“Preciso fazer um vídeo para o TikTok, mas para isso vocês precisam se deitar no chão... Levante a mão quem está pronto para fazer isso”, diz Danya Milokhin, um rapaz de 19 anos vestido de camiseta rosa e boné da Adidas, em uma sessão do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF), o principal evento de negócios do país, que tem o presidente russo Vladimir Putin entre seus palestrantes e cujo ingresso este ano custou quase um milhão de rublos (aproximadamente R$ 70 mil).
Todos levantam a mão, incluindo o diretor de marketing do maior banco da Rússia, Sber, o vice-presidente da Aliexpress na Rússia e um ex-candidato à presidência. Alguns segundos depois, pessoas de terno e camisa estão deitadas no chão da sala de conferências, algumas com as pernas erguidas e apoiadas nas cadeiras. Milokhin está deitado na mesa. Dezenas de câmeras filmam o acontecimento, que nada se parece com um evento como aquele.
Milokhin é um dos usuários de TikTok mais populares da Rússia; ele já tem 12,9 milhões de seguidores na rede. De acordo com a Forbes, o jovem russo fatura 2 milhões de rublos por mês (quase R$ 140 mil). E em 2020, ele ganhou o prêmio 'Revelação do Ano' da GQ. Em seus vídeos, ele dança, faz piadas e promove desafios - quanto mais chocante, melhor. No fórum econômico de São Petersburgo, após terminar sua palestra e filmar o vídeo para o TikTok, ele fugiu dos jornalistas dizendo: “Preciso fazer xixi”. Alguns ficaram indignados com o próprio fato de sua aparição no evento: “Isso aqui é surreal” e “O garoto ficou famoso não por seu trabalho, mas por sua popularidade bagaceira nas redes sociais” foram reações.
Não muito tempo atrás, nem mesmo Milokhin poderia imaginar tamanha popularidade. Há dois anos, ele trabalhava como garçom em Anapa, no sul da Rússia, furtava comida “para se divertir” e gastava todo o seu dinheiro com drogas.
Adolescente problemático
Entre os três e os 13 anos, Danya Milokhin viveu em um orfanato em Oremburgo junto com seu irmão, Iliá. A mãe os deixou na instituição depois de se divorciar do marido viciado em álcool e decidiu que não seria capaz de criar dois filhos sozinha. Danya não gosta de relembrar aqueles 10 anos de sua vida. Entre as memórias dolorosas estão espancamentos e não poder comer fora do horário das refeições. “Nos primeiros dias depois que saí do orfanato, era estranho não apanhar por tirar notas ruins na escola. No orfanato, todo mundo apanhava, isso fazia parte do processo de ensino. (...) Um professor poderia pegar um pedaço de pau ou uma corda de pular e chicotear você umas duas vezes - para que não fosse muito perceptível”, contou Danya em entrevista ao canal Pushka no YouTube.
Os empresários Dmítri e Elena Tiulenev, que já tinham cinco filhos, assumiram a custódia dos irmãos Milokhin. Os dois se mudaram para a casa dos Tiulenev nos arredores de Oremburgo e, um ano depois, a família toda se mudou para Anapa, perto do mar. Mas as coisas não foram fáceis. Danya era um adolescente problemático: recusava-se a ir à escola, começou a beber e a fumar e nem sempre voltava para casa à noite. Os Tiulenev recebiam visitas da polícia com frequência. O fato de Danya não querer estudar era motivo de muitas brigas.
“Eu não queria fazer nada além de ganhar dinheiro na internet. Eles não me deixavam. E eu não queria estudar, não dava certo.” Danya conta que, por meio de um acordo com os pais, ele entrou em uma faculdade técnica para se formar mecânico de automóveis e, por isso, se mudou da casa da família para um alojamento universitário. Longe da família adotiva, começou a furtar barras de chocolate, chicletes e outros salgadinhos de supermercados “para se divertir” e, quando foi pego, mentiu que não tinha o que comer. Os seus pais adotivos lhe mandaram então carne e cereais, mas Danya tinha preguiça de cozinhar.
Aos 16 anos, começou a usar drogas e a dizer a todos que um dia se tornaria um blogueiro famoso. Abriu uma conta na rede social russa VKontakte e passou a postar tudo o que fazia: uma foto de um supermercado onde estava sentado em um carrinho cheio de macarrão instantâneo ou selfies sem camisa. Fez tatuagens e descoloriu o cabelo, buscando atrair seguidores com sua aparência. Aos 17 anos, ele tinha 2.000 seguidores e resolveu abrir uma uma conta no Instagram, onde “começou a enganar as pessoas por dinheiro: vendendo publicidade e depois deixando de fazer e comprando coisas proibidas [com os lucros]”, admitiu mais tarde. Quando confrontado em uma entrevista, “Então quer dizer que você enganava as pessoas apenas para se divertir...”, respondeu sem rodeios: “É verdade”.
