Em meados de 2015, fazia um verão quente e ensolarado em São Petersburgo e a então universitária Sacha Kudelina completava 20 anos afogada em provas. Ela conseguiu um emprego noturno de meio período como gerente em um hotel e era uma moça como outra qualquer: receberia o diploma, participaria festas, teria namorado e entraria par a vida adulta.
Mas tinha algo acontecendo com seu corpo que ela não esperava. "Eu não sabia o que era. Comecei a ter dores agudas na região inferior do abdômen e parte inferior das costas. Quando a dor vinha, eu tinha que correr para o banheiro. Acontecia umas 20 vezes por dia. Sempre tinha sangue na minha cadeira", conta.
Ela foi diagnosticada com retocolite ulcerativa, uma doença inflamatória intestinal. Quatro anos depois, o cólon dela foi removido. Foram os quatro anos mais difíceis de sua vida. A cirurgia, chamada colectomia, é o último recurso quando a medicação não funciona.
Após a operação, Sacha começou a fazer um blog, o “Sasha govorit”, no qual começou a falar sobre a vida antes e depois da cirurgia. Ela postava suas fotos sempre feliz, mesmo com a bolsa de colostomia, e explicava que o diagnóstico não era uma sentença.
Mas, depois que vários jornais mostrarem a história dela, Sacha se deparou com uma reação muito diversa. "Na minha conta do Instagram, eu não vejo comentários negativos, mas em sites de notícias há coisas horríveis. As pessoas dizem ‘eu não tenho que ver isso’ e ‘por que aterrorizar as crianças?’. O comentário mais frequente é o de que eu deixo as pessoas desconfortáveis quando me aproximo".
‘Sentei no chão e chorei’
"Não me lembro se percebi o que estava acontecendo comigo. Percebi que era uma doença desagradável. Agora, até tento me lembrar do que senti quando fui diagnosticada... Acho que minha reação foi algo como: ‘Tá bom, tudo bem, então eu vou viver assim’. Eu não sabia que meu cólon seria removido e que eu, ainda jovem, sairia por aí com uma bolsa de colostomia", diz Sacha ao Russia Beyond.
A colite ulcerativa é uma doença autoimune. Ela ocorre em menos de 0,1 por cento das pessoas, ou seja, ocorre em 35 a 100 pessoas a cada 100.000. Normalmente, é causada por uma predisposição genética e ambiente desfavorável.
Em algumas pessoas, a doença pode ser desencadeada por antibióticos e, em outros, por ingestão de alimentos gordurosos. O caso de Sacha foi desencadeado por estresse: atritos e excesso de trabalho por causa dos turnos noturnos. A maioria das pessoas passa por períodos de remitência, mas, às vezes ela não dura muito e começa tudo de novo.
"Agora, eu me lembro da seguinte forma: dia 9 de julho, segunda-feira, tive alta do hospital, estava tudo bem, sangrava menos, apesar de não ter parado completamente. Em 15 de julho, meus amigos e eu planejávamos nos encontrar para assistir a final da Copa do Mundo de futebol, o tempo estava incrível e ensolarado, e eu estava usando um vestido leve e fino e sandálias. Meu amigo e eu estávamos no metrô quando senti meu abdômen começando a doer. Eu subia a escada rolante com os olhos estourando e meio inconsciente. Saí correndo do metrô, bem no centro da cidade, para um KFC próximo, chorando, com sangue escorrendo pelas pernas e havia uma enorme fila para o banheiro. Eu ultrapassei todo mundo e entrei no banheiro. Sentei no chão e chorei porque não sabia o que fazer. Uma faxineira viu tudo e me deu um rolo de papel toalha. Tirei o vestido e comecei a lavá-lo.”
Não foi o único incidente do tipo com ela. Houve muitos outros. Não é de surpreender que, depois disso, uma operação para remover o cólon e a perspectiva de andar com uma bolsa de colostomia pelo resto da vida parecesse uma boa opção.
"Não foi uma decisão difícil. Naquele momento eu já não me importava mais", diz ela.
Nem tão horrível
Sacha aceitou a ideia da bolsa. Seus pais e amigos próximos também. O problema foi todo o resto das pessoas. Parentes distantes e conhecidos começaram a telefonar.
"Eles me diziam: 'Pense em como você vai viver sem um órgão interno, você vai se desfigurar'. Eles diziam que ninguém iria me querer assim e que eu não poderia ter filhos", conta.
"Na Rússia, o modo como as pessoas lidam com alguém com uma bolsa de colostomia é complicado, porque geralmente ela fica escondida sob as roupas. Aqui, as pessoas ainda acreditam que é impróprio exibir a bolsa. Eu, por exemplo ainda não estou pronta moralmente para aparecer em alguma praia na Rússia de biquíni. Os russos acham que verão alguma coisa saindo de mim, ou que vou ter um odor ruim. As pessoas com deficiência visual não têm medo de usar óculos, então, por que eu deveria ter vergonha de usar biquíni?", diz.
Nos quatro anos em que Sacha teve recolite ulcerativa, viajou algumas vezes, apesar das dificuldades de fazê-lo com a doença.
"Quando os médicos sabiam que eu viajava com a doença, diziam que, com meu diagnóstico, era arriscado ir até mesmo à dátcha [casa de campo na Rússia]. Infelizmente, como eu ainda consigo viajar e sorrir, e ainda sou uma garota bonita, as pessoas se irritam".
Sacha nunca se pergunta "por que eu?". Segundo ela, é preciso se aceitar. "Comecei a escrever o blog para ajudar quem tem que conviver com isso. Não estou promovendo a colectomia. O que quero dizer é que estou feliz e que não é tão horrível assim a vida após o diagnóstico", diz.
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