Lev Tolstói e o progresso técnico (FOTOS)

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
O gênio da literatura gostava de tirar fotos, ouvir música no gramofone e falar ao telefone. Mesmo assim, ele não sabia dizer com certeza se a revolução tecnológica era algo bom...

Lev Tolstói viveu até os 82 anos, e a vida dele atravessou a virada dos séculos 19 e 20, uma era de industrialização e progresso tecnológico. Durante a vida dele, surgiram as ferrovias, a fotografia, o cinema, os gravadores e reprodutores de áudio, as máquinas de escrever e, claro, a eletricidade.

Ele foi capaz de experimentar todas essas invenções por si mesmo. O que o grande escritor e pensador russo decidiu sobre essas inovações e sua utilidade? Ele ficou maravilhado com eles ou não; e ele achava que eles eram uma parte importante do avanço da humanidade?

Fotografia

Tolstói nasceu quase junto com a fotografia e era um entusiasta dos primeiros experimentos fotográficos. Em 1856, Serguêi Levitski, considerado o pai da fotografia russa, fez as primeiras fotos de Tolstói impressas em papel.

Nestas abaixo, o escritor, ainda muito jovem, é retratado sozinho e na companhia de outros autores que escreviam para a popular revista literária “Sovremennik”: Ivan Turguênev, Ivan Gontcharov, Aleksandr Ostrovski e outros.

Mais tarde, Tolstói visitou estúdios de fotografia e tirou retratos formais, que basicamente foram seus primeiros “cartões de visita” — que ele chegava até a anexar às cartas quando trocava fotos por correspondência com seus amigos — por exemplo Alexander Herzen. A foto abaixo foi tirada pelo fotógrafo Géruse, em Bruxelas, em 1861.

Em 1862, Tolstói fez seu primeiro autorretrato. Para fazer essa “selfie” ele teve que arrear dois cavalos para arrastar uma câmera enorme e pesada. Sua mulher, Sofia Andreievna, escreveu: “Tirou a foto ele mesmo”.

A fotografia tornou-se uma obsessão para Tolstói e, ainda hoje, nenhum arquivo de escritor da época pode se gabar de ter tantas fotos. De muitas maneiras, a mulher de Tolstói ajudou a alimentar a paixão dele pela fotografia. Ela também gostava muito de tirar fotos e esse foi seu hobby preferido por mais de 20 anos. Ela mesma revelava os filmes.

Uma série de retratos psicológicos foi feita pelo secretário e amigo do escritor, Vladimir Tchertkov. Neles, pode-se depreender as vívidas emoções do escritor. Eis algumas das últimas fotos de Tolstói, tiradas em 1910, e transformadas em “GIFs” pelo Museu Estatal de Tolstói.

No entanto, o fascínio se transformou em irritação: em 1903, Tolstói escreveu a seu amigo Stasov que era “terrivelmente desagradável” posar para fotos. Ele via então a fotografia como algo que massageia o ego e deixa um sentimento inferior.

Quando a popularidade da fotografia começou a crescer na Rússia, na virada dos séculos 19 e 20, muitos fotógrafos procuraram capturar momentos fugazes no tempo e deixar um registro para a posteridade. Tolstói foi, é claro, um dos principais objetos de interesse desses fotógrafos. Uma foto divertida mostra um “ataque dos fotógrafos” (abaixo), em que vários fotógrafos faziam fila para tirar fotos de Tolstói.

O pioneiro russo da fotografia colorida Serguêi Prokudin-Gorski, viajou por todo o império tirando fotos de prédios, igrejas e pessoas. Ele também visitou Tolstói, que era então uma lenda viva da Rússia. Eis a única fotografia colorida já feita de Tolstói.

Cinematógrafo

Não há apenas fotos, mas também filmagens de Tolstói nos últimos anos de vida. Muitas dessas filmagens foram feitas na propriedade do escritor, Iásnaia Poliana. Elas mostram Tolstói passeando, passando tempo com a família, e há também vídeos de suas filhas e filhos de camponeses.

As filmagens mostram o escritor era um superstar. Uma enorme multidão de pessoas o recebe na estação de trem quando ele chega a Moscou. Nos portões de sua casa em Moscou, admiradores também o esperavam. Aonde quer que Tolstói fosse, as pessoas se reuniam para vê-lo.

Tolstói apreciava o poder do vídeo. “Ah, se eu pudesse agora ver meu pai e minha mãe como me vejo!”, disse o escritor depois de assistir a imagens de si próprio. Mais tarde, em entrevista ao jornal Vetcherni Peterburg (Petersburgo Noturno), observou que “foi interessante” se ver “quase vivo: certamente bifurcado.”

Tolstói também se preocupava com o aspecto moral do progresso. Ele concluiu que o desenvolvimento técnico era necessário apenas se seu objetivo fosse beneficiar a humanidade.

“Quando a vida das pessoas é imoral e suas relações não são baseadas no amor, mas no egoísmo, todas as melhorias técnicas, o aumento do poder do homem sobre a natureza — como o vapor, a eletricidade, os telégrafos, todo tipo de máquinas, a pólvora, a dinamite — parecem brinquedos perigosos colocados nas mãos de crianças”, escreveu Tolstói em seu diário, em 1903.