Além de sua atividade nas redes sociais, Milokhin vendia balões, distribuía flyers, mas não ficava em lugar nenhum por muito tempo, alegando que “estava entediado”. No verão de 2019, Dmítri Tiulenev conseguiu para o jovem o seu primeiro emprego sério, como garçom em um café, mas, dois meses depois, Danya pediu demissão. A justificativa? Ele queria passar mais tempo com seus amigos. Foi então que ele abriu uma conta no TikTok, postando “tudo o que lhe vinha à mente”. Seus vídeos se tornaram um sucesso junto ao público na rede: ele fazia caretas para a câmera, trolava outros usuários do TikTok e fazia dublagens.
“Meu pai adotivo me contou um segredinho: os pensamentos se materializam. Eu acreditei nisso. Então, todas as noites, eu escrevia em um pedaço de papel: sou o garoto mais popular do mundo, sou o mais bonito, as pessoas gostam de mim, tenho muitos amigos”, diz Danya. Seu sonho era se mudar para Moscou. Assim que atingiu a maioridade, ele recebeu 200 mil rublos (aproximadamente R$ 13.7000) do Estado (valor ao qual órfãos têm direito), gastou todo o dinheiro com um novo telefone e uma passagem para Moscou - e cortou relações com sua família, incluindo o irmão de sangue.
Fenômeno da internet
“Eu arrisquei tudo. Ou daria certo ou, não importa como soe, não adiantava viver”, disse Milokhin recentemente. Para sua sorte, deu certo, e os usuários gostaram de sua atitude nas redes. Em dezembro de 2019, ele já contava com 700 mil seguidores no TikTok e 150 mil no Instagram. Sua popularidade foi impulsionada ainda mais por uma entrevista sincerona, na qual ele conta sobre a infância conturbada, e que foi visualizada mais de 6 milhões de vezes - além de flertar com a bissexualidade (Danya se diz heterossexual, mas a ideia de ter supostamente se relacionado com outros homens atraiu atenção adicional para si). “Você é meu crush”, escrevem os adolescentes, tanto meninas quanto meninos.
Diante de tamanho sucesso, Milokhin recebeu um convite de Iaroslav Andreiev, fundador da agência de publicidade WildJam, especializada em trabalhar com blogueiros. O jovem de 19 anos foi convidado a se juntar ao primeiro coletivo de criadores de conteúdo do TikTok na Rússia, Dream House, um equivalente ao projeto Hype House nos EUA. Nela convivem vários influencers do TikTok, filmando conteúdos por conta própria e para a conta da “casa”, o que potencializa sua audiência. Danya, junto com outro sócio, ficou encarregado de selecionar os residentes e criar o conteúdo. No início, Andreiev admitiu que esperava que o projeto fosse deficitário por um ano, mas já começou a gerar lucro em apenas seis meses.
Em 2020, durante o lockdown de dois meses na Rússia, Milokhin teve a ideia de gravar uma faixa humorística intitulada ‘Estou em casa’. A letra? “Adivinha onde estou? Estou em casa”, referindo-se ao regime de autoisolamento imposto devido à pandemia do coronavírus. A música foi escrita em um dia, e um pequeno trecho dela se tornou viral - os usuários acabaram reproduzindo 1,3 milhão de vídeos no TikTok. Milokhin deu o próximo passo e lançou um clipe, que atualmente reúne mais de 28 milhões de visualizações no YouTube.
A essa altura, conta Milokhin, ele já havia desistido das drogas: “Tive uma overdose. Depois disso, não conseguia dormir normalmente, aquele 'hmmm' continuava ressoando na minha cabeça o tempo todo. Eu fiquei completamente perdido. Isso me assustou.”
“Você percebe que, com sua reputação de viciado em drogas, as grandes marcas não vão chegar a você”, questionou o entrevistador no canal Pushka. “E daí? Se alguns não querem, outros o farão”, ele respondeu - e em pouco tempo provou que estava certo. Depois do sucesso de seu videoclipe, ele foi procurado por grandes anunciantes, incluindo PepsiCo, Honor, Huawei e outras marcas de peso. Ele também se tornou um dos garotos-propaganda do Sber.
“Não é nenhuma surpresa que eles precisem de um influenciador como Danya Milokhin. Ele não acrescenta nada de especial à marca do gigante [dos bancos na Rússia]. Mas o Sber está enviando uma mensagem: olha, todos estão conosco, adolescentes e mulheres idosas, estamos em todos os lugares, somos para todos”, diz Anton Bulanov, especialista do Centro de Desenvolvimento de Competências em Marketing da Escola Superior de Economia .
Milokhin também acredita que, pelo fato de ter milhões de seguidores, pode se encaixar em qualquer contexto e em qualquer negócio. Ele está investindo agora na carreira musical, mas diz abertamente que, para se tornar cantor, não é preciso saber cantar. “Para quê? Quero cantar, mas tenho preguiça de perder tempo aprendendo como fazê-lo. Com o auto-tune, dá para ajustar qualquer coisa.”
Ele se descreve da seguinte forma: “Não sou profissional em nada - exceto na personalidade. Tenho uma personalidade profissional”. Recentemente, Milokhin comprou um modelo Maybach por nada menos que 10 milhões de rublos (cerca de R$ 668 mil) e lançou 21 faixas - solo e colaborações com artistas famosos de hip-hop e outros influenciadores.
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