5 razões para assistir a ‘Cidade de Gelo’ na Netflix

Cultura
VICTÓRIA RIABIKOVA
Produção original da plataforma de streaming que tem São Petersburgo como cenário mistura fantasia com realidade, passado com presente.

1. Atmosfera de inverno na véspera de Ano Novo em São Petersburgo

O personagem principal, Matvey, é uma espécie de entregador de aplicativo de 1899; no filme, ele tem que entregar com urgência uma torta na casa de uma família de aristocratas. Em vez de moto, o jovem tem um par de patins de prata herdados de seu pai, que é um acendedor de lampiões. Matvey deixa a confeitaria, agarra habilmente uma carruagem que passa, pula dela como um gato no rio Neva congelado e se apressa para chegar ao cliente.

Desse momento em diante, o espectador é imerso na beleza invernal de São Petersburgo, que não decepciona ao longo do filme todo. Há imagens do mercado de Natal no gelo do Neva, as pontes de São Petersburgo decoradas com guirlandas, e cada curva revela majestosos edifícios, igrejas e catedrais históricas, com seus telhados cobertos por um manto de neve.

Cada cena da arquitetura e dos interiores dos palácios Gatchina, Mramorny e Sheremetev fará você querer dar pausa para permanecer o máximo possível neste conto de fadas no estilo Disney, porém com espírito russo.

2. Cenas de ação sobre patins

Mas Matvey perde o emprego. Desesperado por dinheiro (não para si mesmo, mas para o pai, que precisa fazer uma cirurgia no exterior), o jovem entra em contato com uma sociedade secreta de marxistas, que clama pela mudança de governo, ao mesmo tempo que furta cidadãos ricos na feira de gelo.

Todos os momentos mais interessantes do filme acontecem sobre o gelo, incluindo as cenas de treino, luta, dança e perseguição. Todos os atores fizeram um curso de patinação de três meses, e Fiódor Fedotov, o intérprete de Matvey, usou o hóquei no gelo como referência.

Todas as cenas de gelo foram filmadas com dinamismo, com puxadas de câmera lenta no momento certo durante as perseguições e lutas (pense em ‘Sherlock Holmes’, de Guy Ritchie), e as danças parecem ter saído de um conto de fadas da Disney.

3. Figurinos

A vida de um ladrão mesquinho na sociedade marxista leva Matvey a conhecer a jovem aristocrata Alisa, por quem ele se apaixona perdidamente. Ao contrário de seu grupo, com os casacos cinza e suéteres de lã simples, Alisa e sua comitiva exibem luxuosos vestidos de renda adornados com flores e penas, casacos de pele branca, chapéus (alguns bem extravagantes), os tradicionais cocares russos “kokôhnik” e uniformes militares azuis com brasões imperiais dourados.

Muitos dos trajes foram costurados à mão especialmente para o filme. A diretora artística Galina Solodovnikova se inspirou nos trabalhos de estilistas que forneciam roupas para a corte imperial de Nicolau 2º, bem como em coleções de casas de moda mundialmente famosas, entre elas Dior, Alexander McQueen e Yves Saint Laurent, segundo a “Vogue Russia”.

“A tarefa era criar uma estilização que hoje fosse percebida como a epítome do luxo e sofisticação”, disse Solodovnikova à revista.

Ao produzir os figurinos, é evidente que nem os estilistas, nem os cineastas buscavam uma precisão histórica absoluta. Os figurinos parecem mais trajes de bailes de máscaras a la russé, porém, no contexto do filme, funcionam.

4. Aprenda sobre a história e a vida na Rússia imperial do final do século 19

Embora ‘Cidade de Gelo’ seja em princípio uma comédia romântica em um mundo imaginário, os cineastas transmitiram com precisão alguns elementos reais da Rússia pré-revolucionária.

