“Eu gostaria de passar a bola ao presidente, ainda mais que os EUA receberão a Copa do Mundo em 2026”. Foi com estas palavras que o presidente russo Vladimir Putin presenteou seu par norte-americano, Donald Trump, com uma bola logo após o término do campeonato na Rússia.
Das mãos de Trump, a bola voou para a primeira fila, para as mãos de sua mulher, Melania, foi prometida ao filho dos dois, Barron, e figurou na maioria das fotos conjuntas dos presidentes.
“Eu acredito que o filho de Trump ficará feliz quando a mãe lhe trouxer esta bola, ainda mais com o autógrafo do presidente Vladimir Vladimirovitch [Putin], com certeza!”, escreveu no Twitter, empolgada, uma russa que seguia as notícias. E ela não foi a única a emitir esta opinião.
Não é bem assim
“Acabo de ver um agente dos serviços secretos norte-americanos colocando a bola que Putin deu a Trump em um scanner de segurança fora do Palácio Presidencial. Ele não riu quando eu fiz piada sobre isto”, escreveu no Twitter o correspondente da NBC Bill Neely.
A “demonização” da bola foi incorporada pela tuitada áspera do senador republicano Lindsey Graham: “Se fosse eu, checaria a bola de futebol em busca de dispositivos de escuta e nunca a deixaria entrar na Casa Branca.”
Depois disto, parece que não restaram dúvidas: o destino da bola é ser rasgada em pedacinhos pelos serviços de segurança.
‘Todo mundo presenteava com um Lênin’
Você tem razão se pensou que, nas relações diplomáticas e presidenciais, não pode haver presentes acidentais.
Todo um serviço de dezenas de pessoas sempre se ocupou desta questão. Protocolo é protocolo. E ele é, em sua maior parte, universal em todos os países.
Mas, por protocolo, só se anuncia que um presente será entregue, diz Vladímir Chevtchenko, ex-chefe do serviço de protocolos da URSS e do primeiro presidente da Rússia, Borís Iéltsin. Depois disto, as partes pensam por si próprias no objeto e em seu destino.
Nos tempos de Khruschov, por exemplo, Vladímir Lênin estava na moda. Carregava-se sempre consigo um Ilitch quando se ia a congressos de partidos comunistas ou dos trabalhadores em outros países. Alguns ganhavam grandes, outros, menores.
Depois, a abordagem mudou. “Trabalhei na seção de presentes por dois ou três anos. Sempre, antes de se dar um presente, é preciso estudar a pessoa. Quando fomos pela primeira vez aos EUA, a encontro com Regan, soubemos que ele gostava de cavalos. Encomendamos para ele uma sela do Quirguistão, porque os quirguizes faziam as melhores celas soviéticas. Eles a enfeitaram de um jeito muito bonito. O mais importante, porém, era não o enfeite, mas o cilhão em si. Para poder fazê-lo era preciso saber o peso do cavalo do presidente...”, conta Chevtchenko.
Acontece de presentes serem comprados já prontos, em exposições ou antiquários. Mas é mais frequente que se anuncie uma licitação e o objeto seja feito sob encomenda. Se o escolhido for um relógio, então ele só pode ser de fabricação russa.
“Além disso, firmamos um acordo com o fabricante: esses modelos não podem entrar em venda aberta aos consumidores em geral”, contam os funcionários do serviço de protocolos. Também existe uma regra quanto ao preço, que não pode ultrapassar os 6 mil rublos (R$ 360).
‘Barraquinha de suvenires’ do presidente
A etiqueta não permite que se presenteie com objetos caros, como imóveis, veículos ou pedras preciosas. Durante o governo de Mikhaíl Gorbatchov, todos os presentes recebidos custavam mais de 500 dólares (R$ 2000): broches, caixas, relógios...
Eles eram destinados ao Gokhran (sigla, em russo, para “depósito estatal”) e, depois, parte deles era disposta no Museu da Revolução.
Hoje, os presentes são enviados a uma instalação especial próxima à biblioteca presidencial, em um dos prédios do Kremlin. Se o valor do objeto for de mais de 40 mil rublos (R$ 2.400), ele automaticamente torna-se propriedade do Estado.
Se houver interesse, ele pode ser resgatado. O presidente tem o direito de levar consigo tudo o que custar menos de 640 dólares. Putin, por exemplo, pegou para si os bichinhos de estimação, ícones religiosos presenteados pelo Patriarca (equivalente ao Papa na Igreja Ortodoxa Russa), ovos de Páscoa, a imagem da Mãe de Deus bordada presenteada por uma habitante da Letônia, mitenes de uma vovó anônima da cidade russa de Tcheboksária e uma coleção de perfumes do grupo de rock russo “Liube”.
Mas tudo o que chega ao Kremlin ou às mãos do presidente passa por dezenas de pessoas. Inicialmente, os presentes são abertos e adicionados à lista do serviço de protocolos. Despois, eles são analisados pelo Serviço Federal de Segurança.
“Encontramos equipamentos de escuta plantados. Não direi em qual presente especificamente, mas em algum deles”, diz o ex-funcionário da administração presidencial Andrêi Koliadin.
Uma história que já se tornou um clássico é a do brasão de madeira soviético com escutas que foi presenteado a diplomatas dos EUA nos anos 1940 e ficou por oito anos pendurado em sua embaixada em Moscou.
A escuta não emitia quaisquer ondas e correntes que pudessem ser detectadas por dispositivos externo. Ele era “passivo”, ou seja, gerador e bateria de microondas estavam instalados em um prédio residencial em frente ao edifício da missão diplomática norte-americana.
Com isso, dá para entender melhor por que os serviços de segurança de Trump não acharam nada engraçada a piada do jornalista sobre a bola de Putin.
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