Se você, estrangeiro, for parar na Rússia e decidir assistir ir ao cinema ver um filme feito na sua língua, fique atento: pode ser que você sequer reconheça o filme, mesmo que saiba russo.
Além de atores familiares falarem com vozes estranhas, os tradutores podem mudar o sentido de expressões que você conhece desde sempre e até títulos.
Títulos malucos
Os títulos de filmes são adaptados pelas empresas distribuidoras, cujo objetivo principal é torná-los atraentes e fazê-los saltar aos olhos. Mas o resultado é algo completamente estranho.
Um dos truques favoritos é inserir a palavra "sexo" no título de qualquer filme sobre relacionamentos. “Friends With Benefits” (que saiu em português como “Amizade colorida”) virou em russo “Seks po drujbe”, ou seja “Sexo por amizade”. “No Strings Attached” (em português, “Sexo sem compromisso”) virou “Bolche tchem seks” (“Mais que sexo”) e “The rules of attraction” (“Regras da atração”), como “Pravila seksa” (“Regras do sexo”).
Se não tiver nenhum sexo mesmo no filme, aí cabem outras malandragens. A comédia “Identity thief” (que em português saiu como “Uma ladra sem limites”), em russo virou “Poimai tolstukho, esli smojech”, ou seja, “Pegue a gorducha se for capaz” – uma referência insólita ao filme “Prenda-me se for capaz”, com Leonardo diCaprio.
Alguns títulos traduzidos são impossíveis de traduzir. A comédia francesa “Intouchables” (“Intocáveis”) por algum motivo acabou saindo como “1+1”. “All Is Lost” (“Até o fim”), sobre um marinheiro sobrevivendo no mar revolto, tornou-se mais otimista sob o título “Ne ugasniot nadejda” (“A esperança não morre”). Já “Fair Game” (“Jogo de poder”, de 2010) também virou “Igroi bez pravil” (“Jogo sem regras”).
“Sempre buscamos manter a tradução direta do título original. Mas, se não é possível aproximar o título do mercado local por algum motivo, precisamos colocar em ação o pensamento criativo”, diz Elena Schneerson, diretora de marketing da Universal Pictures na Rússia.
Tradução ou traição?
É difícil discutir: a profissão do tradutor realmente exige uma abordagem criativa. Não é fácil traduzir filmes, é preciso encontrar análogos de cada frase, mas também fazê-los caber no tempo para que a dublagem seja feita em sincronia, ou seja, as falas têm que caber no tempo que a boca do ator se move.
Além disso, traduzir ao pé da letra muitas vezes é simplesmente impossível: desde 2014 é proibido usar palavrões nos filmes russos, e gírias e piadas baseadas em trocadilhos precisam ou ser cortadss ou repensadas em russo.
“A tradução é sempre um compromisso. O trabalho se resume, muitas vezes, a resolver dilemas insolúveis: qual encontrar o menor dos males em determinada situação? O que deve ser cortado?”, argumenta Tatiana Omeltchenko, tradutora do estúdio “Kubik v Kube” (em português, “Cubo na Cuba”).
Frequentemente é preciso trabalhar em prazos curtíssimos e o tradutor também é responsável pela checagem. É claro que, sob essas condições, ocorrem erros de tempos em tempos.
O canal do YouTube “Movie English” se dedicou a caçar alguns desses exemplos de erros de tradução. Na série “Two and a half men” por exemplo, o ator diz “você vai transar hoje à noite”, mas a tradução saiu como “uma noite tranquila espera por você”. Eufemismo ou tradução ruim mesmo?
Claro que muitos filmes e séries na Rússia são traduzidos o mais próximo possível do original, mas quando só se pode ouvir a versão dublada, não é possível classificar o produto final.
Dos males da dublagem
Nesse ponto, a Rússia não difere de outros países: há lugares onde se prefere filmes estrangeiros legendados (como nos EUA, por exemplo), enquanto em outros a fala nativa é tão valorizada que só os filmes dublados têm público (como na Alemanha).
“Na Rússia, escolheu-se a dublagem porque os espectadores estão mais acostumados com ela”, diz Iúri Serbin. Por isso, a maioria absoluta dos filmes sai dublada no país.
Mas os fãs das legendas afirmam que a dublagem é um mal. Além da inevitável tradução distorcida, a dublagem também impediria o espectador de mergulhar na atmosfera do filme. Por exemplo, se tomarmos as produções “Straight Outta Compton: A História do N.W.A.”, “Trainspotting” e “Downton Abbey”, rappers, malandros escoceses e lordes ingleses falam um inglês bem diverso. No russo, porém, tudo se iguala.
“Por mais que os locutores tentem reproduzir a entonação, gritar, sussurrar, rir etc., os locutores não chegam nem à metade da atuação de um Al Pacino ou Kevin Spacey", escreve no Livejournal o blogueiro samsebeskazal.
Os céticos quanto às dublagens na Rússia são, porém, uma minoria, e seu reinado ainda parece que durará muito tempo.
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