Existe uma piada bastante disseminada na Rússia sobre uma criança com um nome tradicional, como Ivan, que, por causa do nome, é a ovelha negra na escola. Hoje em dia, todos as crianças russas têm nomes que soam “exóticos” para os ouvidos russos — como Mark, Platon e Miroslav. Além disso, uma menina que se chame Olga hoje estará perdida entre Auroras, Atenas e Mias, nomes que não são russos.
Cada vez mais os pais russos preferem nomes ocidentais, como Simon ou Olívia. Por outro lado, também há uma moda de dar às crianças nomes eslavos arcaicos, como Sviatogor ou Fevronia. Com a globalização, bem como o crescente interesse pelo passado histórico da Rússia, hoje se pode encontrar na mesma sala de aula crianças com nomes de heróis folclóricos eslavos e de estrelas de Hollywood.
Mas as as coisas eram diferentes no passado...
Influência religiosa
Por séculos, os russos costumavam ter dois nomes. Um era dado no nascimento e o outro, no momento do batismo na Ortodoxia. O primeiro nome era oficial, e a pessoa era assim chamada pela vida afora e em documentos oficiais. O segundo nome, de batismo, era mais íntimo, uma espécie de nome secreto conhecido apenas por Deus. Por esse nome, Deus "se comunicava" com a pessoa durante a oração e a vida eclesiástica.
Na velha Rus as pessoas não celebravam aniversários. Pelo contrário, elas comemoraram o “dia do nome”, que era dedicado ao seu santo padroeiro — e um nome santo podia ser celebrado várias vezes por ano.
A regra principal na hora de escolher um nome era olhar o calendário da Igreja Ortodoxa e ver qual santo era celebrado naquela data. Era considerado um sinal de devoção dar à criança determinado nome santo, pois acreditava-se que ela se tornava o santo padroeiro da criança. Assim, no momento do batismo, o padre verificava o calendário e dava à criança o novo nome que correspondesse àquela data.
Na aristocracia era comum usar nomes de família como nome secular. Isso se aplicava à dinastia ruríquida, na Idade Média, assim como aos primeiros membros da família Romanov, no final do século 16. Antes do reinado de Pedro, o Grande (e de ele adotar costumes e manias europeias), eram usados tanto nomes seculares, como eclesiásticos, principalmente porque a Igreja era responsável pelo registro de nascimento e óbito.
“Nas fontes históricas, o uso de dois nomes cristãos aparece não apenas entre os membros da aristocracia, mas também entre aqueles que não eram tão nobres, ou até mesmo funcionários de baixa hierarquia, escriturários, comerciantes, artesãos, camponeses e servos, viúvas e donzelas, crianças e idosos”, escreveram os pesquisadores Anna Litvina e Fiódor Uspenski em um estudo sobre a tradição dos nomes cristãos russos duplicados.
A moda dos nomes europeus
Pedro, o Grande, transformou a tradição dos nomes duplos e deu início a uma escolha mais ampla de nomes, incluindo os de estilo europeu. Um dos exemplos mais conhecidos disso é que os filhos do melhor amigo de Pedro, Aleksandr Menchikov, tinham os seguintes nomes: Peter-Luka e Pavel-Samson.
Mas, a partir do final do século 17, essa tradição escasseou e os tsares, começando com Aleixo e Pedro, o Grande, não usavam seus segundos nomes. Ao mesmo tempo, um grande número de estrangeiros veio para a Rússia e foi batizado no cristianismo ortodoxo, ganhando nomes novos e, às vezes, incomuns.
O nome de nascimento da mulher de Pedro, o Grande, imperatriz Catarina 1°, era Marta Skavronskaia. Já Catarina, a Grande, foi batizada Sofia no nascimento. Ao mesmo tempo, Pedro deu a suas filhas os nomes Elizaveta e Anna, que não eram usados anteriormente na dinastia Romanov (e eram pouco conhecidos na Rússia). Mas, quando essas mulheres subiram ao trono, seus nomes ficaram populares — e ainda são até hoje.
Nomes antigos como Ivan e Vassíli, que costumavam ser comuns entre os tsares, já não eram mais populares na família real e, a partir do século 18, houve três Pedros, três Pavels e, depois, três Alexandres e dois Nicolaus no trono. Esses nomes acabaram ganhando popularidade entre os russos comuns.
