Um culto à folga: a preguiça russa através dos séculos

Mosfilm
Moleza e inatividade são muitas vezes consideradas características tipicamente russas, mas não é tão simples assim. A cultura de indolência no país tem raízes profundas e um significado especial, e, diante de certas circunstâncias, os preguiçosos por excelência podem de repente se sentir inspirados a entrar em ação.

O símbolo máximo da preguiça russa é Iliá Oblomov, personagem do romance de Ivan Gontcharov. Oblomov é um homem absolutamente fraco, totalmente dependente de seu servo. Ele não sofre de depressão; a preguiça é seu modus operandi.

A ociosidade era uma espécie de símbolo de status entre os nobres do século 19, e havia até um fenômeno social chamado oblomovchina. Os aristocratas russos que possuíam camponeses a seu dispor podiam se dar ao luxo de não trabalhar porque suas necessidades materiais eram atendidas pelo trabalho servil. Com muito tempo em mãos, esses nobres passavam dias e horas em bailes e outras recepções da alta sociedade, gastando a riqueza gerada por outros.

Inspirado por Oblomov, o fotógrafo japonês Ikuru Kuwajima viajou pela Rússia, tirando fotos de si nesse estilo preguiçoso: autorretratos no sofá no estilo fiel do herói de Gontcharov. Mas o que está por trás deste projeto? Vamos dar uma olhada nas raízes e na história da ociosidade russa. 

Iliá Muromets

Tudo começou com dois personagens de contos folclóricos russos.

O primeiro é Iliá Muromets, que vivia deitado sobre um grande forno russo por 33 anos, mas, depois de ganhar o poder mágico de um grande guerreiro (bogatyr) derrotou seus inimigos e as forças do mal. Essa imagem simbólica reflete a tendência nacional de se esconder no casulo até que algo perigoso aconteça, exigindo que se levante e parta para luta.

Iliá Muromets é o mais famoso de todos os bogatyrs russos, e sua imagem aparece em dezenas de bilinas, os poemas épicos eslavos.

O artista Viktor Vasnetsov pintou diversas telas usando a imagem de Muromets, há monumentos a ele e até mesmo aviões militares nomeados em sua homenagem. 

Emelia

Outro personagem é Emelia, ou como é frequentemente chamado, “Emelia no fogão”.

Trata-se de um preguiçoso profissional que também vivia deitado sobre o forno e só se levanta quando acha que pode tirar alguma vantagem.

Certo dia, ele acha uma varinha mágica que satisfaz seus desejos, entre os quais a maioria tem a ver com tarefas domésticas: buscar água, cortar lenha e “pilotar” o fogão.

Este é um dos contos de fada mais populares da Rússia, várias vezes animado na URSS e transformado em conto literário pelo escritor Aleksêi Tolstói.

Provérbios

Os provérbios russos também indicam a ociosidade como característica nacional: “O trabalho não é um lobo – ele não vai fugir para a floresta”. Mas há dizeres que inspiram as pessoas a agir, como, por exemplo: “Deus ajuda quem cedo madruga”. 

Preguiça na URSS

A realidade soviética tornou o oblomovchina quase impossível, porque a lei obrigava todos a trabalhar. Era preciso ter um emprego para “engrandecer o país” – isso fazia parte da ideologia oficial. A lei teve consequências terríveis para muitas pessoas nas artes; por exemplo, o poeta Joseph Brodsky foi condenado a um campo de trabalho pelo crime de “parasitismo social”. Apenas um homem educado pelo Estado e aprovado por uma comissão oficial poderia ser um escritor profissional. A maioria dos autores soviéticos era obrigado a combinar arte e trabalho “de verdade”.

O filme “Operação Y e Outras Aventuras de Shurik”, de Leonid Gaidai, satiriza a imagem do homem preguiçoso nessa época. O ingênuo estudante Shurik passa o verão trabalhando em um canteiro de obras ao lado de um “colega” condenado que tenta se aproveitar do estudante e enrola enquanto Shurik fica trabalhando sem parar.

Parasitas modernos

Hoje, muitos russos consideram como “parasitas” as pessoas que, com o pretexto de adotar um novo estilo de vida, alugam seus apartamentos em Moscou e se mudam para Tailândia, Índia ou algum outro lugar na Ásia para meditar e curtir a vida.

O mesmo nível de crítica é reservado aos YouTubers e blogueiros que, para muitos, “não fazem nada e só gravam vídeos idiotas” para ganhar dinheiro com publicidade.

A exposição de fotos “Eu, Oblomov” será aberta em 19 de abril no Centro de Fotografia Irmãos Lumière, em Moscou.

Por os russos têm aparência reservada? Veja aqui algumas explicações.

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