Góticos, emos e outras subculturas: onde foram parar na Rússia?

Estilo de vida
EKATERINA SINELCHIKOVA
No final dos anos 1990 e ao longo dos 2000, a Rússia testemunhou um boom de subculturas composta por jovens que nasceram poucos anos antes. Góticos, punks, emos, metaleiros e amantes de anime – mas onde estão essas pessoas agora?

Em meados dos anos 2000, Timur era gótico. Depois de terminar seus estudos em uma cidade provinciana, começou a buscar um visual diferente. Na época, não existia Facebook, VK, ou Instagram (as redes sociais surgiram na Rússia em 2006), então, ele só podia conversar com novas pessoas em fóruns e conhecê-las em lugares discretos que tinham “vibe” especial – fábricas abandonadas ou antigos cemitérios.

“Certa vez estávamos conversando em um cemitério à noite, quando alguém nos abordou. Eram dois adolescentes. Eles hesitaram por um tempo e puxavam a manga um do outro, porque estavam com medo de falar. Eventualmente, um deles perguntou:

“Vocês são góticos?”

“Sim”

“Qual é o seu critério para se tornar um gótico?”

Nunca tinham feito uma pergunta tão incomum antes.

Por volta dessa época, circulavam na internet “regras góticas” para definir o que um gótico deveria ou não fazer, mas apenas crianças levavam esses sites a sério. Isso começou a acontecer também nas casas noturnas. As expectativas intelectuais e culturais dos grupos e seus líderes determinavam se alguém seria aceito ou não. Em alguns grupos, era preciso ouvir músicas do HIM ou The Rasmus “para se tornar um gótico”, enquanto em outros tal pessoa era expulsa e vítima de escárnio.

“Eu morava em um bairro bem ruim, mas por alguma razão inexplicável os caras locais nem se aproximavam. Mais tarde, descobri que eles me chamavam de ‘batman’. Eles não me incomodavam porque achavam que eu era estranho e era melhor não mexer com malucos”, conta Timur.

O movimento gótico terminou abruptamente em 2010.

“De repente tudo desapareceu e se tornou irrelevante. Os antigos góticos cresceram e se adaptaram a uma vida comum. Menos pessoas participavam de eventos góticos. Ficou tão ruim que multidões de pessoas aleatórias compareciam a esses eventos para ver góticos e saiam decepcionadas. Os góticos simplesmente pararam de frequentar esses locais”, lembra.

Aos 30 anos atualmente, Timur é empresário e possui um centro educacional psicológico, mas ainda se lembra com carinho de seus anos góticos, particularmente suas bandas favoritas, seu amor por Edgar Allan Poe e seus coturnos de sola grossa.

“Cada geração tem suas próprias tendências. Essa foi uma subcultura da geração Y russa e eu não me arrependo de ter feito parte dela”, acrescenta.

“Seria melhor ter visto pornô” – amantes de anime

“Meus pais pensam em quebrar meu computador há quase cinco anos. Antes eram videogames, agora é anime. Até agora, eles só conseguiram quebrar minha tela uma vez. Oitenta por cento dos meus amigos acham que minha obsessão por animes é anormal. Eu só tenho um amigo que gosta de anime, mas ele se juntou ao Exército. Todos tentaram ao máximo proibir meu vício, mas isso não me coibiu. A única crise que tive foi quando minha mãe me pegou assistindo hentai (anime pornô). Foi um grande choque para ela, e ela estava pronta para me levar a um psicólogo”, escreveu usuário anônimo em um fórum on-line em 2007.

A cultura dos animes chegou à Rússia no final da década de 1980, juntamente com filmes piratas.

“Os gravadores de VHS foram trazidos do Japão e dos EUA e, muitas vezes, os ‘piratas’ criavam séries baseadas em um filme. Por exemplo, depois de assistir ao filme americano ‘Cobra’, estrelado por Sylvester Stallone, eles escreveram uma série chamada ‘Primeira da Estrela do Norte’”, diz Nikolai Novitski, de 38 anos.

Sua obsessão por anime ainda segue viva. Novitski continua frequentando festivais de anime, onde ajuda e até organiza eventos.

