Ateus, graças a Deus: por que até mesmo quem não crê batiza os filhos na Rússia?

Estilo de vida
VICTÓRIA RIABIKOVA
Quase 90% dos russos ortodoxos são batizados. A grande maioria, porém, não o faz por vontade própria.

A russa Ekaterina, de 24 anos, era forçada pelo pai quando criança a frequentar a igreja. Por isso, ela se considera agora ateia. Ela se lembra do batismo da filha como "um acontecimento tedioso e inútil".

"E ainda tive que pagar 3,5 mil rublos (R$ 200)... Teria sido melhor comprar roupas para o bebê", afirma. Depois do batismo ela ainda não passou a acreditar em Deus e, pior, suas relações com os pais deterioraram.

Na Rússia, 86% das pessoas que se dizem ortodoxas fizeram a cerimônia do batismo. Desses, 66% foram batizados por decisão dos pais ou parentes e apenas 20% decidiram por si mesmos seguir a Ortodoxia, de acordo com o Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Rússia (VTsIOM, na sigla em russo).

Colocar velas para quem?

“Fui batizada à força aos 13 anos de idade. Era minha avó quem queria, e ela era religiosa. Então eu coloquei uma condição: não queria nenhuma lavagem cerebral, leitura de Bíblia e outras coisas assim, caso contrário não ia”, lembra Liudmila, de 43 anos, moradora de Iaroslavl.

Ela diz que suportou a unção com “asco” e, depois do ritual, “correu para se lavar”. A história se repetiu quando Liudmila deu à luz uma criança com deficiência.

“Minha mãe queria muito rezar por ela e colocar velas na igreja, e se tornou de repente muito devota. Na opinião dela, não era possível orar por uma neta que não tivesse sido batizada. Concordei, mas com a condição de que ela não seria forçada a nada”, diz Liudmila.

Dez anos depois, a criança se recuperou, mas Liudmila não acredita que a religião tenha influenciado.

“Eu fazia isso para agradar meus parentes. Mas a decisão deles eliminou completamente a possibilidade de a criança se desenvolver nesse ramo”, diz.

Sofia, de 30 anos, pensa diferente. “Não acredito em Deus e, por isso, nunca levei o batismo a sério. O batismo do meu filho parecia uma festa como outra qualquer”, diz.

Ela também batizou a criança a pedido dos pais. Segundo eles, só se podia rezar por uma pessoa batizada na igreja. Além disso, eles justificaram que somente uma pessoa nessas condições poderia ter uma missa em caso de funeral.

Medo pela criança e fé nos anjos

A Igreja Ortodoxa Russa não nega que o batismo seja apenas um procedimento formal para alguns pais, segundo o hieromonge Aleksander Mitrofânov.

“É justamente por isto que agora, antes do batismo com os pais e padrinhos, são realizadas conversas de divulgação. Mas é bastante lógico que um dos pais seja religioso e o ouro pelo menos não seja contrário a este ritual. Na verdade, é por isso mesmo que os padrinhos são necessários, pois são pessoas que se comprometem com Deus para ajudar na educação ortodoxa da criança”, explica Mitrofânov.

Religião e patriotismo

Na Rússia, ser ortodoxo passou a ser sinônimo de ser “russo de verdade”. “A ortodoxia significa uma afiliação etno-confessional”, diz Tatiana Koval, professora da Escola Superior de Economia de Moscou. A ortodoxia também corresponde às diretrizes ideológicas e políticas do atual governo.

“Daqueles que se consideram ortodoxos, somente 58% acreditam em Deus, enquanto 16% não acreditam em vida após a morte. Mas 75% dos ortodoxos acreditam em mau-olhado e deterioração, e a maioria trata os ícones como amuletos e sacramentos da igreja, como o batismo, como uma espécie de ritos mágicos. Isto significa uma mistura com o paganismo na Igreja Ortodoxa russa”, diz Koval.

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