Primeiro homem a ir ao espaço, Gagárin é tema de filme biográfico no Netflix

Global Look Press
Alta tensão psicológica na escolha do pioneiro do cosmos é o principal recorte de ‘Iúri Gagárin: o primeiro no espaço’. Mas produção também pincela sua dura infância no campo, em territórios tomados pelos alemães durante a guerra, e conflito de gerações com o pai. Filme tem legendas em português, apesar do descuido recorrente da Netflix com as traduções russas.

Em 9 de março deste ano, o primeiro homem a ir ao espaço, o major soviético Iúri Gagárin, completaria 85 anos. Para celebrar a data, a TV estatal russa Piérvi Kanal transmitiu o filme “Iúri Gagárin: o primeiro no espaço” (2013), que também entrou para o catálogo do Netflix com legendas em português.

O filme mostra como, em 12 de abril de 1961, o cosmonauta decolou em um foguete Vostok e orbitou a Terra por 108 minutos – aliás, coincidência ou não, esta é a exata duração do filme. Ele foi selecionado entre mais de três mil pilotos de combate pela União Soviética, e o filme retrata justamente a preparação de 20 deles e alta tensão do grupo enquanto a escolha do “primeiro” ainda está em andamento.

Gagárin era um piloto talentoso da força aérea soviética, assim como muitos outros, mas o que lhe rendeu destaque durante a seleção foi, entre outras coisas, sua conduta quanto aos colegas no treinamento, que fica clara no filme e também nas tantas fotos do sorridente cosmonauta.

Sua trajetória não foi fácil. Ele nasceu em uma família de camponeses simples, bastante debilitada após a dizimação trazida pela Segunda Guerra Mundial. Esses fatos vêm em forma de flashbacks na produção, intercalando pontos cruciais de sua vida, da infância, do início do romance com a futura mulher, da cômica aprovação como piloto da força aérea soviética e do treinamento e voo ao espaço.   

Rodado na Crimeia ainda antes da reintegração da península à Rússia, o filme foi a primeira biografia cinematográfica autorizada pela família do cosmonauta.

“Para toda nossa família, a decisão de participar da criação deste filme de ficção não foi simples. Recebemos diversas vezes propostas semelhantes, mas foi a primeira vez que me pareceu que a tentativa de rodar um filme sobre meu pai teria êxito”, disse, quando da estreia, a filha mais velha do cosmonauta, Elena Gagárina.

Garoto-propaganda da URSS

Aos 20 e poucos anos, o ator principal do título, Iarosláv Jalnin, foi catapultado de pequenos papeis e filmes menores para as telonas como Gagárin, após ter começado a carreira artística no circo de sua cidade natal, Níjni Taguil, na Rússia Central.

“Foi muito tocante quando o ator que fez meu pai se alvoroçava no filme. Acho que o título vai ser motivo de orgulho para seus criadores”, disse Gagárina sobre Jalnin.

A representação de pilotos e engenheiros condiz com a vida real, e até a aterrissagem do cosmonauta após a jornada pode ser uma surpresa e uma aprendizagem para os leigos.

Com uma nova “corrida lunar” em curso, a distribuição do filme no Netflix e seu “revival” na TV russa são oportunos. “Iúri Gagárin: o primeiro no espaço” teve um orçamento de meros US$ 7 milhões, com patrocínio do banco de desenvolvimento russo Vneshekonombank – o que não transparece na produção esmerada, com a fotografia de cair o queixo que é de praxe das produções russas e bons efeitos especiais.

O filme captura claramente a competição entre União Soviética e Estados Unidos, e como os êxitos no espaço foram uma fonte de orgulho nacional – apesar de algumas dessas manifestações parecerem um pouco românticas demais na tela.

Gagárin também aparece como o perfeito garoto-propaganda dos soviéticos, e a produção termina antes de evidenciar qualquer falha humana sua, principalmente com a depressão e o alcoolismo que se seguiu a essa.

Mas isto, certamente, não tira o valor do roteiro, para além de sua estética apurada e do enorme êxito do voo de Gagárin, que lançou a URSS para a dianteira da corrida espacial – posição que a Rússia herdou e manteve, sendo hoje responsável por lançar os próprios norte-americanos à ISS em seus ônibus espaciais.

Além de reforçar a inegável imagem pioneira da Rússia no cosmos, o roteiro intensifica a abertura do país no período, segundo transparece em uma análise mais atenta. Isto fica patente na representação de um bonachão Nikita Khruschov que negocia a nova patente de Gagárin e simboliza claramente seu famoso “degelo”, o período de abertura do país após a morte de Stálin. Este detalhe é complementado pela figura do engenheiro Serguêi Korolióv, pai da cosmonáutica soviética, que, na escolha entre Gagárin e outro piloto, acusa abertamente o general Nikolai Kamanin de estar reavivando as perseguições da era Stálin.

O resultado final é biscoito fino: um drama que não teme tocar em jogos políticos em todos os níveis. É uma pena somente que, apesar dos esforços do Netflix para aumentar o número de títulos russos em seu catálogo, a empresa ainda faça suas legendas por intermédio das inglesas – enquanto quaisquer outras produções russas para o cinema, como “Dovlátov” e “Verão” (ambos de 2018), já têm usado se não a tradução direta, pelo menos a revisão de profissionais que dominem o par russo-português.

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