“Eu pareço mais com um personagem de anime hoje do que há 20 anos. Até algumas semanas atrás, eu tinha um cabelo moicano e verde. Eu não preciso trabalhar, então, estou em casa no momento”, conta. Antes disso, Nikolai costumava trabalhar como gerente de logística em um pequeno armazém. 

“Era estranho ser um zé ninguém” – emo e rock alternativo

“Nós alargamos nossas orelhas, fizemos piercings nos lábios, línguas e até nossas bochechas. Nós tingíamos o cabelo e nos shows pulávamos do palco para a plateia”, recorda Edward, de 26 anos.

Eles praticamente fizeram tudo o que seria considerado emo ou “alternativo”, subculturas que não tinham limites claros e combinavam heavy metal, punk e rap.

“Eu me lembro de como nós reuníamos cerca de 50 pessoas para ouvir músicas, beber ‘blazer’ (um refrigerante alcoólico que custa o mesmo que uma caixinha de suco) e cortar nossos pulsos”, conta Edward, aos risos. “Tudo bem, estou brincando em relação aos pulsos. É realmente irritante que as pessoas pensem que os emos estão sempre chorando e cortando os pulsos. Apenas certos indivíduos que não pensavam direito faziam isso. Na realidade, todos éramos realmente introvertidos, cheios de energia e amor, e sempre nos unimos”, continua o jovem.

Agora, Edward produz vídeos. “Quando estava crescendo, trabalhei em canteiros de obras. Mais tarde, como garçom. E então percebi que esses empregos não eram para mim. Eu também não suportava a ideia de um trabalho de escritório”, completa.

“Era muito estranho ser um zé ninguém sem legado a deixar para trás”, diz a “ex-alternativa” Karina, de 26 anos. Em 2007, ela teve sua própria banda. “Pagávamos 150 rublos (US$ 6) por hora para tocar em um estúdio de papelão esfumaçado, onde os microfones e os amplificadores de guitarra davam choque elétrico”, relembra.

“Naquela época, o uso de internet era racionado. Você tinha que comprar um cartão para acessar a internet por, no máximo, quatro horas em um quiosque, onde também se vendia jornais. Usávamos a internet para imprimir letras de músicas em inglês, para que pudéssemos entender as letras e pronunciá-las corretamente. Nós venerávamos bandas como Linkin Park e Limp Bizkit ”, conta Karina. Por muito tempo, depois que seu grupo se desfez, ela trabalhou como fotógrafa, mas agora é maquiadora.

“É claro que não me esqueci como tocar violão, mas não canto ou toco mais para ninguém, porque sinto muita vergonha”, explica.

Já Igor Kanpranov, o ex-solista do Amatory, um dos grupos de metal mais populares na Rússia no início dos anos 2000, sofreu uma transformação radical.

Ele ainda tem um alargador no ouvido de seus anos como rockstar, mas atualmente canta em um coral de igreja. Ele acredita que encontrar Deus o salvou da depressão e das drogas, que atormentavam sua vida na música.

Culto a 2007

Há uma teoria de que as subculturas jovens, no sentido comum da palavra, desapareceram e que voluntários e ativistas dos direitos animais substituíram góticos e emos. Na Rússia, a chamada geração do milênio está preocupada com outras questões. “Estamos falando de papéis de gênero, xenofobia, patriotismo (Crimeia) e um estilo de vida saudável. Este último é particularmente importante”, conclui Elena Omeltchenko, pesquisadora de subculturas na Escola Superior de Economia.

“Há também a teoria de que essas subculturas jamais morreram. Nós simplesmente nos esquecemos delas. Embora seja possível que sejam menos populares, seus representantes ainda existem. É como dizer que, quando a demanda por um tipo de determinado de carne cai, nós paramos completamente de consumi-la”, diz Nikolai.

“Fui a um show da Jane Air em Moscou (grupo russo de rock popular entre os emos) com meu amigo John em janeiro de 2016 e, bem ao lado, estava rolando uma festa emo. Era uma verdadeira festa emo cheia de piercings, franjas longas, cabelos coloridos! Até as músicas eram as mesmas. Era uma espécie de culto a 2007. A única diferença era que John e eu não éramos mais os mesmos, mas nós ainda gostávamos do show da Jane Air como nos bons e velhos tempos”, conclui Edward.

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