Leonid Gaidai, o diretor que fez a URSS rolar de rir nos cinemas

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
Como um só homem conseguiu rodar tantas comédias icônicas que todo o país conhece de cor e salteado?

“As vida das pessoas é tão pesada... Então, que elas riam!”, disse Leonid Gaidai (1923-1993). Suas comédias, como “Cão Barbos” (Pios Barbos i neobychnyj kross, 1961), “Contrabandistas” (Samogonschiki, 1962), “Operação Y e outras aventuras de Shurik” (Operatsiya 'Y' i drugie priklyucheniya Shurika), “A prisioneira do Cáucaso” (Kavkazskaya plennitsa, 1967), “Braço de Diamante” (Brilliantovaya ruka, 1969), “Ivan Vassilievich muda de profissão” (Ivan Vasilevich menyaet professiyu, 1973), “ As Doze Cadeiras” (12 stuliev, 1973) e “Impossível” (Nie mojet bit!, 1975) - todos se tornaram líderes de bilheteria soviéticos, arrecadando milhões.

Trechos de falas desses filmes se tornaram frases de efeito, e suas trilhas sonoras atemporais também se engendraram na cultura popular. Os filmes de Gaidai não apenas permaneceram populares na URSS: eles continuam a fisgar o público na Rússia moderna e quem quer que os assista, no mundo inteiro, continua a morrer de rir. Qual seu segredo?

Charlie Chaplin, guerra, cinema

Leonid Gaidai nasceu em 1923 no Extremo Oriente russo, onde seu pai estava exilado e trabalhava na construção da Ferrovia Amur. Mais tarde, sua família mudou-se para Irkutsk, onde o menino se interessou por comédia desde cedo.

Charlie Chaplin era seu verdadeiro ídolo e Gaidai ia ao cinema local para assistir a todos os seus filmes (e às vezes se escondia entre as fileiras de assentos durante os intervalos para assisti-los novamente).

Mais tarde, a influência de Chaplin seria perceptível em seus filmes, por exemplo, em “O resgate do chefe vermelho”, baseado no conto homônimo de O. Henry, e que foi uma de suas primeiras obras. Como o filme é quase mudo, seu efeito cômico é baseado em situações e sons engraçados.

Formação

Muito jovem, ainda recém-saído da escola, Gaidai queria se alistar como voluntário e lutar na frente de guerra. Ele não se alistou imediatamente, mas foi convocado no outono de 1941, quando passou a servi na inteligência militar e até se destacou em batalha, lançando granadas em um posto de tiro alemão.

Em 1943, ele machucou gravemente o pé ao pisar em uma mina e não foi mais capaz servir nas forças armadas, já que o ferimento lhe demandou uma longa recuperação.

O jovem Gaidai voltou para Irkutsk e, depois de estudar em um estúdio de teatro, partiu para Moscou, onde ingressou no departamento de direção do Instituto de Cinematografia (VGIK). A partir daí, ele foi quase imediatamente aceito pela Mosfilm, o principal estúdio de cinema da URSS.

Gaidai queria trabalhar em apenas um gênero: a comédia. Apenas uma vez, no início de sua carreira criativa, a conselho de Ivan Piriev, diretor da Mosfilm, dirigiu um filme sério. A película tratava da Revolução e se chamava “Três vezes ressurrecto”. Mas a obra foi criticada e quase lhe custou a carreira.

O primeiro grande êxito de Gaidai foi o curta-metragem “Cão Barbos”, indicado a um prêmio no Festival de Cannes. Um trio de baderneiros de Gaidai – o Covarde, o Tolo e o Profissional – surge nesta comédia pela primeira vez, interpretado por Gueórgui Vitsin, Iúri Nikulin e Evguêni Morgunov. O público se apaixonou e eles estrelaram diversos outros filmes de Gaidai.

Gaidai conquistou fama nacional com a comédia "Operação Y e as outras aventuras de Shurik" (1965), um verdadeiro sucesso de bilheteria soviético. O protagonista é o estudante simples, mas honesto e cheio de princípios Shurik - que virou um verdadeiro herói soviético.

Na onda do sucesso sem precedentes, Gaidai rodou uma sequência do filme: “A prisioneira do Cáucaso” (1967), que também foi um sucesso de bilheteria.

