Novo game recria tédio e desespero em cidade remota no inverno russo

Estilo de vida
GUEÓRGUI MANÁEV
“É inverno” simula vida tão pouco otimista e ameaçadora quanto a própria realidade.

É noite e de repente você acorda em um apartamento em uma cidade russa. Você é pobre e nem tem computador, só um rádio na cozinha. Vejamos se há algo para comer na geladeira: tomates, ovos e outras coisas mais. O micro-ondas funciona, mas o aquecedor de água, não – portanto, nada de beber chá. Na sala, duas flores enfeitam o parapeito da janela. Há um tapete pendurado na parede. Lá fora neva sem parar...

O jogo It’s Winter  (“É Inverno”) faz parte do projeto ZIMA, obra do poeta moscovita Iliá Mazo, e é perfeito para os amantes da arte sombria russa. O autor o chama de “ópera digital” e inclui um livro de poemas, um curta-metragem, um álbum musical e uma performance teatral que ainda não foi apresentada.

Uma realidade que não funciona bem      

O que mais atraiu a atenção do público foi o jogo, em vez dos poemas e da peça. Está disponível da plataforma Steam desde o início de março e parece um simulador perfeita da vida russa. Bem, na verdade, um simulador da pior versão da vida russa.

Criado por Aleksandr “sad3d” Ignátov, “É inverno” é um simulador de exploração. Assim como em “Dear Esther”, desenvolvido pela The Chinese Room, o jogador só pode andar e interagir com objetos selecionados. É possível abrir e fechar a geladeira, ligar e desligar a luz, mas não se sentar ou deitar. Além disso, quando o rádio está ligado, a transmissão é estática, e um poema é lido com a voz de uma garota.

Fora do apartamento, só é possível recolher o lixo espalhado no corredor. As portas de outros apartamentos não abrem, por mais que sejam golpeadas. No pátio, encontram-se alguns balanços vazios, as janelas iluminadas de outras casas (também sem acesso) ou lojas fechadas. Ao tentar sair, no melhor dos casos, vê-se um trator solitário; ao tentar andar pela floresta, o jogo começa a desacelerar até ficar preso nas texturas. Aparentemente, é uma falha técnica na Matrix russa. 

O que atraiu a maioria dos jogadores é a sensação de estar preso. De fato, uma das características da vida nas periferias de uma cidade russa é que todo dia é a mesma coisa, sobretudo no inverno. A paisagem é meticulosamente elaborada, e foi dada grande atenção aos detalhes. Mas o jogo requer aperfeiçoamento.

“A primeira coisa que fiz foi jogar os poemas na privada”

Estou no corredor,

Mastigando um pedaço de bolo.

Saí da cozinha

Mas não havia necessidade de entrar no quarto.

Este é um dos mais de cem poemas incluídos no livro de poesias criado para o projeto. Todos são minimalistas e têm pouco significado ou imagens. No curta, os poemas do livro são lidos ou cantados por músicos obscuros russos.

No entanto, os usuários do Steam não prestam muita atenção aos poemas, embora Iliá Mazo, o criador do jogo, diga que são “o eixo” do projeto. “A primeira coisa que fiz foi jogar os poemas na privada”, escreveu um usuário na página do jogo no Steam. Os russos querem apenas jogar esse simulador – e que seja preciso.

“Há bitucas de cigarro por toda parte, mas você não pode fumar. Não há ‘desespero russo’ sem nicotina”, diz outro jogador. “Eu gostaria que a cidade fosse mais real, eu quero que haja barulho nos andares vizinhos, gritos de bêbados das janelas.”

Mesmo assim, os jogadores russos não perdem o senso de humor: “Crie uma versão com múltiplos jogadores, quero competir com meu amigo bebendo vodca”, ou “Por que só posso fazer ovos mexidos? Não posso fazer sopa? Estava batendo nas batatas e no repolho com uma faca por um tempão, mas não consigo cortá-las! POR QUÊ?”.

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Alguns competidores de língua inglesa também apreciaram o projeto.

“Se acha que sua vida está cheia de coisas, compre o jogo, é muito relaxante. Meu maior conselho é ligar a banheira e a pia, e esperar pelos sons de água corrente para levá-lo ao seu próprio mundo dentro do jogo. Cria uma boa atmosfera, é um pouco repulsiva, porém muito relaxante. Mantenha um humor mais sombrio”, diz um deles.

No entanto, outros usuários foram muito mais céticos. Como um crítico apontou, o programa é muito exigente para um jogo independente baseado no moto de jogo Unity. “É demais vender um jogo que pode ser compilado no Unity por 200 rublos (cerca de 3 dólares)”, destaca um usuário. “Não vale a pena pagar pelo jogo. Trata-se de uma boa ideia, mas queremos mais interações, mais conteúdo”, continua.

Mas os desenvolvedores justificam: “Somos completamente independentes e apenas em dois, por isso o jogo não é otimizado em termos de hardware. (...) Fizemos o possível para criá-lo, não nos culpe porque não funciona corretamente em seu PC, porque, caso contrário, você nem terá jogos sobre o inverno russo”.

E eles estão certos.

O que está claro é que os russos não sentem dor ou desespero suficientes. “Eu estou jogando um simulador de vida em uma casa de concreto, enquanto estou sentado em uma casa de concreto. Esperando a versão de realidade virtual ser lançada, para fugir da realidade para a realidade”, conclui um jogador.