Se você está pensando em trabalhar na Rússia ou quer fazer negócios com parceiros russos, esteja pronto para surpresas. Além de sua natureza geral nada sorridente e falta de simpatia por conversa fiada, muitas coisas podem parecer confusas para um estrangeiro que esteja entrando no mundo dos negócios com os russos pela primeira vez.
Da interação com os colegas até a negociação de acordos a portas fechadas, confira cinco curiosidades sobre o ambiente de trabalho com russos segundo os estrangeiros.
Trabalhando com os russos, é preciso estar pronto para vê-los mudar, de repente, a interação profissional para a pessoal, algo totalmente perturbador para norte-americanos e europeus, como conta Luke Conner, sócio-gerente do escritório de advocacia Conner & Company e presidente do British Business Club na Rússia.
“Eu tinha um colega russo para quem costumava dizer ‘oi’ todos os dias, e ele basicamente me ignorava todas as vezes: olhava para a parede e não dizia nada, talvez por timidez. Então, eu simplesmente seguia meu caminho, confuso”, lembra Luke.
Isso durou cerca de seis meses e, de repente, Luke ouviu uma resposta: "Sim, sim, oi".
“Para celebrar esse avanço, perguntei: 'Como você está?'; e ele respondeu que o pai tinha morrido no fim de semana. Levou um segundo para ele passar da indiferença total para algo profundamente emocional. Isso mostra um contraste entre as culturas russa e britânica. No Reino Unido, quando se pergunta a alguém ‘como você está’, ninguém realmente se importa com a resposta”, diz Luke.
“No início dos anos 2000, eu colocava minha equipe júnior russa sob muita pressão”, admite Lucio Puracchio, CEO da subsidiária de Moscou da Tenova, uma empresa que oferece soluções inovadoras para as indústrias de metais e mineração.
"Parecia que eles não estavam trabalhando duro o suficiente e eu exigia que eles se encontrassem com os clientes com mais frequência e fossem mais proativos", conta.
Mesmo que às vezes ele fosse duro, os colegas russos não levavam para o lado pessoal e reagiam muito bem.
"No dia seguinte depois de uma discussão séria, eu diria: 'desculpe, ontem eu estava muito emocional’. Mas aí eu ouvi: ‘Tudo bem, Lucio. Ontem foi ontem, e hoje é hoje’. Apesar de nossas diferenças culturais, eles me aceitaram do jeito que sou e fizeram o possível para se adaptar ao meu comportamento. Eu devo muito a eles, pois eles me ajudaram a desenvolver a tolerância em relação à diversidade cultural”, diz.
Prazos, estresse e ansiedade: isto é o que fazos russos prosperarem, segundo Salman Mufti, professor visitante da Skôlkovo Business School e professor da Smith School of Business da Queen’s University, no Canadá.
O curso que ele leciona em Skôlkovo envolve apresentações conjuntas que precisam ser feitas pelos alunos em equipes. Mas como os estudantes russos tendem a gastar muito tempo brigando, e geralmente fazem todo o trabalho no último minuto.
“Eu vejo isso acontecer na Rússia toda vez e sempre me preocupo com o fato de que eles não terminarão o trabalho no prazo. Mas, de alguma forma mágica, tudo rola. Eu acho que, às vezes, as pessoas na Rússia se colocam deliberadamente em uma situação estressante. Não tenho certeza se todos fazem isso, mas os alunos criam essa pressão por si mesmos, adiando até o prazo estar próximo, mas, de alguma forma, ainda conseguindo os melhores resultados", diz.
Salman acrescenta que, se colocados na mesma situação, os estudantes de outros países teriam dificuldade em lidar com essa ansiedade.
“Se os estudantes do Canadá enfrentassem tal pressão, eles ficariam tão estressados que não conseguiriam fazer nada. Mas, para os russos, é assim que eles prosperam. Eles geralmente têm uma melhor compreensão de como reagir em uma situação difícil. É provável que esse traço cultural também influencie os negócios”, diz Salman.
Você perceberá rapidamente que os russos são desconfiados, diz Tom Rawlins, professor da Skôlkovo Business School que foi pela primeira vez à Rússia em 1989 como aluno. Ele testemunhou o colapso da União Soviética e as subsequentes revoltas sociais e econômicas do país.
"As regras antigas deixaram de funcionar e milhões de pessoas tiveram que começar a cuidar de si mesmas em um ambiente em constante mudança", lembra ele, acrescentando que, nos países do capitalismo liberal, a situação era diferente porque as pessoas nunca esperavam muita ajuda do Estado para apoiá-las se algo desse errado.
“Eles não tinham em que ou quem confiar, o que era uma experiência traumática. Mesmo agora, muitos anos depois, os empresários russos acham difícil estabelecer parcerias produtivas com outros russos, e não apenas com estrangeiros”, conta.
O advogado Luke Conner concorda neste ponto. Muitas vezes, ele percebe que os clientes estão muito desconfiados no início.
“Eles pensam que enxergam o interior de todas as pessoas, inclusive eu, que são todas inimigas e querem tirar vantagem deles. É por isso que tentam exibir seu poder e se colocam em uma posição mais favorável”, explica.
“Isso acontece durante negociações e quando assinamos acordos. Ninguém tenta manter um equilíbrio de interesses. Se a sua posição for mais fraca - ou se as pessoas o virem como a parte mais fraca -, então você pode se encontrar em desvantagem porque os outros tentarão derrubá-lo. É difícil considerar essa abordagem como algo correto porque os melhores acordos são aqueles que beneficiam os dois lados”, diz Conner.
Você marcou uma reunião na semana que vem? Confirme no dia anterior para ter certeza absoluta, sugere Lucio Puracchio. Certa vez, ele tinha uma reunião com um cliente planejada para apenas dois dias depois e sequer pensou em confirmar na noite anterior.
"Meu assistente disse que seria uma boa ideia verificar novamente e confirmar a reunião, o que eu não achava necessário. E, realmente, o cliente não foi. Fiquei decepcionado. Meu assistente explicou que as pessoas na Rússia não planejam as coisas com muita antecedência, vão apenas seguindo as prioridades à medida que o dia acontece”, diz Lucio.
Ele acredita que essa tenha sido uma das lições mais importantes que aprendeu na Rússia e, desde então, não tenta planejar nada com muita antecedência. Ainda assim, há sinais de que isso está mudando.
“Nos últimos anos, tudo mudou. A regra russa que dita ‘não pense no futuro’ parece ter sido abandonada e agora os empresários começam a planejar com antecedência e são mais proativos. E isso nos leva à regra mais importante: para ter sucesso na Rússia, é preciso que a pessoa esteja sempre pronta a se adaptar rapidamente. Somos convidados, temos que estar interessados em mudanças, ao invés de pedir constantemente aos outros que mudem a nosso bel prazer”, diz.
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