O pátio era o oásis de toda criança soviética. Pequenos e acolhedores, os pátios entre os blocos de prédios eram um universo completo para a maioria das crianças urbanas nos tempos soviéticos e na Rússia da década de 1990.
Ali, muito antes do surgimento das redes sociais e do mundo virtual, as crianças faziam amigos, brincavam, brigavam e ficavam de manhã até a noite - ou até que suas mães berrassem para elas entrarem em casa.
Crianças de Kaliningrado a Vladivostok brincavam de jogos quase idênticos e, apesar das enormes distâncias, compartilhavam os mesmos sonhos de infância.
Brincadeiras ao ar livre
Igor Utkin, Alexander Yakovlev / TASS
As brincadeiras geralmente eram atreladas ao gênero da criança, mas, por vezes, eram mistas. Em geral, eram inspirados em habilidades e competições.
A amarelinha (em russo, “klassiki”) aprimorava as habilidades no pulo, enquanto "Cossacos e bandidos " ensinava as crianças a se esconder, a pegar e a correr.
Um dos jogos mais populares entre as meninas era o elástico (“rezinotchki”). Três meninas com um longo elástico formavam um círculo, e dois jogadoras ficavam dentro dele, enquanto uma saltadora executava uma série de movimentos, cada vez mais difíceis.
O círculo ficava cada vez mais alto, subindo até os joelhos, as coxas e a cintura das meninas que o seguravam e, se a saltadora fosse habilidoso o suficiente, até o peito! Se a saltadora cometesse um erro, ela trocava de posição com uma das meninas que seguravam o elástico.
Outra brincadeira que estava entre as favoritas das crianças de então era a queimada (em russo, “vichivali”). Nela, dois jogadores ficavam em lados opostos do parquinho e jogavam a bola tentando acertar os outros, que tentavam evitar ser atingidos. Se a bola batesse em um dos jogadores ele tinha que sair do parquinho. O último jogador restante tinha que evitar a bola o mesmo número de vezes da sua idade e mais um. Se ele não tivesse êxito, tinha que trocar de lugar com a pessoa que o tivesse acertado.
Os meninos costumavam brincar de “voinuchka” (guerrinha) contra as crianças do pátio vizinho. Havia postos como no mundo dos adultos: soldados, generais, espiões e criptógrafos (as equipes inventavam um código próprio para se comunicar).
Rimas bizarras, do latim ao chinês
Viktor Chernov / Sputnik
Todo jogo tinha regras e rimas. Por exemplo, o famoso Jokenpô começava com as crianças gritando “Tsu-E-Fa”. A frase parece não fazer sentido em russo, mas em chinês significa “comece, por favor”. E isto faz todo o sentido do mundo, já que o jogo chegou na Rússia a partir da China nos anos 1920.
Em algumas regiões, as crianças diriam ainda: “kamano, margano, tsu-e-fa,” “tchi-tchi-ko,” “u-e-fa” (“um-dois-três”). Há, provavelmente, uma centenas de jeitos como as crianças pronunciavam esta rima.
Quando as crianças precisavam escolher alguém, elas contavam: “Eniki-beniki eli vareniki, eniki-beniki-kliots! Víchel Sovetski matros” (Eniki e beniki comeram vareniki, eniki-beniki-klyots! O marinheiro soviético saiu). Era assim que era escolhida a última criança. Há quem acredite que “enik” e “benik” sejam nomes infantis, mas outros dizem que são rimas antigas em latim.
Outra rima mais simples para escolher quem jogaria era: "No pórtico de ouro ficava o tsar, o filho do tsar, o rei, o filho do rei, o sapateiro, o alfaiate. Quem você vai ser?”.
No jogo de rimas “cisne”, as crianças formavam um círculo e, de mãos dadas, cada uma fala uma das seguintes palavras: “Um cisne voou no céu azul, lendo o jornal número cinco [ou qualquer outro número]”. As crianças davam um tapinha umas nas outras e a última criança tentava não ser tocada.
Mascar flores
Vsevolod Tarasevich / Sputnik
O que as crianças russas faziam quando queriam mascar alguma coisa? Não, não abriam um chiclete, objeto de desejo que só chegou ao país nos últimos e derradeiros anos da União Soviética. O que elas mascavam eram flores - e algumas delas tinham um gosto inacreditavelmente delicioso!
O sabor da pulmonaria (Pulmonaria obscura) era doce e lembrava uma geleia. Acreditava-se que os lilases de cinco pétalas tinham propriedades mágicas e eram buscados e devorados em grandes quantidades.
No inverno, as crianças brincavam com neve e pingentes de gelo, mas também faziam coisas incríveis.
"Na minha infância, nevava muito no inverno. Quando nevava pesado, minha irmã e suas amigas faziam cômodos de neve no jardim da frente para nós, as crianças. Elas construíam mesas, camas e até mesmo geladeiras. E nós gostávamos de brincar lá: não tínhamos mais nada para fazer no inverno e nossos pais sempre nos mandavam para fora para tomar ar fresco”, conta a gerente de marketing Valentina Pakhomova, de São Petersburgo.
"Eu pegava bagas de amelanqueiro e fingia ser princesa com minha melhor amiga. Passar o tempo com os amigos no pátio era muito melhor do que os tablets da vida de hoje. A brincadeira verdadeira, ao vivo, e a comunicação sempre proporcionam uma experiência de vida mais rica que a virtual”, diz a professora mocovita Tamara Grigorieva.
Sem vontade de voltar para casa
Sergei Lidov / Sputnik
As mães observavam os filhos pela janela e gritavam quando chegava a hora de eles irem almoçar, conta Tamara. “Minha vizinha, a tia Luba, muitas vezes cuidava de mim: ela morava no quinto andar e gritava de lá de cima, mas eu era muito tímida para gritar de volta.”
“Nós brincávamos no quintal com a vizinha e meus pais nos observavam de casa, porque podiam nos ver pela janela. Já com a minha avó era diferente: ela morava no 12° andar e não dava para gritar de lá para o meu tio, que jogava futebol no pátio, então ela pendurava uma bandeira vermelha para sinalizar que era hora de ir para casa”, lembra a blogueira moscovita Daria Sokolova.
Todos se conheciam nos pátios. As crianças brincavam, os adultos namoravam, os idosos sentavam-se nos bancos e falavam sobre os adolescentes...
"Na infância, tudo parece ser mágico, até mesmo o pátio. Mais tarde, quando crescemos, percebi que meu namoradinho tinha orelhas estranhas, suas piadas eram idiotas e a magia, de algum jeito, se esvaiu”, arremata Tamara.
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