Telefone e telégrafo

“Acabei de falar ao telefone com Lev Tolstói”, escreveu Tchékhov a sua esposa em 1901. Já o escritor Maksím Górki, que testemunhou a conversa telefônica do outro lado da linha, lembrou que Tolstói gritou ao telefone com prazer: “ Hoje é um dia tão bom, me sinto tão feliz, que quero que você também seja feliz. Especialmente você. Você é muito bom, muito bom!”

A partir do final do século 19, Tolstói também passou a ser um ávido usuário do telégrafo. Ele mesmo enviou alguns telegramas — ao contrário de sua esposa — e recebeu inúmeras mensagens de várias partes do país.

Mas ele começou a refletir sobre a novidade do telégrafo e seu impacto social: ele estava preocupado com a desigualdade. “Falamos do progresso dos telégrafos elétricos. Obviamente, o benefício e a aplicação do telégrafo é apenas para a classe superior, a chamada ‘classe educada’. As pessoas, noventa por cento delas, só ouvem o zumbido dos fios...”, escreveu Tolstói em “O progresso e a definição de educação”.

Fonógrafo e gramofone

Ao assistir a filmes, Tolstói lamentava que faltasse som para dar uma ideia mais completa e proximidade aos eventos e à vida. Ele morreu antes de ver os filmes com som, mas teve a alegria de usar o fonógrafo e o gramofone.

Em 1908, o inventor Thomas Edison enviou a Tolstói um fonógrafo de presente. O escritor estava ansioso para gravar frases curtas e cartas. No início, ele gravava tudo, mas depois percebeu que não devia abusar da inovação e decidiu gravar apenas provérbios sábios.Na segunda metade do ano de 1909, representantes da empresa Graphophone gravaram a voz de Tolstói em russo, inglês, francês e alemão.

Tolstói também gravou contos para crianças. Você pode ouvi-los em Tolstói.ru.

Um registro do escritor falando às crianças camponesas da escola de Iásnaia Poliana, que ele organizou, também é amplamente conhecido.

Um gramofone chegou a Iásnaia Poliana ainda mais cedo, em 1903. O escritor gostava muito de música: sempre se tocou piano na casa dele, e ele também adorava ouvir a balalaica e o canto cigano. Com o gramofone, Tolstói podia ouvir Beethoven, Chopin, Tchaikovsky, árias de óperas e trios de violino.

De acordo com as memórias daqueles que estiveram presentes, ele franziu a testa e repetiu "hmm" por um longo tempo, mas quando sua música russa favorita para dançar, “Po ilutse mostovoi” ("Ao longo da rua da ponte") tocou, seus olhos brilharam, sua perna começou a se contorcer para a música, e ele pronunciou: “Ишь ты!” (que se pronuncia como “Ich ti” e significa algo como “caramba!” ou “uau!”).

Ferrovias e outras inovações

O trem não é um “personagem” acidental em Anna Karênina. Os episódios mais importantes, como o encontro de Anna com Vronski e seu suicídio, estão ligados diretamente à ferrovia. Assim, Tolstói julga que, sim, a ferrovia é progresso e conveniência — mas é também um instrumento para o assassinato.

Sob as rodas de um trem, ainda no início do romance, morre um homem aleatório. Aliás, o suicídio de Anna foi inspirado em eventos da vida real: uma garota que morava perto de Iásnaia Poliana se jogou debaixo do trem e isso chocou profundamente o escritor.

A morte de pessoas, seja por vontade ou por culpa do progresso, preocupava Tolstói. “Luzes elétricas e telefones e exposições são excelentes, mas todos eles podem levar à perdição, e não sozinhos, mas as ferrovias, e todos os tecidos de chita feitos em fábricas pelo mundo, se para produzi-los é necessário que noventa e nove por cento das pessoas permaneçam na escravidão e pereçam aos milhares nas fábricas necessárias para a produção deles”, escreveu em “A escravidão dos nossos tempos” (1890).

O principal conceito filosófico de Tolstói (e de seus seguidores) era o da "não-resistência ao mal pela força". O escritor estava muito preocupado com a violência e, por todo o seu interesse no progresso e nas inovações técnicas, ele acreditava que a morte de uma única pessoa não valia nenhuma eletricidade ou qualquer outra coisa que trouxesse “vantagem” à civilização.

“Se para que Londres ou Petersburgo possam ser iluminadas com eletricidade, ou para construir edifícios de exposição, ou para que haja belas pinturas, ou para tecer tecidos bonitos com rapidez e abundância é necessário que mesmo pouquíssimas vidas sejam destruídas, ou arruinadas, ou encurtadas, e as estatísticas nos mostram quantas são destruídas, então que Londres ou Petersburgo sejam iluminadas por gás ou petróleo; que não haja exposições, pinturas ou materiais, apenas que não haja escravidão, nem destruição de vidas humanas resultante disso”, escreveu no artigo.

Por uma ironia do destino, o próprio Tolstói morreu perto da ferrovia: certa noite ele fugiu de casa em um trem, mas ficou gravemente doente no caminho. Como resultado, ele passou seus últimos dias com amnésia na casa do chefe da estação na pequena estação de Astapovo.

A exposição “Tolstói e o progresso” está em cartaz no Museu Estatal L. N. Tolstói em Moscou até 14 de agosto de 2022.

 

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