Os trabalhos formais de famosos escritores russos 

Russia Beyond (Domínio público, ullstein bild/Getty Image, Aleksandr Less/Sputnik)
Médicos, diplomatas, tradutores e até carregadores de docas. O que os grandes autores clássicos da literatura russa faziam para (sobre)viver?
  1. Aleksandr Griboedov – diplomata
Ivan Kramskoy. Retrato de Aleksandr Griboedov, 1873

Muitos nobres dos séculos 18 e 19, principalmente os aristocratas da capital, sabiam escrever poesia, tocar música, desenhar, dançar etc. Aleksandr Griboedov, mais conhecido como o autor da comédia em versos ‘Ai do Espírito’ (ou As desgraças de Wit), também foi um grande compositor e músico. No entanto, sua principal ocupação era o serviço público – ele trabalhava como secretário na Escola de Relações Exteriores. Recusando-se a participar da missão russa na América, onde já estivera envolvido, serviu na missão diplomática russa na Pérsia por anos. Foi lá que ele morreu tragicamente no ataque à embaixada russa em Teerã. 

  1. Aleksandr Púchkin – funcionário público e da justiça
Orest Kiprensky. Retrato de Aleksandr Púchkin, 1827

Púchkin se formou em uma instituição educacional de prestígio – o Liceu Imperial de Tsarskóie Selô – e foi nomeado para servir no Colégio de Relações Exteriores. Dentro de pouco tempo, ele acabou sendo exilado no sul da Rússia por causa de sua poesia de pensamento livre, mas mesmo ali ele esteve oficialmente a serviço do governo no escritório do governador-geral local. Após seu retorno do exílio, Púchkin foi formalmente recolocado em suas funções em Moscou. No entanto, ele foi autorizado a se envolver em história e escrita – ele coletou materiais para um livro sobre Pedro, o Grande e trabalhou na História da rebelião de Pugatchov. Mais tarde, o imperador Nikolai 2º decidiu se aproximar do poeta e convocou-o a São Petersburgo. Ele concedeu ao poeta um posto de serviço na corte, embora bastante baixo para sua idade e posição, o que deixou Púchkin furioso. Além disso, ele não poderia mais trabalhar nos arquivos, mas era impossível contestar a decisão do tsar.

  1. Mikhail Lermontov – militar
Peter Zabolotsky. Retrato de Mikhail Lermontov, 1873

O principal poeta do romantismo da Rússia serviu no Regimento de Guardas de Vida Hussardos e aparece com o uniforme hussardo em seus retratos mais conhecidos. Lermontov foi rebaixado e enviado para servir no Cáucaso pelo poema “Morte do Poeta”, escrito após o duelo fatal de Púchkin. O exílio e a paisagem montanhosa influenciaram positivamente sua poesia, inspirando os grandes poemas ‘O Demônio’ e ‘O Aprendiz’, assim como as tramas e detalhes autênticos do romance ‘O Herói do Nosso Tempo’). Ele acabou morrendo no Cáucaso durante um duelo, aos 26 anos.

  1. Anton Tchekhov – médico
Anton Tchekhov, 1889

Este mestre da dramaturgia e dos contos se formou na faculdade de medicina da Universidade de Moscou (e publicou seu primeiro conto quando ainda era estudante). Primeiro trabalhou como médico em um hospital nos arredores de Moscou, depois passou a atender pacientes em sua casa. Mesmo depois de obter sucesso literário, não deixou de praticar a medicina. Tchekhov montou um dispensário em sua propriedade de Melikhovo, onde prestava assistência médica gratuita aos camponeses. O escritor também lutou ativamente contra a epidemia de cólera e a prevenção de doenças; interessado pela ciência médica, acompanhava seu progresso e novidades. Tchekhov só deixou a prática no final da vida, quando se mudou para a Crimeia já doente de tuberculose.

  1. Maksim Górki – pedreiro
Maksim Górki, 1905

Antes de se tornar escritor e dramaturgo, Górki realizou um grande número de trabalhos tentando ganhar dinheiro da melhor maneira possível. Ele vagou pelo Volga e pelo sul da Rússia, onde trabalhou como carregador e lavrador, foi ajudante de padaria em Kazan, operário em uma oficina ferroviária na Abecásia e nos campos de petróleo em Baku. Mesmo sem concluir o ensino secundário e, portanto, não podendo cursar na universidade, Górki tinha sede de conhecimento e filosofia e lia muito. Observando a vida das pessoas, começou a descrevê-la em seus primeiros experimentos literários. Suas histórias foram publicadas em vários jornais e, eventualmente, acabou sendo convidado a deixar o trabalho braçal e se tornar um jornalista e escrever ensaios. Mais tarde, vários escritores soviéticos trabalharam como jornalistas, obrigados a receber um salário permanente e ter um “emprego” oficial.

