“Já vi tudo o que há para ser visto na parte de cima da terra”
Alto e sorridente, Worku Bedassu é uma figura já lendária do metrô de Moscou. Quando lhe perguntam como ele foi parar no trabalho de condutor ele responde que “apenas aconteceu”.
Na era soviética, o jovem tenente da marinha etíope viajou para estudar em um programa de intercâmbio primeiro na Geórgia, em 1985, e, dois anos depois, no Azerbaijão.
Enquanto Worku estava aprendendo como construir bases socialistas, uma guerra civil estourou na Etiópia e os militares da “velha guarda” não eram mais necessários no novo regime. Sua mulher e seus filhos não quiseram ir para a Rússia e continuaram no país africano. Depois de alguma semanas, a própria União Soviética colapsou e os estudantes estrangeiros que estavam em Baku foram enviados para Moscou.
Lá ele foi considerado refugiado e obteve permissão para trabalhar, mas durante a crise econômica de 1998 era muito difícil encontrar empregos na cidade.
Foi quando sua nova namorada russa, chamada Olga, sugeriu que ele buscasse emprego no metrô, já que tinha conhecimentos de máquinas e equipamentos. Foram seis meses de treinamento até que o ex-oficial militar se transformasse em assistente de condução no metrô.
“A primeira vez foi bem esquisito e senti até um pouco de medo. Mas meu passado militar me ajudou. Um condutor do metrô precisa ter alta tolerância a situações de estresse, disciplina de soldado e vontade para trabalhar pesado”, conta Worku.
Já trabalhando, ele se matriculou em um curso do Instituto de Ferrovias (MIIT) para ter um diploma de engenheiro. Como era muito difícil conciliar os estudos e o trabalho, em 1999, ele decidiu pedir demissão.
Em 2010, quando decidiu voltar a trabalhar no metrô de Moscou, Worku trabalhava para uma empresa de logística de Moscou e de Sotchi, estava casado com Olga e já tinha seu passaporte russo.
Ele precisou recomeçar a carreira como assistente de condução, passando depois a condutor da Categoria 1 e hoje diz que se sente feliz com tudo isso.
“É muito divertido poder dirigir um trem e ganhar um dinheiro honesto por esse trabalho”.
Além de tudo, em todos os seus anos de trabalho, ele nunca se envolveu em nenhum acidente, o que ele próprio considera uma questão de sorte.
Agora, aos 62 anos, ele começa a pensar em encerrar a carreira de condutor e trabalhar em algum dos escritórios do metrô.
“Quando somos jovens não sentimos o peso do trabalho, mas na minha idade isso começa a ficar complicado. E eu não quero sair do metrô. Eu já vi tudo que tinha para ver na parte de cima do solo”.
“Estudei tudo sobre Dostoiévski, mas amo trens desde que era criança!”
Anton Khlinin estudou letras e literatura russa na Universidade de Moscou e passou um ano e meio fazendo doutorado. Mas chegou um momento em que ele viu que era hora de parar.
Ele parece um homem muito sério até que se vira de costas e sua trança de motoqueiro aparece, escapando da gola do uniforme.
“Na universidade escolhi um tema de pesquisa que achava muito interessante, a recepção da obra de Dostoiévski nos países escandinavos. Ele é um dos escritores mais famosos por lá. Eu me dediquei muito, mas enquanto escrevia minha tese descobri que outro pesquisador já tinha tratado do tema. Fiquei muito chateado”, conta Anton.
O mundo acadêmico se tornou desinteressante para ele, mesmo que ainda fosse apaixonado por literatura: ele escrevia alguns textos que falavam inclusive sobre ferrovias, trilhos e trens. Em 2007, Anton decidiu realizar o sonho de infância de trabalhar como maquinista.
“Sou fascinado pelos trilhos desde que tinha cinco anos. Minha primeira memória da vida é ver uma locomotiva em uma ferrovia.”
Anton tem 40 anos e recentemente recebeu o certificado de condutor de segundo grau por ficar entre os três melhores colocados em uma competição profissional. Diferentemente do seu colega etíope, Anton já esteve em diversas situações de emergência.
“Uma vez, um passageiro caiu nos trilhos da estação Park Pobêdi, mas consegui frear a tempo. Tem também os aventureiros que só querem um pouco de adrenalina ao entrar nos trilhos. Quando eu era criança, fiz parte de um clube de modelismo ferroviário e depois de uma sociedade literária e isso me dava diversão e coisas para fazer. Mas essas pessoas que entram nos trilhos parece não têm o que fazer mesmo”, diz.
Apesar de qualquer contratempo que teve e de admitir que até já teve pesadelos com acidentes de trem, Anton não se arrepende da mudança drástica que fez em sua carreira.
“Eu costumava sonhar que ultrapassava algum sinal vermelho ou que meu trem descarrilava, mas isso passou e hoje eu durmo bem.”
Quando lhe perguntam como seu conhecimento de literatura ajuda no trabalho diário, ele responde de um jeito bastante filosófico: “Meu nível educacional me ajuda na minha vida. E meu trabalho é parte da minha vida.”
“Levo mais de duas mil pessoas de um lugar a outro no horário de pico”
Quando você olha para Vadím Kalúguin é difícil acreditar que ele é um dos mais antigos condutores do metrô de Moscou, um verdadeiro veterano da profissão. Ele tem 55 anos e passou a maior parte da vida nos subterrâneos. Começou a trabalhar no metrô da capital russa logo após retornar do serviço militar, por conta de um conselho de sua sogra.
“Ela trabalhava na indústria da aviação e sabia o que significava ter um emprego com alta responsabilidade. E, para dizer a verdade, ela também gostava do uniforme dos metroviários. Algumas vezes nós somos, inclusive, chamado de 'pilotos dos subterrâneos', mas enquanto um piloto carrega 300 pessoas em um avião, eu conduzo mais de duas mil pessoas em um trem no horário de pico! Acho que nosso trabalho envolve ainda mais responsabilidade”, diz.
De acordo com Vadim, o metrô de Moscou não é só o mais bonito de todos, mas também o mais confiável.
“Mesmo nos anos 1990, quando passamos por uma forte crise econômica e muitas pessoas não recebiam seus salários, os condutores do metrô sempre foram pagos em dia e os trens saiam no horário. Afinal, se o metrô parar, a cidade inteira para”, avalia.
Vadim diz que o segredo do seu trabalho é seguir estritamente as instruções que recebe.
“No metrô, tudo ocorre a uma velocidade impressionante! O condutor não pode cometer nenhum erro. Nos meus 34 anos de trabalho, nunca recebi nenhuma advertência”, diz o dedicado funcionário que, infelizmente, irá se aposentar neste ano.
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