O documentário “Quem matou Raspútin? O complô britânico”, exibido pela BBC em 2016, sugere não só que o assassinato do mago foi arquitetada pelo escritório de inteligência britânico MI6, mas também que foi o oficial britânico Oswald Rayner quem deu o tiro fatal na cabeça de Raspútin.
Por que a versão britânica é questionável?
Esta versão dos fatos é baseado somente em memórias e testemunhos do povo britânico – em primeiro lugar, de Sir George Buchanan, embaixador britânico no Império Russo entre 1910 e 1917. O repórter Michael Smith escreveu que o chefe da Agência Secreta Britânica, Mansfield Cumming, ordenou a três de seus agentes na Rússia que eliminassem Raspútin em dezembro de 1916.
Um deles era Oswald Rayner. O britânico estudara em Oxford com Féliks Iussupov (provavelmente, o homem mais rico da Rússia e marido da princesa Irina, única sobrinha de Nicolai 2º) e teria desenvolvido um relacionamento romântico com ele.
Embora Iusupov e Rayner fossem certamente amigos íntimos – Rayner esteve presente em São Petersburgo no dia do assassinato e até mesmo visitou o palácio de Iussupov na mesma noite –, nada disso prova que ele matou Raspútin. Mais tarde, na Europa, Rayner ajudou Iussupov a traduzir o seu primeiro livro sobre o assassinato de Raspútin. Há boatos de que teriam moldado a história conforme suas necessidades.
O professor Keith Jeffery, da Queen’s University, em Belfast (Irlanda), que obteve acesso irrestrito aos arquivos históricos sobreviventes do Serviço Secreto de Inteligência, disse não ter encontrado evidências que apoiassem as afirmações de envolvimento do MI6 no assassinato de Raspútin em 1916. “Se o MI6 tivesse alguma parte na morte de Raspútin, eu teria encontrado algum rastro disso”, disse.
Quem e por que queriam Raspútin morto?
Grigôri Raspútin ganhou enorme influência sobre a família do tsar porque só ele era capaz de realmente acalmar Aleksêi, o herdeiro do trono, usando supostamente técnicas de hipnose. Eles fazia algo que nem médicos ou padres ortodoxos conseguiam – para inveja geral. Mas Raspútin tinha inimigos ainda mais poderosos.
Depois de 1905 e 1906, Raspútin parecia ter “entendido” seu poder e começou a pregar. O mago disse que os últimos dias do Império estavam chegando e que a dinastia Romanov continuaria viva e bem apenas enquanto ele vivesse. Raspútin chegou a prever que formigas gigantes destruiriam reinos e cidades, borboletas se transformariam em falcões, e abelhas iriam se rastejar como cobras.
Graças a suas habilidades de cura e hipnose, Raspútin teve forte influência sobre a imperatriz Alexandra e, posteriormente, o tsar. Em 1911, a Igreja Ortodoxa Russa criticou abertamente o mago. Ninguém, especialmente os funcionários de alto escalão do governo, gostavam do fato de um “maluco” guiar a política do país.
Havia rumores (embora jamais comprovados) de que, em 1912, Raspútin convenceu Nikolai 2º a não entrar na Guerra dos Bálcãs, adiando, assim, a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial por dois anos. Em 1914, Raspútin ainda discordava fortemente da decisão de aderia ao confronto, afirmando que isso levaria o país à ruína. As ações de Raspútin também eram vistas com cautela pelos aliados da Rússia – especialmente a Grã-Bretanha –, que tinha um evidente interesse no envolvimento russo na guerra contra a Alemanha – caso contrário, a maior parte do poderio de guerra alemão seria descarregada somente nos britânicos.
Quem planejou o crime?
Há muitas memórias e relatos diferentes do dia do assassinato, e várias pessoas já foram ligadas ao caso. Hoje, a maioria dos historiadores russos concorda que o plano de assassinato foi idealizado pelo príncipe Féliks Iussupov, Vladímir Purichkevitch (político ultranacionalista de direita) e pelo grão-duque Dmítri Pavlovitch (primo do tsar). Esses homens estiveram – quase que certamente – na cena do crime. Também é altamente provável que houvesse mais dois: o doutor Stanislav Lazovert (supostamente encarregado do envenenamento) e o tenente Serguêi Sukhotin.
Como ocorreu o assassinato?
Ainda há mais perguntas do que respostas sobre o assassinato. Por exemplo, Féliks Iussupov mudou seu depoimento sobre aquela noite cinco vezes. Além disso, o relatório forense original da polícia desapareceu. Por isso, historiadores costumam juntar pedaços de informação para tentar recriar a cena do crime.
Iussupov, usando seu status e fama, convidou Raspútin para seu palácio no rio Moika, supostamente para encontrar uma mulher em quem o mago estava interessado. Lá, deram-lhe bolo e vinho envenenados com cianureto – que ele comeu, sem sentir nada.
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“Eu assisti aterrorizado”, lembrou Iussupov mais tarde. “O veneno deveria ter feito efeito imediatamente, mas, para meu espanto, Raspútin continuou falando como se nada tivesse acontecido.”
Iussupov o deixou e voltou com uma arma. O príncipe atirou contra Raspútin, mas o monge recuperou seus sentidos e atacou Iussupov. Foi então que outros conspiradores entraram em cena e atiraram em Raspútin várias vezes, mas ele fugiu para o pátio, onde foi perseguido e baleado de novo, desta vez fatalmente. Os assassinos amarraram o cadáver e o jogaram no rio, onde o corpo foi encontrado no dia seguinte.
Quais as inconsistências da versão oficial?
Peritos forenses encontraram três feridas no corpo do mago: no fígado, nos rins e na cabeça, todas elas letais. Então não está claro quando exatamente – e por quem – Raspútin foi morto, e é bastante improvável que ele pudesse correr nessas condições; um homem morre dentro de 20 minutos após um ferimento grave no fígado.
Ao ser descoberto, Raspútin não vestia casaco nem estava amarrado, ao contrário do que os assassinos alegaram.
O que tem a ver o cianeto?
Os peritos não encontraram vestígios de cianeto no estômago de Raspútin. Acredita-se que o médico Lazovert, supostamente contratado pelo príncipe Dmítri para administrar o veneno, não o fez como combinado. Outra versão sugere que não havia bolo nem vinho envenenados, e tudo foi inventado por uma razão específica.
Iussupov e seus assessores entendiam que o assassinato de Raspútin certamente traria terror à família do tsar, que acreditava nos poderes “sobrenaturais” do mago. Então, para provar que ele era apenas “um fantasma de carne e osso, um herege nascido do inferno”, Iussupov inventou a história de que nem o veneno era capaz de matar Raspútin – a capacidade de ‘sobreviver’ nesses casos era tradicionalmente atribuída aos mágicos, e a Igreja Ortodoxa desaprovava essas pessoas. Assim, Iussupov tentou provar que Raspútin não era um “homem santo”, mas sim o oposto.
O assassinato foi devidamente investigado?
Logo após saber do assassinato de Raspútin, a imperatriz Aleksandra exigiu que os assassinos fossem executados. No entanto, o tsar decidiu de forma diferente: o príncipe Dmítri foi enviado para servir no Exército do Irã (o que, ironicamente, o salvou da Revolução), e Iussupov foi exilado em uma de suas propriedades privadas.
A investigação durou dois meses, até que Nikolai 2º abdicou – dois dias depois, o chefe do Governo Provisório, Aleksandr Kerenski, ordenou o fim da investigação.