  1. Mikhail Bulgákov – médico
Mikhail Bulgákov, 1928

Outro escritor médico de sucesso na literatura russa é Mikhail Bulgákov. Ele descreveu sua prática médica em vários trabalhos, incluindo ‘Anotações de um Jovem Médico’ e o conto ‘Morfina’, adaptado para uma série de TV estrelada por Daniel Radcliffe. Outro famoso personagem de Bulgákov, o professor Preobrazhensky, do romance ‘Coração de cachorro’, foi baseado em seu próprio tio, que o influenciou de várias maneiras a se tornar um médico. Bulgákov trabalhou como médico no front da Primeira Guerra Mundial e da Guerra Civil e também manteve um consultório particular para tratar doenças venéreas. Nos anos 1920, mudou-se para Moscou e abandonou a prática, dedicando-se à escrita e à dramaturgia.

  1. Boris Pasternak – tradutor
Boris Pasternak, 1940

Nos tempos soviéticos, para ter a ocupação de escritor, era preciso se tornar membro da União dos Escritores Soviéticos e cooperar com as publicações oficiais. A censura não permitia que muitas obras fossem impressas e alguns escritores poderiam ser “banidos”. Não importa quantas vezes eles batessem nas portas de editoras e revistas, eles não seriam publicados. Portanto, muitos autores foram obrigados a trabalhar como tradutores. Como a poesia e a ficção de Pasternak tinham sido proibidas pela censura, ele teve que trabalhar como tradutor e, conhecendo vários idiomas, conseguiu verter para o russo mestres como Shakespeare, Goethe, Byron, Rilke e Verlaine, além de vários poetas georgianos.

  1. Gaito Gazdanov – carregador e taxista
Gaito Gazdanov, anos 1920

Após a Revolução de 1917, Gazdanov se viu na Guerra Civil ao lado dos oponentes dos bolcheviques, os monarquistas “brancos”. Ele teve que fugir do país e passou a maior parte de sua vida em Paris, onde buscou meios de subsistência e aproveitou todas as oportunidades para fazer dinheiro. Trabalhou como estivador, serralheiro, zelador e professor de russo. Em alguns períodos, teve até que passar as noites nas ruas, por não ter dinheiro para pagar o aluguel. Gazdanov descreveu suas lutas e sua vida na pobreza em Paris no livro ‘Estradas Noturnas’. E mesmo quando seus experimentos literários começaram a render dinheiro, ele continuou trabalhando como motorista de táxi à noite.

  1. Aleksandr Soljenítsin – professor de matemática 
Aleksandr Soljenítsin, 1962

Soljenítsin começou a se interessar por literatura ainda no ensino médio, mas decidiu seguir outra profissão por precaução; por isso, acabou se formando na Faculdade de Física e Matemática da Universidade de Rostov. Com o início da Segunda Guerra Mundial, ele se ofereceu para a linha de frente, mas lá foi preso por criticar Stálin (por distorcer os ideais de Lênin). Soljenítsin passou cerca de oito anos em campos de trabalho forçado – por um tempo, trabalhando como matemático no gabinete de construção da prisão. Depois de ser libertado, em 1953, ele trabalhou como professor de matemática e física antes de seu primeiro trabalho, ‘Um dia na vida de Ivan Deníssovitch’, ser publicado em 1962 e ele então ser aceito na União dos Escritores Soviéticos.

  1. Joseph Brodsky – “parasita” social e professor
Joseph Brodsky lecionando na Universidade de Michigan, 1973

A família de Brodsky vivia em extrema pobreza na Leningrado pós-guerra. Ele abandonou a escola após a oitava série e conseguiu um emprego como aprendiz de moagem em uma fábrica para ganhar algum dinheiro. Mais tarde, trabalhou no necrotério, como aquecedor na casa das caldeiras e depois como operário em expedições geológicas. Embora nunca tenha recebido educação formal, era um homem erudito e lia muito – começou a compor poemas, apresentando-os em saraus e publicando nas revistas clandestinas apelidadas de 'samizdat'.

No entanto, ele não possuía emprego oficial nem era membro da União dos Escritores Soviéticos, razão pela qual foi perseguido por seu “parasitismo social antissoviético”. O jornal local ‘Vecherniy Leningrad’ (Noite Leningrado) contribuiu para isso chamando-o de “drone quase literário” e “preguiçoso”. Depois de passar dois anos no exílio por isso, amigos influentes conseguiram arranjá-lo um emprego oficial como intérprete. No início dos anos 1970, a KGB obrigou Brodsky a deixar o país e o poeta emigrou para os Estados Unidos, onde passou a lecionar literatura russa e mundial em várias universidades.

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