“Uma garota de muito talento”, disse, certa vez, a treinadora Eteri Tutberidze ao se referir à patinadora Kamila Valieva, de 15 anos. “É flexível, entende de deslizar e é saltitante.”
Kamila Valieva, do ROC (Comitê Olímpico Russo), durante o programa longo individual feminino do evento por equipes no terceiro dia dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022, em 7 de fevereiro, China
Lintao Zhang/Getty ImagesKamila demonstrou suas habilidades de salto nas Olimpíadas de 2022 em Pequim, tornando-se a primeira mulher a executar não apenas um, mas dois saltos quádruplos em Jogos Olímpicos. Ela foi responsável pelo Salchow quádruplo, um loop quádruplo de dedo do pé e um eixo triplo no programa de patinação livre. Valieva marcou 178,92 pontos por seu desempenho e ficou em primeiro lugar no evento por equipes.
Escolha entre três esportes
Kamila nasceu em 26 de abril de 2006, em Kazan. Desde a infância, era muito ativa, e seus pais resolveram colocá-la para praticar esportes. Kamila fazia balé, ginástica rítmica, patinação artística e, aos quatro anos, já apresentava boa capacidade de alongamento. Aos cinco anos, sua mãe pediu que ela escolhesse um esporte e Valieva preferiu a patinação.
“Acho que quando você dá impulso, desliza no gelo, apresenta programas na frente do público, pula... É tudo muito emocionante (...) Eles inseriram trabalho de pés nos programas, como no balé – queríamos diversificar minha patinação”, lembrou Valieva.
Valieva executa programa curto na patinação individual feminina na 6ª etapa da Copa do Mundo de Patinação Artística em Sochi
Aleksandr Vilf/SputnikEm 2012, os pais de Kamila se mudaram para Moscou, e a jovem continuou seus treinos. Em 2018, aos 12 anos, participou de uma triagem para frequentar a escola de esportes Sambo-70 – na época, Eteri Tutberidze pediu que ela apresentasse alguns giros e saltos e, depois de ver o suficiente, a incorporou em seu grupo.
Valieva, do ROC, no estádio Capital Indoor pouco antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, programados para Pequim e Zhangjiakou de 4 a 20 de fevereiro
Valéri Charifúlin/TASSQuando começou a treinar com Tutberidze, Kamila era a mais fraca dentre os outros atletas; também enfrentou problemas de atitudes e estabilidade, segundo a própria admite.
“Enquanto eu terminava uma volta, eles [outros alunos] estavam na segunda e na terceira e depois faziam mais dez elementos cada. No comecinho, foi difícil me acostumar com o ritmo, ir e voltar e fazer saltos”, conta Valieva.
Valieva depois de executar seu programa de patinação livre no Campeonato Russo de Patinação Artística em São Petersburgo, em 25 de dezembro de 2021
Aleksêi Dánitchev/SputnikGradualmente, Kamila se acostumou aos treinos, começou a trabalhar em si mesma e seu desempenho ficou próximo do ideal. Eis aqui sua performance nos campeonatos de Moscou em 2015:
Primeiras vitórias e o caminho rumo às Olimpíadas
Em 2019/2020, em sua primeira temporada junto com Tutberidze, o programa de Kamila foi ‘Garota na Bola’ (programa curto), baseado na pintura homônima do artista espanhol Pablo Picasso. O programa chegou a ser notado pela neta do pintor, Diana, que parabenizou pessoalmente a patinadora artística. Kamila também venceu com o programa o Grand Prix Júnior na França (onde se tornou a quarta patinadora júnior da história a marcar mais de 200 pontos) e depois o Campeonato Mundial Júnior. Na mesma temporada, Kamila executou uma coreografia livre ao som de ‘Exogenesis: Symphony Pt.3 (Redemption)’, da banda Muse.
Valieva no Grand Prix de Patinação Artística em Moscou, novembro de 2020
Aleksandr Vilf/SputnikNa temporada seguinte, Kamila se arriscou na patinação artística adulta com o ainda mais difícil programa ‘Bolero’ (patinação livre), mas apenas na Rússia. Por causa da pandemia, todos os campeonatos juniores daquele ano foram cancelados, mas a Federação Russa de Patinação Artística abriu uma exceção para Kamila, que foi autorizada a competir como adulta. Sua principal conquista da temporada foi o ouro na Copa Russa. Nas finais, ela caiu ao tentar um Salchow quádruplo e perdeu um salto, mas garantiu o primeiro lugar.
