Russos que perderam emprego em meio a pandemia relatam dificuldades: “Comida só para 2 semanas”

Estilo de vida
VICTÓRIA RIABIKOVA
Ao anunciar a suspensão temporária de trabalho para combater o aumento de casos de covid-19, as autoridades russas informaram se tratar de licença remunerada e introduziram alguns subsídios para pessoas em situação de vulnerabilidade. Mas nem todos tiveram acesso as medidas de apoio e, na ausência de qualquer reserva, enfrentam problemas econômicos imediatos.

No último dia 2 de abril, o presidente Vladimir Putin anunciou que o mês de abril na Rússia seria um período de folga remunerada, a fim de retardar a propagação do coronavírus. Nesta quarta (8), o país já registra 8.672 casos de infecção no país (dos quais Moscou representa quase 70%), e 63 mortes.

No entanto, devido ao fato de a maioria das pessoas ter de permanecer em autoisolamento em casa, muitas empresas privadas encerram suas atividades, e empresários e freelances perderam clientes. O Russia Beyond conversou com pessoas que perderam o emprego devido a situação.

Evguêni Volguin, faz-tudo

Moro em uma pequena cidade na região de Tcheliábinsk. Trabalho como autônomo no setor de construção, com empresa própria, e faço consertos de plantão.

Eu ganhava cerca de 35 mil rublos (425 euros) por mês. Para nós, era um salário normal, o suficiente para viver. Mas, por causa do coronavírus, perdi todos os serviços. Mesmo que precisem de alvenaria, hoje as pessoas preferem simplesmente esperar do que chamar alguém: afinal, e se eu estiver infectado?

Minha esposa tem crédito a pagar e também não está trabalhando. Hoje fui buscar um atestado de desempregado, o que me dá direito a 1.750 rublos (21,20 euros) ao mês.

No total, temos que pagar cerca de 10 mil rublos (121,20 euros) por mês [pelos empréstimos que possuímos]. O banco não dá a mínima para como vamos pagar isso; eles imediatamente negaram um novo empréstimo para quitar as parcelas antigas. Porém, é claro que não tenho como pagar bancos, aluguel e contas – não declarei para mim o regime obrigatório de autoisolamento.

Não temos economia, mas moramos em uma casa própria com jardim e, portanto, acho que vamos transformá-lo em uma horta para sobreviver de alguma forma.

Artiom Sikorski, soldador

Em 25 de março, Putin anunciou uma semana de folga, com salários pagos, de 30 de março a 5 de abril [o período foi prorrogado até o final do mês, nota do editor]. No dia seguinte, o chefe nos chamou para uma reunião de planejamento. Ele nos deu a última parcela do nosso salário de março, cerca de 10 mil rublos (121 euros) e colocou todos os funcionários em licença não remunerada por tempo indeterminado. Justificou dizendo que não termos encomendas e, assim, também não há trabalho.

Oficialmente, ninguém me demitiu, mas me privaram completamente do salário de modo absolutamente legal. Logo lembrei do empréstimo que devo pagar todo mês e corri ao banco para pedir a suspensão temporária.

O banco se recusou. Agora enviei uma solicitação por escrito e aguardo resposta. Mas, como disse o funcionário da agência, “uma resposta positiva é extremamente improvável”, porque “existem muitas pessoas em sua condição, e o banco não pode abrir concessões”. Não foi declarado, formalmente, estado de emergência no país, mas apenas um período de suspensão do trabalho. Portanto, é como se nada especial tivesse acontecido: mas metade das pessoas perdeu salário de pelo menos um mês.

Não me importo com as dívidas que tenho que pagar; de alguma forma, vou conseguir. Se não tenho dinheiro, não é que posso imprimi-lo. Nem quero imaginar o que acontecerá com pessoas que estão prestes a se aposentar. Dinheiro, elas não têm. E encontrar um emprego já é difícil em condições normais, quiçá agora.

Tenho um vizinho de 61 anos. Ele ainda não tem direito a aposentadoria [atualmente, homens na Rússia só podem se aposentar aos 65 anos, nota do ed.]. Trabalhou toda a vida numa fábrica e agora não pode mais continuar trabalhando pesado, porque tem problemas cardíacos e de pressão. Mas a deficiência não foi reconhecida. Ele me perguntou ontem: “Como vou sobreviver?”. Mas eu mesmo não sei. E ninguém sabe.

Diana Avetisian, gerente de vendas

Trabalhava como gerente de vendas, ganhando cerca de 20 mil rublos (242 euros) por mês. Para Kazan, cidade em que moro, é um salário normal, suficiente para viver.

Estou sem ocupação em 20 de março. Devido à queda na rotatividade, eles nos deixaram em licença não remunerada, e fomos todos obrigados a assinar pedidos de férias por conta própria. Nem mesmo recebemos o salário referente aos dias de março já trabalhados. Eles nos explicaram que não havia dinheiro algum no caixa.

Quanto ao salário das duas últimas semanas trabalhadas em março, pensava em reservar para abril, porque não tenho poupança. Além disso, moro de aluguel com meu melhor amigo, e agora temos que encontrar uma maneira de pagar pela acomodação. Temos esperança de que o proprietário possa prorrogar o pagamento.

Procuro ativamente outro emprego; estou focando em call centers.

Anna, esteticista especialista em depilação

Ninguém me demitiu de fato. Trabalho no setor de beleza há mais de dez anos. Sou registrada como empresária autônoma. Tenho dois filhos: um de 13 anos e o segundo completou recentemente 4 anos.

Como meu trabalho (depilação) não pode ser realizado, nas últimas três semanas não ganhei nada. Estamos todos em casa em isolamento, respeitamos todas as regras e não quero arriscar a minha saúde nem de meus filhos.

Mas ninguém cancelou nosso aluguel, ou as parcelas dos créditos e da hipoteca. Tenho um empréstimo de 200 mil rublos (cerca de 2.425 euros). O que vou fazer, sinceramente, não sei. Consegui comprar comida, mas será suficiente por duas semanas. Os abonos para família concedidos pelo Estado para crianças são escassos; e ainda não sei se vou me registrar como desempregada. O que acontecerá quando acabar a comida, também não sei. Por enquanto, estou em estado de confusão mental.

Elizaveta, gerente de clube de laser tag (jogo de simulação militar)

Já no início de março, devido às notícias sobre o novo coronavírus, começaram a vir cada vez menos clientes. Nosso salário dependia diretamente do volume. Alguns entenderam que a situação não ia melhorar e pararam de trabalhar em 10 de março.

Até 19 de março, tive que cobrir todos os turnos de colegas que haviam saído; na verdade, trabalhei por 9 dias consecutivos, 12 horas por dia. No dia 19 de março, eles anunciaram que eu estava de licença por tempo indeterminado.

Os chefes prometeram me pagar pelo mês de março, mas quando o dinheiro chegou, não era o esperado; alegaram que a empresa estava tendo grande prejuízo, a ponto de já estarem vendendo os equipamentos.

Isso aconteceu antes de Putin anunciar a primeira semana de folga com a manutenção dos salários, então, me senti essencialmente largada. Agora estou fechada em casa com meus pais e sobrevivendo graça à aposentadoria deles. Estou tentando encontrar um emprego remoto de meio período, mas até agora nada: todas as entrevistas são adiadas ou canceladas. Sinto que estou presa em casa, esperando por um milagre.

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