Por exemplo, patinar no gelo era de fato uma das formas mais populares de entretenimento para a juventude da época: os aristocratas frequentavam a pista de gelo no Jardim Tauride; e os peterburgueses comuns, a pista de gelo no Jardim Iussupov, segundo afirmou a professora de história Tatiana Volodina à plataforma de filmes on-line Okko. Sobre o gelo do Jardim Iussupov, costumava-se realizar bailes de máscaras e outras festividades. Já na década de 1860 e 70, foi aberta ali uma escola de patinação artística, de onde saiu o primeiro campeão olímpico de patinação artística da Rússia, Nikolai Panin-Kolomenkin.

Conforme já mencionado, o pai do protagonista do filme trabalha como acendedor de lampiões. Era um trabalho difícil — uma pessoa tinha que acender e apagar 50 lampiões por dia. A iluminação elétrica na época era “exótica” e demorou para que pessoas comuns a adotassem. No filme, por exemplo, o servo de Alisa fica mais confortável sentado à luz de velas.

O ensino superior para mulheres, com o qual Alisa sonha, já existia em São Petersburgo. Mas, para se matricular nos Cursos de Bestujev, era preciso obter permissão do marido ou tutor. Por sinal, o filme apresenta várias cenas com o químico russo Dmítri Mendeleev, que de fato dava aulas na instituição.

Voltando ao tema dos bailes à la russe, o mais vívido e memorável deles aconteceu em 1903 no Palácio de Inverno de São Petersburgo, em homenagem ao 290º aniversário da Casa Romanov. As convidadas vestiram trajes de nobres do século 17, sarafãs e kokôchniks, enquanto os homens incorporaram arqueiros e falcoeiros. O baile contou apenas com danças folclóricas russas, que os convidados haviam aprendido com antecedência.

5. Conto romântico com tom sociopolítico

Na metade do filme, o espectador percebe que ‘Cidade de Gelo’ não é apenas um conto de fadas de Ano Novo.

Matvey é um entregador pobre e sem direitos, enganado no trabalho, de modo que sua única maneira de ganhar o pão de cada dia é fazendo corres para o grupo de ladrões revolucionários.

A imagem de Alisa levanta questões de feminismo e igualdade. A sociedade inteira tenta convencê-la de que uma mulher não precisa de educação, que a única “felicidade feminina” é o casamento. Paralelamente, outras personagens acreditam em magia e médiuns, em uma indicação de desconhecimento.

A Rússia pré-revolucionária retratada em ‘Cidade de Gelo’ é cheia de servilismo - os ricos têm ruas inteiras fechadas para eles; os pingentes de gelo são removidos dos edifícios se apenas um cair na cabeça do prefeito ou de outro figurão. As autoridades administram esquemas corruptos sob o pretexto de produzir bens, queimam livros e apresentam a ruína do país como sendo uma virtude: “Os buracos nas ruas são nossa vantagem estratégica sobre nossos parceiros ocidentais”. Os telespectadores que acompanham as notícias russas perceberão de cara a referência satírica à Rússia atual.

E os paralelos não param por aí. À medida que a divisão de classes se torna mais expressiva e os tumultos nas ruas, mais violentos, as autoridades propõem armar a polícia com cassetetes, em vez de sabres cerimoniais. Um dos personagens principais, o príncipe Trubetskoy, destinado a ser marido de Alisa, é um oficial cruel do serviço secreto, cujas únicas paixões verdadeiras são o poder e o dinheiro. Em uma das cenas, ele diz que as pessoas devem temer um “policial com um sabre”, e em outra ele afirma: “Pode ser difícil de acreditar, mas eu sou um liberal” (o que, na Rússia moderna, praticamente se tornou sinônimo de “oposicionista”).

‘Cidade de Gelo’ presta certa homenagem a épicos como “Titanic”, mas com a divisão de classes e os problemas sóciopolíticos vistos pelas lentes da Rússia pré-revolucionária. O filme tem tudo para agradar tanto fãs de comédias românticas, quanto vidrados em história e pessoas que gostam de enredos em que a liberdade triunfa sobre a crueldade.

‘Cidade de Gelo’ está disponível aqui para usuários da Netflix 

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