Outono de 1880. A sociedade de São Petersburgo comenta um acontecimento sem precedentes: uma exibição em que figurava apenas uma pintura. Nunca antes isso tinha acontecido na Rússia, e a fila do lado de fora do prédio da Sociedade Imperial de Incentivo às Artes se estendia por vários quarteirões.
Todo mundo queria ter um vislumbre da nova paisagem marítima pitoresca “Noite de Luar no Dniepre”, pela qual o Grão-Duque Konstantin Romanov tinha pagado o olho da cara antes mesmo de ser concluída. E o artista Arkhíp Kuíndji é um verdadeiro marqueteiro: cobre todas as janelas da sala com cortinas e exibe a imagem no escuro, direcionando um único raio de luz elétrica sobre ela. O efeito é impressionante. Os espectadores não acreditam que esse brilho "fosfórico" do luar na superfície da água possa ser alcançado com tintas comuns.
Kuíndji é chamado de embusteiro e acusado de usar iluminação oculta. Mas não há luz de fundo, é claro. “A ilusão de luz era o deus dele, e nenhum artista podia se igualar na realização desse milagre na pintura”, disse o artista russo Iliá Répin sobre Kuíndji.
Noite de Luar no Dnieper, 1880
Kuíndji pintou sua obra mais célebre logo após se separar dos Itinerantes, grupo de artistas realistas que se opunha ao Academismo na arte. Ele conseguiu vender o quadro ao grão-duque antes mesmo de terminar a tela: o escritor Ivan Turguênev ficou tão extasiado com a obra que convenceu o duque a comprá-la. O último a levava até em viagens: o quadro foi exibido por vários dias na Galeria Sedelmeyer, em Paris. Existem várias versões da pintura, feitas pelo artista quando percebeu quão grande era a própria popularidade.
O Bosque de Bétulas, 1879
O Bosque de Bétulas foi pintado um ano antes de Noite de Luar no Dniepre, mas já demonstra o espetacular princípio estilístico de Kuíndji de claro-escuro. Foi aí que o público começou a suspeitar do uso de truques de ótica, gerando um escândalo.
Na Ilha Valaam, 1873
Kuíndji visitava regularmente a Ilha Valaam, na Carélia, um lugar popular entre os pintores de paisagens de São Petersburgo. Comprado por Pavel Tretiakóv, fundador da Galeria Tretiakóv, este quadro marca o início de trajetória séria como artista. O estilo dos Itinerantes é claramente visível - o realismo deliberado foi muito admirado por seus contemporâneos.
Noite na Ucrânia, 1878 (concluído em 1901)
O artista trabalhou nesta pintura por 23 anos. Durante 20 deles, passou em reclusão voluntária e não mostrou suas obras a ninguém, nem mesmo amigos e familiares. Não se sabe ao certo o que o fez “calar-se” no auge da fama, mas muitos acreditavam que ele estava cansado de agitação e das constantes críticas. A exposição “Noites na Ucrânia” e mais três pinturas quebraram o “silêncio”.
Mar. Crimeia, 1898-1908
Kuíndji está estreitamente ligado à Crimeia, que foi tema de dezenas de obras dele. Foi para lá que o futuro artista rumou, ainda jovem, buscando levar adiante sua paixão pelo desenho: ele foi recomendado como aluno ao famoso pintor de paisagens marinhas Ivan Aivazovski, que vivia na cidade litorânea de Feodosia, na península.
O grande Aivazovski não tinha tempo, mas forneceu a Kuíndji uma carta de recomendação. Já artista de renome, Kuíndji pintou “Mar. Crimeia”, uma tela “imersiva e meditativa”, na qual a linha costeira da Crimeia é salpicada de uma abundância de tons.
Ai-Petri. Crimeia, 1890
Outra de suas paisagens da Crimeia é dedicada a Ai-Petri, uma cordilheira perto de Ialta e um dos símbolos da península. Em 2019, esta pintura foi roubada da Galeria Tretiakóv em plena luz do dia, sob os olhares de dezenas de visitantes.
Um homem de macacão simplesmente foi até a tela, tirou-a da parede, retirou-a da moldura e saiu com ela. Foi a compostura do ladrão que enganou a todos: as pessoas realmente acreditaram que ele era funcionário do museu. Ele foi detido no dia seguinte e a pintura, devolvida ao museu.
Cristo no Jardim do Getsêmani, 1901
Esta foi uma das quatro pinturas que Kuíndji decidiu mostrar após seu período “de silêncio”. É talvez a obra mais filosófica e misteriosa do pintor, e a única sobre um tema bíblico. Mas, como em toda a sua obra, não é o tema, mas a luz e a cor que ocupam o centro das atenções.
Por meio dela, sem a necessidade de detalhes intrincados, a artista revela o drama da situação. Banhada pelo luar, a figura de Cristo é arrancada da escuridão, um efeito que se assemelha fortemente à Noite de Luar no Dniepre.
Depois da chuva, 1879
Este contraste vívido das nuvens de tempestade com a paz e a tranquilidade do prado transmite com precisão a atmosfera leve que se segue depois da chuva.
Paisagem. Estepe, 1890-1895
Os críticos de arte observam que as paisagens de Kuíndji evocam quase associações sonoras e sensoriais no espectador: seja o vento leve da manhã, a grama molhada ou o ar rarefeito após uma tempestade.
Pôr do Sol Vermelho, 1898-1908
Esta é uma das últimas grandes obras de Kuíndji. De acordo com os críticos, o artista aparece nesta foto como um adorador do sol pagão. A tela teve um destino complicado: foi revendida várias vezes antes de ir parar no Metropolitan Museum of Art de Nova York.
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