha surpresa, ele diz, de passagem: "Aconselho fortemente as pessoas a experimentarem o biohacking".

Como não morrer

Em abril, a imprensa noticiou a morte de um biohacker americano de 28 anos, Aaron Traywick, em uma "cápsula de flutuação" (uma piscina coberta, cheia de água muito salgada).

Poucos, porém, mencionaram que a morte foi um acidente e não o resultado de mais um experimento. Alguns comentários mordazes surgiram nas redes sociais: "Biohacker é mal-sucedido em enganar o corpo".

Um mês antes, em uma demonstração pública no palco, Traywick tinha injetado em si próprio uma vacina experimental contra o herpes.

Desde o início de seu projeto, Stanislav realizou quase 120 experimentos em si próprio com diversos medicamentos e dosagens.

Para Denís, porém, o motivo da morte de Traywick foi outro. “Traywick morreu nos Estados Unidos, conhecidos por sua paixão por substâncias psicodélicas. Na cápsula de flutuação ele estava sobre o efeito da quetamina, pegou no sono, virou de ponta cabeça e se afogou. Não tinha nada a ver com suas injeções contra o vírus”, diz.

Ainda não houve acidentes letais entre biohackers russos. Isto, possivelmente, porque eles são "conservadores", segundo Skakun, e nunca sequer cogitaram se injetar com vacinas caseiras. Eles valorizam as evidências científicas e o controle absoluto.

Uma vida de 5 mil anos

Stanislav chegou a prometer envelhecer "ao vivo". Ele queria tornar públicos os dados de seus experimentos. Uma das razões foi a criação de um novo serviço, uma espécie de start-up de biohacking.

Ele queria que todas as informações sobre um corpo - de genética a crescimento - fossem armazenadas em um só lugar. Mas Stanislav não fará isso enquanto continuar a ser diretor financeiro.

"Todo mundo acha que os biohackers são pessoas que estão constantemente tomando pílulas, cortando-se, enfiando dispositivos nos próprios corpos, e é nisso que consiste seu dia. Isto é um completo absurdo! Cerca de 90 por cento da duração de um experimento consiste apenas em eu estar sentado em frente ao monitor”, diz Stanislav.

Stanislav Skakun.

Os cientistas já podem decuplicar a vida de uma planária e dobrar a expectativa de vida de um camundongo de laboratório. Até agora, isto pode não parecer tão animador quanto os biohackers gostariam que fosse. Mas eles acreditam que, já neste século, o ser humano superará o limite de vida geneticamente definido, de 120 anos.

Pergunto a Stanislav quantos anos ele precisa. A julgar pela expressão no rosto, ele não gosta da pergunta.

"Na verdade, não importa. O que importa é viver uma vida plena aqui e agora. Se um dia eu abrir meus olhos e perceber que 5.000 anos se passaram, não será um problema. Temos duas escolhas: podemos morrer lutando ou podemos morrer de joelhos", responde.

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