Muito do humor nas comédias de Gaidai é baseado em piadas visuais. O efeito humorístico é amplificado pelos gestos e travessuras dos atores.

A comédia “Braço de Diamante” (1969) conta a história de um homem de família e honesto chamado Semion Gorbunkov. Um dia, porém, em uma viagem, uma gangue de ladrões engessa em seu braço quebrado, por engano, diamantes roubados. Este é um dos três filmes de maior bilheteria da história do cinema soviético.

Depois disso, em “Ivan Vassilievitch troca de profissão” (1973), baseado na peça de Mikhail Bulgakov, Shurik finalmente cresce e não é mais um estudante, e sim um cientista que construiu uma máquina do tempo.

Em geral, Gaidai costumava recorrer a clássicos da literatura para rodar seus filmes. Ele se inspirou, por exemplo, nas obras de O. Henry ("Negócios estritos"), de Iliá Ilf e Evguêni Petrov ("As Doze Cadeiras"), e de Mikhaíl Zoschenko ("Não pode ser!"), por exemplo.

“O tempo está bom em Deribasovskaia, chove novamente em Bright on Beach” (1993) foi o último filme que Gaidai rodou, já após a queda da URSS. Nele, o diretor nos faz rolar de rir sobre os líderes soviéticos e a KGB.

De acordo com a esposa do diretor, a atriz Nina Grebechkova, quando ainda jovem Gaidai se parecia com a personagem de Shurik. Nina e Gaidai estudaram juntos: ele era mais velho (já que só pôde estudar depois da guerra), e chamava a atenção, pois era magro e alto.

Gaidai flertava com Nina de maneira tímida e desajeitada, atravessando toda Moscou para acompanhá-la até sua casa, comprando flores para ela etc. Gaidai e Grebechkova se casaram quando ainda eram universitários, em 1953, e moravam juntos no mesmo quarto dos pais dela, separados do olhares dos sogros dele apenas por um grande armário.

No dia a dia o diretor era quase espartano: não exigia nenhum conforto, dedicando todo seu tempo ao trabalho (e passando mais tempo nos sets e nos estúdios da Mosfilm do que em casa).

Enquanto milhões de pessoas assistiam a suas comédias, como uma verdadeira estrela, o próprio Gaidai morava em um apartamento modesto e não tinha economias para restaurar a datcha, que tinha pegado fogo.

A esposa dele também ficou famosa como atriz: ela é a enfermeira do hospital psiquiátrico em "A prisioneira do Cáucaso" e a mulher do protagonista em "Braço de diamante".

Costuma-se dizer que comediantes e palhaços são pessoas infelizes e sombrias na vida real. Mas certamente Gaidai não era assim. Aqueles que conviveram com ele se lembravam que no dia a dia ele era incrivelmente espirituoso, tinha um senso de humor muito refinado, brincava, contava piadas divertidas e gostava de se divertir.

Gaidai via graça onde a maioria das pessoas não via – e revelava essa graça para todo mundo. Às vezes, ele chegava até a mostrar a seus atores como atuar em determinadas cenas.

O segredo do sucesso das comédias de Gaidai

Apesar do típico cenário soviético, seus filmes são compreensíveis e engraçados para os espectadores de todos os países e todas as idades. A atriz Natalia Varlei se lembrava de como na África viu pessoas ficarem encantadíssimas e rolar de rir com seus filmes.

O segredo estava no meticuloso trabalho do roteiro, assim como na escolha escrupulosa dos atores e da música. O roteirista de suas principais comédias, “Operação Y”, “A prisioneira do Cáucaso” e “Braço de diamante”, foi Iakov Kostiukovski, e ele se lembrava de como Gaidai e ele sempre trabalhavam juntos no roteiro e tinham uma “fórmula” própria. Eles sempre se perguntavam se a obra seria compreensível para alguma vovozinha de um lugar distante, por exemplo.

O ator Iúri Nikulin se lembrava que Gaidai colocava muitos detalhes em todas as cenas, que filmava e refilmava, sem poupar filme. O sinal mais importante para ele era que a equipe de filmagem e os projecionistas rissem. “Isso significa que tem algo de bom nesse filme”, dizia Gaidai. E assim ele fazia todo mundo rir.

LEIA TAMBÉM: 7 comédias imperdíveis de Leonid Gaidai

Para ficar por dentro das últimas publicações, inscreva-se em nosso canal no Telegram