Em 2021, a atleta também apresentou um novo programa ao ritmo de ‘In Memoriam’, de Kirill Richter – dedicando-o a todos os falecidos, em especial sua avó.
“É uma história sobre uma borboleta. Eu a sigo o programa inteiro, consigo capturá-la, mas, no final, eu a liberto. Kirill Richter disse que esta música é uma memória aos mortos e dedico este programa à minha avó, que faleceu em 2019”, partilhou Valieva.
Valieva se preparando para a prova individual feminino na final do Grande Prêmio de Patinação Artística (Sênior e Júnior) na Arena Palavela, 6 de dezembro de 2019, em Turim, Itália
Joosep Martinson/ISU/Getty ImagesCom o programa ‘In Memoriam’ e com ‘Bolero’, a atleta conquistou o ouro não só no torneio internacional Skate Canada, como no Campeonato Russo, tornando-se a principal candidata a uma vaga nos Jogos Olímpicos de Pequim. Em janeiro de 2022, Kamila venceu o Campeonato Europeu, estabelecendo um novo recorde mundial no programa curto (90,45). O recorde no programa livre (185,29) e em total de pontos (272,71) também são dela e foram estabelecidos na Copa Rostelecom em novembro de 2021.
Valieva durante a apresentação individual feminino no Grand Prix Júnior de Patinação Artística no Gelo de Courchevel, em 23 de agosto de 2019, França
Maja Hitij/ISU/Getty ImagesNas Olimpíadas de 2022, Kamila bateu o recorde olímpico de pontos com ‘In Memoriam’. Ela também se tornou a primeira patinadora artística a fazer um salto quádruplo em Olimpíadas.
“Estou muito feliz que hoje consegui fazer dois saltos quádruplos e um axel triplo. Não consegui fazer o segundo dedo do pé, mas vou trabalhar nisso. É uma sensação tão incrível, tipo, você está patinando na sua primeira temporada na competição adulta e já se fala muito em você”, disse Valieva após a apresentação.
Hobby e o segredo do sucesso
Valieva impressiona sobretudo por sua elasticidade e habilidades de salto – também é forte em rotações e pontuações de componentes. Em entrevista, ela disse que o segredo de seu sucesso é repetir o programa todos os dias, mas também sua treinadora.
“Ela [Eteri Tutberidze] é assim comigo todo treino, ela conhece cada virada de cabeça, cada movimento de mão, parece que ela sabe até como eu respiro no programa, como me sinto ao executar determinado elemento. E eu não sou mais eu. Eu sou ela. Eteri sente e entende cada rotina e me ajuda a entender, aceitar e sentir cada movimento”, explicou Valieva.
Valieva se apresenta durante uma exibição de gala no Campeonato Europeu de Patinação Artística 2022 no Tondiraba Ice Hall
Serguêi Bobilev/TASSNas horas vagas, Kamila desenha. “Quando eu era bem pequena, adorava desenhar”, lembrou Valieva em entrevista à TASS. “E eu era boa nisso. Não ficava exatamente preciso e certinho, mas, para uma criança de seis anos, era lindo.”
Atualmente, porém, sonha em dirigir um carro. Devido à sua idade, a patinadora de 15 anos ainda não pode tirar carteira de motorista na Rússia e, por enquanto, vai se contentando com kart. Além disso, ela cuida de seu Spitz, Leva.
Sobre os planos para o futuro da campeã, Kamila ainda tem sonhos de se tornar psicóloga, além de conquistar mais medalhas de ouro nas Olimpíadas.
Medalhista de ouro Kamila Valieva, do ROC, comemorando durante a cerimônia de premiação no terceiro dia dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022
Lintao Zhang/Getty Images“É um sonho de infância, provavelmente venho dizendo à minha mãe desde os três anos de idade: ‘Quero ser campeã olímpica!’ E agora virou realidade. A partir de agora vou trabalhar para realizar mais um sonho meu”, conclui Valieva.
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