Os soviéticos assumem nomes russos
A Revolução de 1917 virou o país de cabeça para baixo e as mudanças também afetaram as tradições e tendências na escolha de nomes. Como parte da campanha antirreligiosa soviética, os nomes não eram mais vinculados ao calendário da Igreja — embora alguns fieis continuassem a fazê-lo secretamente, sem celebrar abertamente a data do nome religioso.
Novos nomes pareciam se adequar melhor à nova cultura soviética. Em primeiro lugar, o número de Vladímires (em homenagem a Vladímir Lênin, o líder revolucionário) aumentou significativamente e, de 1932 a 1950, o nome Vladímir esteve entre mais populares para homens. Ao mesmo tempo, surgiram algumas modificações de “Vladímir Lênin”: Vilen (V.I.Lenin), Vladlen (com o feminino Vladlena) e Ninel (Lenin com as letras de trás para frente).
Havia também vários outros nomes revolucionários, alguns bastante criativos, mas outros bastante estranhos. Por exemplo, existia o nome raro, mas muito soviético Dazdraperma — uma forma abreviada para “Da Zdravstvuiet Pervoie Maia” (“Glória ao Primeiro de Maio”, que é o Dia do Trabalho). Stalik, Staliv e Stalen foram nomes criados a partir de Stálin. E o nome Mels foi criado a partir das primeiras letras de Marx, Engels, Lênin e Stálin. O nome Elina surgiu após a quase total eletrificação e industrialização da URSS.
As crianças também tinham nomes em homenagem a comunistas estrangeiros: havia muitas meninas chamadas Rosa e Clara (em homenagem a Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin) e meninos chamados Karl e Ernst (em homenagem a Karl Marx e Ernst Thälmann).
Os soviéticos também inventaram nomes criativos usando elementos básicos da Tabela Periódica: Radiy (Rádio), Wolfram (que é a palavra em russo para o metal Tungstênio) e outros. E havia até nomes geográficos, como Volga (em homenagem ao rio Volga). Depois de 1961 e do voo espacial de Iúri Gagárin, o nome Iúri tornou-se incrivelmente popular, seguido por Valentina, em homenagem a Valentina Terechkova, a primeira mulher no espaço.
Ao mesmo tempo, a era soviética estimulou um impensável interesse pelo passado russo, especialmente por histórias folclóricas pré-cristãs e nomes que não entraram para o calendário da Igreja. Foi assim que ressurgiram alguns antigos nomes eslavos, como Sviatozar.
Por que tantos nomes gregos?
Aleksandr, Aleksêi, Anatóli, Andrêi, Vassíli, Evguêni, Nikolai... todos esses nomes russos icônicos na verdade têm origens gregas. Até mesmo Ivan é uma forma do antigo nome grego “Ioann” (João). A explicação é simples: a Igreja Ortodoxa Russa os tomou emprestado da Igreja Grega Bizantina, e assim as pessoas ganharam nomes em homenagem aos santos gregos.
Foi só quando muitos anos se passaram e surgiram os santos russos nativos com nomes russos genuínos (Olga, Vladímir, Borís e Gleb), que esses nomes se espalharam pelo país.
Mesmo assim, quase metade dos nomes russos modernos têm raízes gregas. Aliás, em 2022, o nome grego Aleksandr era o nome mais popular para meninos recém-nascidos (e Sofia, o mais popular para meninas).
Algumas pessoas, no entanto, ainda verificam os nomes no calendário da Igreja. “Quando pensei no nome da minha filha, verifiquei qual santa é comemorada na data de nascimento dela no calendário e não havia nome feminino. Então escolhi um nome de que gostei e acabamos de marcar outra data que combine com essa santa”, conta Elena, de 33 anos.
No entanto, muitas pessoas escolhem nomes por preferência pessoal ou seguem a tradição de dar às crianças os nomes dos avós e outros parentes. “Meu nome é Serguêi, meu pai era Borís e meu avô era Serguêi. Também quero dar ao meu filho o nome Borís, mas minha mulher não gostou, então escolhi Anton, o nome do meu bisavô. Meu filho decidiu não seguir essa tradição e deu ao meu neto um nome em homenagem ao avô da mulher dele”, conta Serguêi, de 63 anos.
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