No início de março, devido à crise na Ucrânia, a Boeing e a Airbus retiraram suas aeronaves arrendadas por companhias aéreas russas e interromperam sua manutenção. Com isso, cerca de 80% de toda a frota de aeronaves civis na Rússia permanece parada em hangares.
No total, a Rússia possui cerca de 1.300 aeronaves civis de curto, médio e longo alcance, das quais 824 pertencem às empresas Airbus e Boeing.
Cenário sem precedentes
De acordo com especialistas em aviação, a situação atual é inédita, por isso soluções rápidas simplesmente não existem.
Algo semelhante aconteceu no Irã após a Revolução Islâmica de 1979, quando o país também esteve sob pesadas sanções americanas. No entanto, Teerã conseguiu salvar uma parte de sua frota aérea civil e a utiliza até hoje.
Desse ponto de vista, a Rússia está em uma posição mais privilegiada, porque tem grande experiência na produção de aviões militares e civis próprios desde a era soviética.
No entanto, hoje em dia, o país não possui tantas aeronaves fabricadas na Rússia. De acordo com as previsões mais otimistas, o país precisará de pelo menos 1 a 3 anos para iniciar a produção de aviões em grande escala.
Segundo especialistas, a crise nas empresas de viagens aéreas civis russas começou há dois anos, quando a demanda por viagens caiu significativamente devido à pandemia. Hoje, em virtude das novas sanções, destinos familiares para os russos permanecerão fechados.
A demanda por voos domésticos continua alta, mas ninguém sabe por quanto tempo. Considerando a rede ferroviária bem desenvolvida, a maioria das viagens aéreas internas poderá ser substituída por viagens de trem.
A principal razão pela qual os russos continuam a dar preferência a viagens de avião é o enorme território do país, e as viagens de trem levam incomparavelmente mais tempo. Além disso, na Rússia há várias áreas remotas que só podem ser acessadas por via aérea.
O que o governo pretende fazer?
De acordo com especialistas, a única solução em curto prazo é continuar usando aeronaves da Boeing e da Airbus para voos domésticos e, ao mesmo tempo, tentar restaurar a indústria de aviação civil local.
“Temos muitos centros de serviço certificados pela Boeing e Airbus, eles podem garantir a manutenção das aeronaves sem intermediários de fora. O principal problema são as peças de reposição. Neste momento, as companhias aéreas e os centros de serviços procuram formas de adquirir essas peças por meio de países terceiros, como a Índia ou a Turquia. Se conseguirmos as peças de reposição, poderemos continuar usando aviões estrangeiros na Rússia”, explica o especialista em segurança de voos Aleksêi Vlassov.
Segundo ele, a Agência Federal de Transporte Aéreo da Rússia já anunciou essa decisão como a única possível na situação atual e repassou as propostas ao governo russo.
“Os aviões continuarão voando. Não há escolha, esperar que o país crie suas próprias aeronaves não é uma solução. A continuidade do uso de aeronaves Boeing e Airbus daria à nossa aviação um ano ou dois [de sobrevida]”, diz.
A Rússia conseguirá substituir aviões estrangeiros por nacionais?
Moscou tentará sair da situação iniciando urgentemente a produção de suas próprias aeronaves. A situação com aeronaves de curto e médio alcance na Rússia não é crítica.
“Os voos regionais, com teto de até 3.000 quilômetros, serão realizados por aviões russos Sukhoi Superjet-100. Podemos produzir cerca de 30 aviões deste tipo por ano. Mas há uma nuance importante: eles são equipados com motores e eletrônicos franceses”, diz Vlassov.
A Rússia ainda não conta com motores próprios para aeronaves civis de curto e médio alcance e levará tempo para criar um.
“Um novo motor PD-8 está sendo desenvolvido, mas ainda não foi testado. A indústria precisa de pelo menos três anos para realizar os testes e lançar a produção em massa”, diz.
Segundo Vlassov, os primeiros aviões MS-21 de médio alcance (de até 6.000 quilômetros) começarão a ser produzidos até o final de 2022.
De acordo com as estimativas do chefe da corporação UAC, Iúri Sluzar, a Rússia pretende construir inicialmente 36 aviões MS-21 ao ano e aumentar esse número para 72 aviões por ano até 2025.
A Rússia também estuda a possibilidade de voltar a fabricar aeronaves soviéticas de médio alcance Tu-204 e Tu-214. Esses aviões são equipados com motores PS-90A, que ainda estão sendo produzidos no país. No entanto, segundo Vlassov, a retomada da produção exigiria mais tempo e esforços do que organizar a substituição de importação de peças e unidades para MS-21 e SSJ-100.
Os profissionais também têm dúvidas sobre a possibilidade de iniciar a produção do novo Il-96-400 de longo alcance, porque a empresa poderia fabricar apenas 2 a 4 aviões do tipo por ano. Desse modo, o custo de produção seria muito alto e é pouco provável que seja economicamente viável no futuro próximo.
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