A literatura russa clássica é tão deprimente como dizem?

Cena do filme “Anna Karênina”, de 1967, com Tatiana Samóilova.

Cena do filme “Anna Karênina”, de 1967, com Tatiana Samóilova.

Alexander Zarkhi/Mosfilm, 1967
A eterna questão levantada por russistas e amantes da literatura do mundo todo finalmente está ao alcance de sua leitura!

“A ficção é como uma teia de aranha, presa, sempre de forma muito leve, mas ainda assim presa à vida em todos os quatro cantos”, escreveu Virginia Woolf. Leveza não é lá a principal ideia que nos vem à mente quando pensamos em literatura russa. Mas, em matéria de ficção, os russos há muito são mestres: suas descrições do estado de espírito humano lhes angariaram uma reputação de excelência nesse tipo de literatura.

Gueórgui Taratórkin como Rodiôn Raskólnikov em “Crime e Castigo”.

A afirmação de que a literatura russa é “deprimente”, porém, é superficial. Vladímir Nabôkov, autor de “Lolita” e crítico literário, observou, por exemplo, que Tchékhov escreveu “livros tristes para pessoas bem-humoradas”, porque “somente um leitor com senso de humor pode realmente apreciar sua tristeza”.

Da mesma forma, quem acha que ler "O Idiota", de Fiódor Dostoiévski, é frustrante deve concordar que o romance em si não é deprimente, mas, pelo contrário, esperançoso. Isso talvez se deva ao fato de que o sofrimento e a solidão também podem ensinar a alegria e o otimismo.

Assim, a questão do “por que a literatura russa é deprimente” é, em primeiro lugar, uma questão retórica, já que os russos têm uma tendência para o drama. Vale lembrar, nesse âmbito, que a literatura russa abordou generosamente:

- A solidão ("As Três Irmãs", de Anton Tchékhov) e o exílio ("Recordações da Casa dos Mortos", de Fiódor Dostoiévski);

- O sofrimento (“Vida e destino”, de Vassíli Grossman) e o tormento (“Um dia na vida de Ivan Denisovitch”, de Aleksandr Soljenítsin);

- A fraqueza (“Almas Mortas”, de Nikolai Gógol) e a crueldade (“Mumu”, de Ivan Turguêniev);

- A fé “Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski) e a mudança (“Guerra e Paz”, de Lev Tolstói);

- A sobrevivência (“Doutor Jivago”, de Borís Pasternak), a preguiça (“Oblómov”, de Ivan Gontcharov) e a estupidez (“A aldeia”, de Ivan Búnin);

- A morte (“Contos de Kolimá”, de Varlam Chalámov) e a desesperança (“A escavação”, de Andrêi Platônov).

Os russos passaram décadas e mais décadas de turbulências internas ao longo de sua história, como a Guerra Napoleônica, duas guerras mundiais devastadoras, a Revolução Bolchevique, os horrores do regime totalitário e os gulags soviéticos etc.

Mas do sofrimento humano surgiram grandes contadores de histórias. O sofrimento e a miséria encorajaram muitos a colocar no papel todo aquele turbilhão de sentimentos. Alguns dos romancistas mais venerados da Rússia, como Mikhaíl Bulgákov, Antôn Tchékhov e Vassíli Aksiônov, chegaram à literatura provenientes da medicina.

Assim, em vez de estabelecer um rótulo estarrecedor à literatura russa, lembremos das palavras de Marcel Proust: “Somos curados de um sofrimento apenas experimentando-o por completo”.

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