Um culto à folga: a preguiça russa através dos séculos

Estilo de vida
ALEKSANDRA GUZEVA
Moleza e inatividade são muitas vezes consideradas características tipicamente russas, mas não é tão simples assim. A cultura de indolência no país tem raízes profundas e um significado especial, e, diante de certas circunstâncias, os preguiçosos por excelência podem de repente se sentir inspirados a entrar em ação.

O símbolo máximo da preguiça russa é Iliá Oblomov, personagem do romance de Ivan Gontcharov. Oblomov é um homem absolutamente fraco, totalmente dependente de seu servo. Ele não sofre de depressão; a preguiça é seu modus operandi.

A ociosidade era uma espécie de símbolo de status entre os nobres do século 19, e havia até um fenômeno social chamado oblomovchina. Os aristocratas russos que possuíam camponeses a seu dispor podiam se dar ao luxo de não trabalhar porque suas necessidades materiais eram atendidas pelo trabalho servil. Com muito tempo em mãos, esses nobres passavam dias e horas em bailes e outras recepções da alta sociedade, gastando a riqueza gerada por outros.

Inspirado por Oblomov, o fotógrafo japonês Ikuru Kuwajima viajou pela Rússia, tirando fotos de si nesse estilo preguiçoso: autorretratos no sofá no estilo fiel do herói de Gontcharov. Mas o que está por trás deste projeto? Vamos dar uma olhada nas raízes e na história da ociosidade russa. 

Iliá Muromets

Tudo começou com dois personagens de contos folclóricos russos.

O primeiro é Iliá Muromets, que vivia deitado sobre um grande forno russo por 33 anos, mas, depois de ganhar o poder mágico de um grande guerreiro (bogatyr) derrotou seus inimigos e as forças do mal. Essa imagem simbólica reflete a tendência nacional de se esconder no casulo até que algo perigoso aconteça, exigindo que se levante e parta para luta.

Iliá Muromets é o mais famoso de todos os bogatyrs russos, e sua imagem aparece em dezenas de bilinas, os poemas épicos eslavos.

O artista Viktor Vasnetsov pintou diversas telas usando a imagem de Muromets, há monumentos a ele e até mesmo aviões militares nomeados em sua homenagem. 

Emelia

Outro personagem é Emelia, ou como é frequentemente chamado, “Emelia no fogão”.

Trata-se de um preguiçoso profissional que também vivia deitado sobre o forno e só se levanta quando acha que pode tirar alguma vantagem.

Certo dia, ele acha uma varinha mágica que satisfaz seus desejos, entre os quais a maioria tem a ver com tarefas domésticas: buscar água, cortar lenha e “pilotar” o fogão.

Este é um dos contos de fada mais populares da Rússia, várias vezes animado na URSS e transformado em conto literário pelo escritor Aleksêi Tolstói.

Provérbios

Os provérbios russos também indicam a ociosidade como característica nacional: “O trabalho não é um lobo – ele não vai fugir para a floresta”. Mas há dizeres que inspiram as pessoas a agir, como, por exemplo: “Deus ajuda quem cedo madruga”. 

Preguiça na URSS

A realidade soviética tornou o oblomovchina quase impossível, porque a lei obrigava todos a trabalhar. Era preciso ter um emprego para “engrandecer o país” – isso fazia parte da ideologia oficial. A lei teve consequências terríveis para muitas pessoas nas artes; por exemplo, o poeta Joseph Brodsky foi condenado a um campo de trabalho pelo crime de “parasitismo social”. Apenas um homem educado pelo Estado e aprovado por uma comissão oficial poderia ser um escritor profissional. A maioria dos autores soviéticos era obrigado a combinar arte e trabalho “de verdade”.

O filme “Operação Y e Outras Aventuras de Shurik”, de Leonid Gaidai, satiriza a imagem do homem preguiçoso nessa época. O ingênuo estudante Shurik passa o verão trabalhando em um canteiro de obras ao lado de um “colega” condenado que tenta se aproveitar do estudante e enrola enquanto Shurik fica trabalhando sem parar.

Parasitas modernos

Hoje, muitos russos consideram como “parasitas” as pessoas que, com o pretexto de adotar um novo estilo de vida, alugam seus apartamentos em Moscou e se mudam para Tailândia, Índia ou algum outro lugar na Ásia para meditar e curtir a vida.

O mesmo nível de crítica é reservado aos YouTubers e blogueiros que, para muitos, “não fazem nada e só gravam vídeos idiotas” para ganhar dinheiro com publicidade.

A exposição de fotos “Eu, Oblomov” será aberta em 19 de abril no Centro de Fotografia Irmãos Lumière, em Moscou.

Por os russos têm aparência reservada? Veja aqui algumas explicações.

Quer receber as principais notícias sobre a Rússia em seu e-mail? 
Clique 
aqui para assinar nossa newsletter.