Principal método de atuação em Hollywood foi inventado por…um russo

Cultura
ELEONORA GOLDMAN
O sistema de Konstantin Stanislávski teve um enorme impacto em Hollywood, mas não somente. Evoluiu tanto para várias escolas de atuação que muitas celebridades de hoje o consideram o melhor na hora de encarnar algum personagem.

Ao assumir um novo papel, os atores geralmente iniciam um processo de experiências transformadoras para entrar no personagem. Antes de atuar no clássico da comédia ‘Tootsie’ (1982), Dustin Hoffman começou a usar peruca, saia justa e salto alto na vida real. Robert De Niro trabalhou como motorista de táxi de Nova York para ‘Taxi Driver’. Já Jack Nicholson, disse ter encontrado a raiva dentro dele ao lembrar as brigas com sua ex-esposa durante ‘O Iluminado’ (1980). Este método em que um ator experimenta as mesmas coisas que seu personagem foi originalmente proposto pelo diretor de teatro russo Konstantin Stanislávski no século 19 e depois seus seguidores nos EUA o adaptaram para o cinema. Hoje, esse sistema sob diferentes variações ainda é ensinado em várias escolas de atuação.

O que é o Sistema Stanislávski?

O ator e diretor Konstantin Stanislávski é o pai de toda a escola de atuação moderna na Rússia. Em 1898, juntamente com o diretor Vladímir Nemirovitch-Dantchenko, Stanislávski criou o Teatro de Arte de Moscou, onde aplicou e desenvolveu com sucesso seu sistema ao longo de décadas – um modelo avançado e um tanto rebelde que negava os velhos dogmas. Stanislávski o descreveu em seu livro ‘O trabalho do ator sobre si mesmo’ (1938).

Seu sistema é baseado nos seguintes princípios:

1/ Verdade da experiência (o ator deve experimentar emoções verdadeiras)

2/ Trabalhe com as circunstâncias (o ator deve estudar o estilo de vida do personagem)

3/ Interpretando “aqui e agora” (qualquer ação nasce no palco)

4/ O ator deve se aprimorar constantemente

5/ O ator deve interagir com os colegas no palco.

Em suma, um ator deveria desempenhar (ou melhor, vivenciar) seu papel para que Stanislávski dissesse: “Acredito!”

Como o sistema de Stanislávski acabou parando nos EUA?

Em 1923 e 1924, o Teatro de Arte de Moscou fez uma turnê pelos Estados Unidos. Os organizadores lançaram uma enorme campanha de relações públicas: artigos sobre o teatro russo e o gênio Stanislávski foram publicadas na imprensa, bem como foram programadas uma série de palestras sobre a arte de atuar, lideradas por Stanislávski e pelo ator emigrado do MAT Richard Boleslawski.

O interesse norte-americano pelo sistema russo foi tão grande que Boleslawski, com sua colega Maria Ouspenskaya, abriu, em 1923, o American Laboratory Theatre. Entre seus alunos estavam Lee Strasberg e Stella Adler, que mais tarde organizaram o Group Theatre e depois seus próprios estúdios.

Métodos de Strasberg Vs. de Adler

Strasberg esteve nas apresentações do Teatro de Arte de Moscou e ficou surpreso com a atuação; o comportamento dos artistas era real e espontâneo, segundo ele. Trabalhando no Group Theatre, Strasberg desenvolveu esse sistema em resposta às normas culturais norte-americanas. Seu princípio básico era o uso da “memória afetiva”, o que significava que um ator deveria reviver um evento singular de passado para usar sentimentos verdadeiros em uma cena.

Strasberg aplicou seu método não apenas no Group Theatre, mas também quando dirigiu o Actors Studio em Nova York na década de 1950. Jack Nicholson, Robert De Niro, Marlon Brando, Dustin Hoffman e outros se formaram em sua escola. Em Hollywood, fundou o The Lee Strasberg Theatre & Film Institute, chamando seu sistema de Método de Interpretação Para o Ator ou simplesmente O Método.

No entanto, Stella Adler discordava de Strasberg em relação à metodologia de atuação e decidiu ir pessoalmente a Stanislávski – tornando-se sua única aluna norte-americana. Em 1934, Adler passou cinco semanas no treinamento prático do mestre russo em Paris e mais tarde fundou o Stella Adler Studio of Acting. Entre seus alunos passaram nomes como Mark Ruffalo, Judy Garland, Elizabeth Taylor e Melanie Griffith.

Além disso, havia outros intérpretes dos métodos de Stanislávski nos EUA, como o ator do Teatro de Arte de Moscou Mikhail Tchekhov (sobrinho de Anton Tchekhov), que fundou o Actors Lab em 1939 e cujo sistema ajudou a revelar talentos como Marilyn Monroe e Clint Eastwood.

Transformando a dor em arte

Os atores de Hollywood hoje trabalham constantemente com o sistema de Stanislávski, os métodos de Stasberg e a técnica de Adler, adaptando-os conforme a necessidade. Um deles é Jack Nicholson, que, “durante aqueles anos de vacas magras, passava horas sentado nos cafés de Los Angeles discutindo a metafísica de Stanislávski com teóricos do cinema com inclinação semelhante”, como os jornalistas o descreveram. Suas emoções em  ‘O Iluminado’ (1980), de Stanley Kubrick, foram genuínas: “Aquela cena na máquina de escrever – era assim que eu estava quando me divorciei”, declarou. E enquanto se preparava para “Um Estranho no Ninho” (1975), ele se comunicou com pacientes de uma clínica psiquiátrica.

Al Pacino foi apresentado ao sistema de Stanislávski quando adolescente e na época o achou… chato. “O que um garoto de treze, quatorze anos sabe sobre Stanislávski?”, disse. “Tudo que eu sabia era cantar, dançar, se divertir, imitar. Levei não sei quantos anos para superar isso.” Hoje ele é o copresidente do Actors Studio com Ellen Burstyn e Alec Baldwin.

Robert De Niro aprendeu o sistema de Stanislávski com Stella Adler e Lee Strasberg e vivenciou cenas reais ​​para seus papéis. Para ‘Touro Indomável’ (1983), De Niro participou de três lutas no ringue, além de ganhar mais de 20 quilos. Nos preparativos para ‘Taxi Driver’, o ator conseguiu uma licença de taxista e trabalhou em turnos de 12 horas por duas semanas em um táxi de Nova York. Em ‘Cabo do Medo’ (1993), ele pediu a um dentista para lixar seus dentes.

Nicolas Cage também reinventou o sistema Stanislávski durante sua carreira. “Stanislávski disse que a pior coisa que um ator pode fazer é imitar. Sendo um pouco rebelde, eu queria quebrar essa regra. Então eu tentei uma abordagem semelhante a Warhol para o personagem Sailor Ripley em ‘Coração Selvagem’ (1990). Em filmes como ‘Ghostland: Terra Sem Lei’ (2021), eu experimentei o que eu gostaria de chamar Western Kabuki ou mais barroco ou operístico da performance cinematográfica. Liberto-me do naturalismo, por assim dizer, para expressar uma forma mais ampla de atuação.”

No final, o sistema influenciou não apenas a indústria cinematográfica, mas também os próprios atores. Como Dustin Hoffman disse certa vez, sua consciência feminista foi aviltada por ‘Tootsie’ : ao se preparar para o papel, ele começou a usar saltos e roupas femininas e andava incógnito por Nova York. Como uma mulher de aparência mediana, ele percebeu o quanto era ignorado – e se deu conta de quantas mulheres ele também daria pouca atenção, porque elas não correspondiam aos padrões ideais de beleza da sociedade.

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